"Os cidadãos pagam demasiados impostos, as empresas não"
Gonçalo Quadros considera que Portugal "pode ser o centro da engenharia da Europa". Desta forma, o país poderia responder aos pedidos das grandes empresas mundiais à procura de pessoal para acelerar a sua transformação digital, no entender do presidente do conselho de administração da Critical Software.
O gestor considera também que os impostos não são um problema para as empresas portuguesas mas sim para os cidadãos.
Reflexões transmitidas na segunda parte da entrevista a Gonçalo Quadros no programa A Vida do Dinheiro. Poderá ler a primeira parte através desta página - Critical Software vai apostar nos dispositivos médicos.
Qual é a sua visão do empreendedorismo em Portugal?
É uma explosão que tem óbvias virtudes. É um big bang e vejo com muita expetativa o que está a acontecer. No princípio da Critical, há 21 anos, isso não acontecia. Éramos convidados para falar sobre o nascimento da empresa e os auditórios ficavam vazios. Hoje, é o contrário: a geração mais nova tem uma vontade muito grande de perceber como isto funciona e criar as suas empresas. Não há nenhuma dúvida de que temos de dar um salto e perceber o que queremos para o país e alinharmo-nos, a nível estratégico, para facilitar o caminho.
Que caminho é esse?
Portugal podia ser o centro de engenharia da Europa. Não é muito difícil. Temos aquilo que é necessário: boas escolas de engenharia e capacidade instalada por empresas reconhecidas. O que nos falta é escala. Temos que crescer muito rapidamente. Por exemplo, uma BMW precisa de milhares de engenheiros. Se perguntarmos a todas as outras empresas que estão em processo de transformação digital, que precisam de introduzir engenharia de software nas suas práticas de fabrico e de produtos e que não têm recursos de engenharia, sobretudo no Centro e Norte da Europa, esses mercados vêm Portugal como uma possibilidade para introduzir e acelerar esses programas à velocidade necessária. Uma BMW não se instala em Portugal porque temos salários mais baratos. É por termos engenheiros. Mas como a BMW, há várias empresas que querem fazer o mesmo. A única coisa que temos de fazer é escalar rapidamente e olhar para a capacidade de abraçar estes projetos.
Temos de apostar no ensino superior?
Não basta. Para já, o ensino superior não é capaz. Não tem mostrado qualquer tipo de agilidade e não tem percebido a brutal oportunidade que temos em Portugal, Temos de apostar na requalificação. Na Critical Software, já requalificámos centenas de pessoas em oito anos. Temos parcerias com a universidade de Coimbra, o instituto superior da cidade e outro projeto com a cidade do Porto. Vão buscar pessoas inteligentes mas sem oportunidades interessantes para as suas carreiras. Estudaram Matemática e como têm bom raciocínio lógico, com um esforço relativamente pequeno, podem abraçar carreiras profissionais, com sucesso, na área da engenharia de software. Temos capacidade de transformar o país com base nisto absolutamente brutal. A par do turismo, isto pode ser uma grande alavanca para a nossa economia.
Porque acha que a universidade tem falhado?
É um sistema muito ossificado, com pouca flexibilidade. Nas universidades, para se formarem mais pessoas em engenharia dos computadores, deixa-se de apostar noutros domínios. Mas para se deixar de formar pessoas noutros domínios, temos de fechar licenciaturas e despedir professores. Isso não é possível porque a capacidade de as faculdades se adaptarem neste contexto é muitíssimo diminuta. Ainda assim, poderia fazer-se mais. Mas também compete às empresas perceberem que há uma oportunidade muito grande e ajudar a endereçar desafios. As empresas instalam-se em Lisboa - e agora no Porto porque Lisboa está saturada - mas porque não vão para o resto do país? Se se encontrasse a chave para isso, teríamos uma forma de desenvolver o país de forma mais simétrica. A Critical sente o abrandamento do crescimento económico mundial na faturação internacional? Não. Pelo contrário, quanto mais recursos tivermos, mais conseguiremos crescer. O nosso desafio, atualmente, não é vender, como num projeto tradicional. O desafio é construir equipas fortes, sólidas, sem perdermos a nossa identidade.