Instabilidade nos EUA pode atirar Portugal para nova crise
Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), alerta que países muito endividados, como Portugal e Itália, correm o risco de as taxa de juro da dívida aumentarem, crescendo acima do ritmo da economia, caso a recente instabilidade política nos EUA conduza a uma crise nos mercados financeiros. Por terem as dívidas mais altas da zona euro, são os dois países com maior exposição a uma situação de contágio.
"O otimismo crescente face a uma perspetiva de crescimento económico nos EUA e na Europa inflacionaram os mercados globais no início do primeiro trimestre deste ano. Contudo, os desenvolvimentos recentes lançam dúvidas acerca da materialização de uma inflação significativa", indica o Relatório de Estabilidade Financeira do BCE, ontem divulgado. A incerteza política vivida do outro lado do Atlântico pode levar a uma subida repentina nos juros e contaminar toda a zona euro.
"De um modo geral, os riscos para a estabilidade provenientes dos mercados financeiros continuam a ser significativos (...). Uma subida abrupta dos valores poderia materializar-se em contágio dos juros mais altos nas economias avançadas, em particular dos Estados Unidos", explica o BCE. A instituição refere ainda que um período prolongado de elevada incerteza política poderá também contribuir para a exigência de prémios mais elevados por parte dos investidores ou para uma pressão inflacionista acima do esperado na zona euro.
Se a ameaça paira sobre todos os países da moeda única, o risco é ainda mais acentuado em Portugal e Itália. Em caso de contágio, ficariam com uma taxa de juro de dívida maior do que o crescimento da economia. O diferencial acabaria por se traduzir em mais dívida pública, "provocando um efeito bola de neve", indica o BCE, e levando a uma nova crise.
"Os riscos sistémicos são reais," reconhece Eduardo Silva, gestor da corretora XTB, em declarações ao DN/Dinheiro Vivo. "Não significa que se materializem. Apenas é uma chamada de atenção, uma vez que, na opinião da instituição, os riscos de uma subida geral dos juros colocaria pressão sobre as economias mais endividadas." O analista acredita que os dados recentes sobre o crescimento da economia portuguesa podem resultar numa euforia que provoque a sensação enganadora de que o pior já passou. "A política monetária expansionista do BCE está a ter um impacto forte no crescimento e nos indicadores económicos, como o emprego e a inflação. De uma forma secundária, este impacto é sentido ainda no investimento, nos juros da dívida, no sentimento de mercado e, principalmente, está a criar uma ilusão de que o pior está para trás. O aviso do BCE surge sob forma de alerta para que os governos locais considerem igualmente o cenário menos positivo."
Mário Centeno, ministro das Finanças, acredita que a situação irá alterar-se já a partir do próximo ano, quando a dívida deverá começar a reduzir-se e, por isso, Portugal ficará menos exposto à incerteza política e às variações dos mercados.