Inflação:

Economistas lembram efeito da subida de preços na receita fiscal e defendem que medidas mais sofisticadas e diferenciadas permitiram melhores resultados. Admitem até alguma subida de rendimentos na função pública e pensões, antecipando o que virá em 2023 ou através das tabelas de IRS. Empresas insistem no lay-off para salvar empregos e no corte de impostos para travar escalada.
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É dos maiores aumentos de um mês para outro de que há registo e o valor é dos mais altos de sempre: em abril, a inflação em Portugal subiu aos 7,2%, aproximando-se num salto da média europeia (7,5%). E se esta inclui já algum fator de recuperação económica pós-pandemia em países como a Alemanha, para nós a escalada de preços nada demonstra de melhorias, antes traduz diretamente o efeito de várias crises numa economia que se mantém débil e pouco resistente a eventos externos - como a guerra, os embaraços logísticos e as carências de matérias-primas.

"O salto na inflação significa que a resistência das empresas em repercutir plenamente o aumento de custos nos preços tem um limite e esse limite está a ser atingido", vinca António Saraiva, presidente da CIP. "Se a inflação se tinha mantido, até agora, aquém dos níveis médios da área do euro era porque estava está a ser travada à custa das margens das empresas - e essa resistência não podia durar muito mais." O que se pode fazer para segurar o disparar de preços que está a deixar de rastos os orçamentos familiares e as contas das empresas é a grande questão - e essa depende de uma decisão política.

A que Costa e Medina têm privilegiado passa por ajudas mais ou menos inócuas para o défice, mantido em rédea curta, e para uma dívida que é das mais altas da Europa, em vésperas de o BCE pôr fim aos apoios e ao congelamento das taxas de juros. "Políticas mais expansionistas neste ano seriam um erro", tem repetido o ministro das Finanças, secundado pelo primeiro-ministro na recusa dos argumentos de partidos e sindicatos para despejar dinheiro sobre os problemas que famílias e empresas enfrentam. E optando por medidas como o corte temporário de 20 cêntimos no ISP, apoios a indústrias intensivas em energia ou abatimentos fiscais específicos para certas atividades. Sempre com tetos. E por todos, famílias e setores de atividade, considerados manifestamente fracos e insuficientes.

O executivo, porém, podia dar mais, acreditam economistas e empresários. Não apenas por via de algum alívio na obsessão das contas certas - que todos reconhecem ser fundamentais mas apontam estar demasiado presentes num momento em que a prioridade devia ser dada à emergência da crise - mas também pela almofada fiscal acrescida que a inflação assegura ao Estado.

"Tal como na pandemia, tempos excecionais exigem medidas excecionais", vinca Luís Miguel Ribeiro, pedindo "medidas decisivas para apoiar as empresas nesta conjuntura e melhorar a sua competitividade". "A melhor resposta que o governo pode dar à atual crise é mitigar o mais possível a subida dos custos de produção, mesmo que à custa de um défice mais alto, enquanto vigora a flexibilidade europeia", diz o líder da Associação Empresarial de Portugal (AEP).

"O objetivo das contas certas está a ser sobrevalorizado face à gravidade do impacto recessivo e inflacionista da guerra", concorda António Saraiva, pedindo um "equilíbrio adequado à situação", que permita às empresas portuguesas estar numa posição semelhante à dos parceiros europeus - para o que seria essencial que a Europa falasse a uma só voz: "A dimensão das ameaças só terá resposta eficaz através de programas coordenados e financiados a nível europeu."

Não havendo esse nivelamento, que margem tem o governo português? "A inflação que registamos é importada, os preços da energia são fixados fora... a verdade é que não temos influência direta nas causas" do que está a provocar perdas brutais no poder de compra dos portugueses e na capacidade produtiva das empresas, explica o economista e professor do ISEG João Duque.

Subir salários e pensões tem sido o pedido mais repetido para ajudar as famílias a recuperar alguma capacidade orçamental - que o governo tem rejeitado liminarmente como via para piorar o cenário. Alberto Castro, porém, lembra que se, num primeiro momento, faz sentido que "o governo não queira deitar mais gasolina na fogueira inflacionista", melhorando rendimentos às famílias, como sindicatos e partidos têm exigido (leia ao lado), é preciso distinguir as águas. "Uma coisa é o impacto da inflação numa famílias que recebe o salário mínimo ou depende de uma pequena pensão, outra é quanto pesa numa remuneração mais alta", frisa o economista e professor da Católica Porto Business School, lembrando que "o governo ainda não assumiu com clareza que estamos em contexto de economia de guerra e isso requer sacrifícios, que têm de ser repartidos com equidade".

