"Classe 2 pode ser bloqueio à entrada no mercado de viaturas mais eficientes"
António Costa e Rui Rio selaram nesta semana entendimentos em matérias estruturais e que simbolizam a reaproximação PSD-PS. Na descentralização e no próximo pacote de fundos comunitários, os dois partidos construíram uma base de entendimento. Os acordos dão o mote para a entrevista ao ministro Pedro Marques, que tem a pasta dos fundos comunitários, mas também da TAP e das autoestradas. Começamos por aí e pela renegociação do contrato com as concessionárias, como a Brisa, que pode vir a alterar as portagens.
O governo está a renegociar o contrato de concessão com a Brisa no sentido de adaptar o regime de classificação de veículos e assim passar alguns da classe 2 para a 1? O que espera dessa renegociação?
Esse é um aspeto importante para nós, não só com a Brisa, porque não faz sentido nenhum a classificação passada em relação a alguns tipos de veículos, mas isso é um aspeto apenas. Muito mais importante é que há investimentos previstos naqueles contratos que até poderiam, por regras automáticas de alargamentos, significar mais carros a entrar nas cidades, e isso não é a prioridade... Há coisas mais interessantes para fazer, como a criação dos corredores prioritários para veículos com elevada ocupação. São soluções que facilitam outro paradigma de mobilidade nas áreas metropolitanas que têm de ser renegociadas, porque os contratos não previam essas situações.
Diz que não é só com a Brisa, mas também com todos os outros operadores que têm concessões de autoestradas?
Relativamente a essa questão da classe 2, sim.
Isto vai implicar um aumento de custo das PPP para o Estado e para o contribuinte?
Isso tem de ser visto, porque o número de carros nessa situação é muito limitado. O que acontece é que há cada vez mais carros com essas novas características, que são muito mais eficientes do ponto de vista ambiental, e isso [classe 2] pode suscitar um bloqueio à entrada no nosso mercado por via do custo das portagens de um conjunto de viaturas que até são mais eficientes do ponto de vista ambiental.
Falando ainda de estradas e do túnel do Marão, depois dos recentes acidentes e dois anos depois da inauguração, está previsto um centro de comando que venha reforçar as condições de segurança?
Está previsto um reforço das condições de segurança e esse centro de comando, mas a ideia de insegurança no túnel do Marão é uma ideia que quero afastar completamente. O túnel do Marão tem as melhores práticas de segurança a nível europeu, mas vamos reforçá--las e reforçar a tranquilidade das comunidades com medidas como centro de controlo e a existência de equipas de bombeiros na boca de túnel para acelerar mais a capacidade de resposta em qualquer evento. É preciso recordar que os eventos existentes no túnel, os mecanismos previstos de evacuação e de uso das passagens entre as duas bocas de túnel funcionaram perfeitamente.
O governo e o PSD chegaram a acordo para a posição de princípio de Portugal sobre o próximo quadro comunitário, mas é um acordo que ainda não entra em pormenor quanto aos setores da economia que mais vão beneficiar destes fundos europeus e quais as suas prioridades. Quando é que prevê começar a negociar com o PSD?
Será muito importante a fase seguinte de trabalho, que há de ocorrer depois das negociações europeias relativas ao pacote financeiro de apoio à política de coesão, mas esta era uma fase crucial, porque hoje podemos dizer a Bruxelas que há um entendimento no país relativamente às prioridades estratégicas para a próxima década. Dar prioridade às pessoas no sentido de reforçar a inclusão e o combate às consequências do envelhecimento da população do ponto de vista económico e da sustentabilidade do país do ponto de vista demográfico; promover mais qualificação e mais inovação no país, porque é absolutamente crítico, e ficou muito claro neste acordo que o país quer correr para o topo. Para isso precisamos de inovação e qualificações. Por outro lado, este desígnio da competitividade externa e da coesão externa, que significa um território mais competitivo no exterior mas mais coeso cá dentro, e finalmente a questão da sustentabilidade na utilização dos nossos recursos em tudo o que tem que ver com o combate às alterações climáticas. Portanto, prioridades que ficaram bem arrumadas com o país e agora do ponto de vista político com o maior partido da oposição. Mas um debate que também fizemos com os partidos que apoiam a solução política atual, porque não fazia sentido descurar aqueles que são também responsáveis pelos bons resultados de Portugal no período em que nos encontramos.
Ter Rui Rio à frente do PSD fez a diferença?
