IMI nas barragens: "Não foi decisão arbitral que mudou posição do Fisco, foi exatamente o contrário"
O governo decidiu obrigar o fisco a cobrar IMI nas barragens. Opção de não cobrar imposto não vem, afinal, de uma decisão do CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa).
O governo anunciou na semana passada que vai obrigar o fisco a cobrar IMI nas barragens, depois de as Finanças terem alterado a sua posição quanto à cobrança em 2016, supostamente após uma sentença em sentido contrário do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). Terá sido, porém, não a decisão do CAAD mas um parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) o que esteve na origem da alteração de visão das Finanças no caso que envolvia a EDP. A APA defendia que as barragens são bens do domínio público, levando o Fisco a assumir que estes imóveis não estariam sujeitos a imposto. E esse mesmo parecer da APA - e entendimento das Finanças - é que esteve na origem da decisão arbitral, esclarece Nuno Villa-Lobos, presidente do CAAD. Que vinca que o processo foi o inverso do que se diz: o Fisco considerou que devia ser a APA a dizer o que entendia e esta entendeu que não devia haver lugar a cobrança.
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Foi atribuída ao CAAD a decisão de recusar a cobrança de IMI às barragens. Ou melhor, terá sido uma decisão vossa em relação à barragem da Pracana a abrir o caminho para a decisão da Autoridade Tributária não cobrar o IMI a todas as barragens. Confirma?
Se fizermos fé no que dizem duas iniciativas legislativas recentes, uma delas do Bloco de Esquerda, a conclusão é realmente essa. Tudo começou e acabou no CAAD. No entanto, os factos... esses factos... estão completamente errados e têm levado muita gente ao engano. Jornalistas, comentadores, etc. Parece que houve subitamente uma enorme pressa em atribuir-nos a paternidade de uma decisão com impacto nacional e com forte leitura política. Infelizmente para essas pessoas, a história é bem diferente. Sim, há uma decisão do CAAD, mas essa decisão tem na origem uma tomada de posição da Autoridade Tributária (AT) e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Pode ser mais claro?
Isto é um pouco longo. Mas deixe-me sintetizar assim o início deste caso. Tenho aqui uma fita do tempo. A 1 de dezembro de 2015, a unidade da Autoridade Tributária responsável pela gestão do IMI elaborou uma informação, com despacho de concordância da diretora-geral da AT, de acordo com a qual se reconhecia que as construções e as edificações referentes às barragens que se mantivessem na titularidade das empresas concessionárias eram considerados prédios para efeitos fiscais, devendo ser avaliados e inscritos na matriz. Em consequência deste entendimento, ou seja, a obrigatoriedade de inscrição matricial e sujeição a IMI das barragens de utilidade pública, as empresas concessionárias impugnaram sistematicamente as liquidações adicionais de IMI nos tribunais tributários do Estado. No caso do CAAD, entrou apenas um processo, com um montante de 54 387,87 euros, tendo o tribunal arbitral sido constituído em 3 de junho de 2016.
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Ou seja, nessa altura a AT considerava que se deveria cobrar IMI...
Sim. Mas o processo continua. A 5 de maio de 2016, ou seja, cerca de um mês antes - note bem, antes - da constituição do tribunal arbitral tributário, a própria Autoridade Tributária levanta várias objeções à informação que elaborara em 2015. Ou seja, considera, desta vez, que não cabia à Autoridade Tributária mas sim à APA esclarecer, caso a caso, qual o estatuto dominial das barragens de utilidade pública. Ora bem, logo a seguir a AT questiona genericamente a APA sobre as barragens que integram o domínio público em 16 de junho de 2016, para poder tomar uma decisão.
E qual foi a decisão genérica da APA?
Resumidamente, o parecer da Agência Portuguesa do Ambiente fez que todas as liquidações adicionais de IMI em discussão nos tribunais tributários do Estado fossem anuladas pelos serviços, tendo os processos judiciais sido declarados findos. Afinal, não fazia sentido cobrar IMI.
E o que aconteceu ao processo que estava no CAAD?
De todos os pedidos de impugnação do adicional de IMI das barragens em litígio, o único que chegou ao fim com decisão foi o nosso. Porquê? Porque as nossas decisões levam cerca de cinco meses, somos rápidos. Os tribunais do Estado levam muito mais tempo. Sublinho no entanto que a nossa decisão teve precisamente como fundamento as novas conclusões da AT que remetem a competência para a APA. E que esta informação nos foi enviada pela própria autoridade tributária para que fundamentássemos a decisão levando em conta a nova leitura. Ou seja, não foi a decisão arbitral que alterou o entendimento da Autoridade Tributária sobre estes casos, foi exatamente o contrário.
Mas afinal há uma decisão do CAAD...
Sim, há, mas a mudança de sentido de decisão da AT é que fundamenta a decisão do CAAD. Repare, todos os processos em litígio nos tribunais do Estado foram extintos por decisão da AT. No nosso caso, o litígio não foi extinto, mas o resultado foi o mesmo - não se cobrou IMI naquela barragem como também não foi cobrado em todas as outras.
Em entrevista ao Jornal de Negócios, Joaquim Silvério Dias Mateus, conhecido como o "pai" do IMI, vem dizer que para se tributar as barragens é preciso alargar por via legal o conceito de prédio e que o despacho do SEAF não é suficiente. Concorda?
Não vou comentar.
Mas o que vem agora dizer Silvério Dias Mateus não segue o atual entendimento da Autoridade Tributária e do próprio CAAD, porque coloca a questão ao nível da incidência do IMI e do conceito de prédio?
O CAAD não tem nenhum entendimento nem toma posição. Um tribunal arbitral proferiu uma decisão relativamente a uma barragem em concreto e que só vale para esse caso e mais nenhum. Essa decisão está publicada desde dezembro de 2016 e pode obviamente ser objeto de concordância, discordância ou crítica. Nunca comentei nem irei comentar nenhuma decisão em concreto.