"Era bom que o governo não estivesse tão preocupado com brilharetes orçamentais e se concentrasse em apoios equitativos", defende, lembrando que o governo tem 4,5 anos pela frente e "não precisa de medidas populistas". E recorda o efeito benéfico da inflação nas contas, no imediato, por via da receita fiscal - já focado pelo DV/DN na sequência da análise do Conselho de Finanças Públicas ao OE2022. Com preços mais altos, o imposto recolhido também sobe, engordando a receita que chega aos cofres públicos, enquanto a despesa se mantém agarrada aos 0,9% da inflação do ano passado, que ditou os aumentos salariais.

"Os aumentos de remunerações a funcionários e pensionistas já se foram há muito", lembra João Duque, pesando a ideia de subir agora um pouco os salários na Administração Pública e as pensões: "Ajudaria a recuperar poder de compra e o Estado recuperaria por via do consumo", resume o economista, rejeitando a ideia de que criaria pressão inflacionista. "Estaríamos simplesmente a antecipar parte do aumento que vão ter no próximo ano. É uma falsa questão. E só é critério porque não há eleições nos próximos 4,5 anos", diz.

Não optando por aumentos salariais imediatos, Alberto Castro vê com bons olhos que se atue ao nível da política fiscal com critério diferenciador. "O Autovoucher é aparentemente uma boa ideia, mas no fim do dia estamos a dar um benefício a muitos que não precisam e não chegamos a uma quantidade de gente que não tem carro ou não o tem entre os seus gastos prioritários", explica. Aponta outro caso: os 45 milhões orçamentados para dar 60 euros e meia botija de gás às 830 mil famílias mais pobres. "O apoio podia ser alargado no tempo e no âmbito", diz, lembrando que o secretário de Estado das Finanças admitiu que, por cada cêntimo de descida no ISP, o Estado perde 6,5 milhões por mês em receita fiscal. "É uma enorme desproporção", diz o docente.

Em vez de "gastos horizontais e indiferenciados", para o economista, seria "mais eficiente ter medidas mais sofisticadas" que entregassem dinheiro às pessoas permitindo que escolhessem onde o gastar. Ou agir no IRS: "Atualizar escalões com base na inflação seria uma medida justa, mesmo que transitória", defende. João Duque não é fã de transferências diretas, mas sublinha os ganhos de receita fiscal que o governo está a ter com a inflação para apontar "uma redução da cobrança de impostos" ou medidas como o IVAucher, "dirigidas a quem realmente precisa, na medida e áreas em que precisa".

Na diferenciação também Alberto Castro vê benefícios para as empresas: os dados do IRC permitiram fazer a distinção e responder à medidas de quem gasta mais combustíveis, com majoração às que empreendessem mudanças estruturais para a sustentabilidade. Para as pessoas pouparem nesse item, propõe soluções como a redução dos limites de velocidade, melhoria e gratuitidade dos transportes públicos, de modo a aliviar sem perder o horizonte de médio prazo da transformação energética.

Para quem está do lado das empresas, o peso dos custos energéticos é o monstro a combater. "O governo deve continuar a fazer cortes nos combustíveis (ISP, energia e afins) para poder democraticamente controlar os aumentos que o mercado não consegue evitar", defende Gonçalo Lobo Xavier, secretário-geral da APED. Para o representante das empresas de distribuição, se "outros governos europeus aumentaram apoios a todos os cidadãos através do OE e com isso mitigaram as dificuldades, não há porque pensar que o português não pode fazer o mesmo". O problema poderá ser a dessincronia europeia apontada por António Saraiva. Apesar do incentivo de Bruxelas a que se crie apoios, a realidade não é linear: "Países com maior poder financeiro atuam em benefício das suas empresas com apoios significativos, enquanto os que têm menor margem de manobra se retraem." Para ajudar a conter a crise e evitar o perigo da estagflação, o líder dos patrões aponta duas prioridades: "Salvar as empresas e preservar o emprego; bem como responder à altura ao aumento de custos do gás natural, da eletricidade e dos combustíveis."

As ferramentas essenciais passam pelo regresso do lay-off simplificado e concessão de apoios a fundo perdido às empresas mais afetadas pela escalada de preços, mas também outros que estão a ser negociados com Bruxelas (redução do IVA sobre a energia, intervenção no mercado grossista da luz, redução do ISP além do verão). Caminhos igualmente bem vistos pela AEP. "É decisivo apoiar as empresas com medidas como o lay-off e o banco de horas individual, que se reoriente o PRR para setores mais afetados e reduza a carga fiscal, que atingiu o máximo de 35,8% em 2021", sublinha José Miguel Ribeiro. Sem isto e as reformas há muito adiadas, não será possível evitar "uma escalada de falências e desemprego" que deixará Portugal ainda mais para trás na Europa. "Em 2021, fomos o sétimo pior em PIB per capita em paridades de poder de compra."

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