Fez diferença manifestamente na disponibilidade daquele partido para este entendimento político. Nós estivemos sempre no mesmo sítio. Muito antes de a questão surgir, de haver eleições no PSD, já estávamos a debater há meses com o país esta possibilidade de consenso em termos económicos e sociais para um caminho para a próxima década.
Disse que todos os partidos foram integrados neste processo. Como é que explica as críticas dos partidos mais à esquerda?
Eles foram ouvidos e tenho a expectativa de que continuemos a discutir estes temas. É razoável pensar que venha a existir algum debate parlamentar sobre o documento produzido e não tenho nenhuma intenção de fazer este caminho sem consultar nas próximas fases os partidos que apoiam o PS na solução governativa. Para mim, neste ministério e em geral no governo, o entendimento com os partidos à esquerda será sempre parte da solução ao longo da legislatura e até, quem sabe, numa próxima legislatura.
Já tem resposta de Bruxelas sobre a reprogramação do Portugal 2020?
Nem sequer tenho pergunta a Bruxelas. Não formalizámos ainda o processo de reprogramação. O que fizemos foi estruturar um processo de reprogramação que continua a ser construído nos pormenores. Eu fui falar com a senhora comissária europeia e apresentei-lhe genericamente a nossa abordagem, combinámos trabalhos técnicos entre os serviços portugueses e os serviços da Comissão e uma formalização da reprogramação ao longo do próximo semestre e idealmente a sua conclusão. Continuamos a trabalhar para apresentarmos a melhor proposta possível a Bruxelas.
Quando terá essa proposta?
Temos a expectativa de apresentá--la em breve, em maio, com o objetivo de a concluir até ao verão.
A lógica do futuro Portugal 2030 será próxima daquela do 2020, de empréstimos muito baratos ou a fundo perdido?
É muito cedo para lhe dizer que instrumentos de apoio vão existir. É um debate que se está a fazer em Bruxelas. Admitimos perfeitamente a existência de instrumentos financeiros como os empréstimos às empresas, mas precisamos de condições idênticas para os programas de âmbito nacional e de gestão centralizada em Bruxelas. Na verdade há diferenças importantes nestes programas e isso não favorece a aplicação dos programas dos chamados países da coesão como algumas das nossas. Temos estado a reclamar, e vamos fazê-lo de forma acrescida em Bruxelas, que os instrumentos de apoio a fundo perdido que ainda fazem sentido em países periféricos como o nosso e que mesmo esses instrumentos quando aplicados em países como o nosso tenham critérios idênticos de aplicação aos fundos que são geridos diretamente a partir de Portugal. Estamos na fase em que o país se entendeu sobre prioridades estratégicas para a próxima década e vamos começar a construir políticas e instrumentos para aplicá-las.
Do que já foi contratualizado no Portugal 2020, quanto é que é financiamento privado?
Estamos com um nível de execução muito positivo do Portugal 2020. Continuamos a ser o primeiro país em pagamentos em relação ao total do pacote financeiro que temos nos países com envelopes financeiros relevantes, acima dos cinco mil milhões de euros. Estamos particularmente naquilo que é o apoio às empresas e aí já fizemos pagamentos na ordem dos 1500 milhões de euros por conta do investimento das empresas, mas é preciso ter a noção de que isso significa quase outro tanto por parte das empresas. O rearranque do investimento público em 2017, e que foi muito significativo, na ordem dos 25%, tem muito que ver com a execução dos investimentos apoiados pelos fundos comunitários, em particular das autarquias, e mesmo o investimento privado também tem um papel, porque as empresas também sabem que nos investimentos mais arriscados, cujo crédito bancário não está disponível ainda, podem recorrer a estes financiamentos por via dos fundos.
No investimento público, o que é expectável para este ano e para o próximo, tendo em conta a dificuldade que houve em fazer arrancar esse investimento?
Desde logo pusemos a fasquia alta para este ano e para os seguintes no contexto do plano de estabilidade. É verdade que 2016 teve valores baixos de investimento, há uma explicação e dou o exemplo do meu ministério: o nosso principal programa de investimento neste ciclo é a ferrovia, como sabem, em particular as ligações internacionais de mercadorias para dar competitividade às nossas empresas. Esse programa tem um investimento que ultrapassa os dois mil milhões com financiamentos comunitários. Quando chegámos ao ministério encontrámos projetos concluídos para mais ou menos 2% do total que só permitiam lançar concursos públicos que valiam 40 milhões de euros.
Portanto, a culpa foi do governo anterior?
Se eu encontro projetos concluídos para 40 milhões de euros de investimento, está bom de ver que em 2016 não podia correr bem. O investimento público vai crescer significativamente ao longo do período de execução do programa de estabilidade, sim, objetivos ambiciosos em 2018, 2019 e 2020, aproveitando este apoio que temos dos fundos estruturais e que eu gostava de ter começado a aproveitar mais cedo mas objetivamente não tinha condições para lançar os concursos de obra. Há um mês lançámos o maior concurso de investimento público de décadas e de certeza o maior de construção de linha nova ferroviária dos últimos cem anos em Portugal - e não estou a exagerar, porque vamos construir quase cem quilómetros de linha ferroviária entre Évora e Elvas. Mas porque é que não lançou mais cedo? Não tinha projetos para isso. Tivemos de fazer os projetos, os concursos públicos, obter uma declaração de impacto ambiental e fazer obra.
O estudo de impacto ambiental para o novo aeroporto de Lisboa já está pronto?
Ainda não nos foi entregue. Está por dias ou semanas a entrega desse documento. Contudo, como sabem, iniciámos as negociações relativamente à proposta da ANA e essas serão acompanhadas de toda a consideração dos resultados e da avaliação de impacto ambiental, da discussão pública.
Após o estudo de impacto ambiental, quando é que o governo pretende tomar uma decisão?
Mantenho o objetivo daquela utilização civil da base do Montijo...e de podermos iniciar algures no início de 2019 as obras nessa infraestrutura, o que significa que algures no segundo semestre deste ano temos de concluir as negociações com a ANA.
Se as obras começam em 2019, quando é que o aeroporto estará pronto?
Em 2021, para entrar em funções em 2022. Os calendários essenciais do memorando definido há um ano com a ANA mantemo-los. Sabemos da exigência da negociação que temos pela frente. Temos de defender o interesse público numa situação difícil, porque estamos perante uma concessão de carácter monopolista em que as obrigações financeiras da empresa são todas incorporadas no contrato porque todo o dinheiro que estava disponível foi aproveitado à cabeça pelo governo anterior, portanto deixou a ANA de ter essa obrigação financeira perante o Estado nesta fase, mas vamos trabalhar para ter uma boa negociação que defenda o interesse público e seremos intransigentes.
Mantém que o custo da obra vai ser integralmente suportado pelas receitas aeroportuárias? Ou seja, o Estado não vai gastar um cêntimo?
Continua a ser o nosso objetivo e não pretendemos alterar essa situação. O contrato de concessão tem as condições, até pelo sucesso do crescimento do tráfego aeroportuário em Portugal e sobretudo tudo aquilo que esta revisão do contrato permite ao proporcionar que aqui na região de Lisboa se criem condições para, pelo menos, se duplicar o tráfego aeroportuário global, há todas as condições para ser no âmbito do contrato de concessão que se financiem estas obras.
É esse o trade-off da renegociação que está a ser feita com a ANA: permitir que se aumente o tráfego aeroportuário, em contrapartida o Estado não investe nesta obra do aeroporto do Montijo?
É o que faz sentido. É um contrato que tem condições para financiar este investimento e o concessionário tem interesse nisso porque haverá mais tráfego, mais passageiros e mais receitas para o concessionário. Nesse sentido há uma confluência de interesses. O que para nós é fundamental é não penalizar a competitividade das nossas infraestruturas aeroportuárias a pretexto desta adaptação no Montijo.
Olhando para os resultados da TAP, e se olhássemos apenas para a atividade aérea, a TAP teria tido cem milhões de lucro em 2017. A verdade é que apresentou lucros de 21 milhões... Na assembleia geral o Estado vai defender a venda de ativos menos sustentáveis para a TAP?
O que quero registar é a evolução muito positiva da TAP nestes dois anos. A diferença que aí referiu corresponde à continuidade de um processo de reestruturação de alguns dos ativos e da manutenção da engenharia no Brasil, mas nunca esquecer que a TAP é o maior operador, que tivemos o melhor ano no Brasil. Nunca esquecer a importância que teve esse investimento estratégico da TAP naquele ativo, embora com as consequências que tem tido financeiramente, mas também é preciso recordar a dificuldade que sistematicamente empresas portuguesas foram tendo na obtenção de resultados em investimentos que fizeram no mercado brasileiro. A TAP ganhou a aposta no mercado brasileiro de forma clara e é o maior operador para o Brasil a partir da Europa.
Mas há necessidade de vender ativos?
A TAP está a ganhar saúde financeira e não começou a vender ativos. A TAP conseguiu estabilizar o seu passivo de forma significativa.