Há 2,1 mil milhões de medidas que são ainda um mistério
Há 2,1 mil milhões de euros em medidas - 1775 milhões na despesa e 390 milhões na receita - que são ainda um mistério, alerta o Conselho de Finanças Públicas na análise do Programa de Estabilidade 2016-2020 divulgada ontem. E avisa também que, "com base na estratégia subjacente ao Programa de Estabilidade, a evolução do saldo orçamental até 2020 poderá ficar aquém da apresentada pelas Finanças". E aquém do ajustamento mínimo exigido pelas regras europeias e nacionais, pelo que "a concretização dos riscos assinalados poderá conduzir a uma situação de desvio significativo, inviabilizando o acesso à flexibilidade subjacente ao Programa Nacional de Reformas apresentado recentemente", considera o organismo presidido por Teodora Cardoso.
E os reparos não ficam por aqui. Mais de metade da redução do rácio da dívida pública entre 2015 e 2020 será feita com recurso à melhoria das condições da economia como um todo (mais consumo, investimento e exportações) e não tanto através da acumulação de excedentes orçamentais primários (sem juros), explica o Conselho de Finanças Públicas.
"O Ministério das Finanças prevê uma diminuição do rácio da dívida em 18,7 pontos percentuais [p.p.] do PIB, o que permite cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. As reduções mais significativas ocorrerão no ano de 2016 e nos dois últimos anos da projeção", acrescenta. No entanto, é o efeito retoma que explica a maior parte da redução prevista e não o impacto da consolidação orçamental. "O efeito do crescimento económico dará o maior contributo para a redução acumulada do rácio da dívida, sendo responsável por 54% da mesma, seguindo-se os excedentes primários, com um contributo de 41%, e os ajustamentos défice-dívida contribuindo com a parte remanescente".
"Ao contrário do previsto para o rácio sobre o PIB, as Finanças preveem que o stock de dívida pública aumente 4,5 mil milhões de euros no final de 2020, passando de 231,3 mil milhões em 2015 para 235,8 mil milhões."
Teodora Cardoso considera todo este exercício um pouco duvidoso porque não confia nos pressupostos para o cenário macroeconómico. "A informação mais recente tem vindo a confirmar as preocupações em duas áreas principais: as hipóteses relativas ao enquadramento externo e a insuficiente fundamentação económica para a dinâmica do investimento e das exportações, que alicerçava o crescimento da economia no horizonte" do Programa de Estabilidade.
Outro problema referido como importante tem que ver com a falta de detalhe ou de especificação de maior parte das medidas de poupança de despesa. "A falta de especificação de uma parte importante das medidas de consolidação orçamental coloca riscos à concretização das projeções apresentadas." Um terço das poupanças previstas na despesa apresenta uma especificação concreta, "carecendo de especificação a parte restante referente à redução na despesa com consumos intermédios, investimento e outra despesa corrente, num total acumulado de 1775 milhões de euros a preços correntes".
A redução do défice é feita mais com recurso a cortes de despesa do que a aumentos de receita. Mas há exceções. "As medidas de política orçamental encontram-se mais concentradas no lado da despesa (1370 milhões de euros em termos acumulados a preços correntes). Contudo, em 2017 e em 2018 o peso das medidas de política na receita superará o efeito líquido direto das medidas incidentes sobre a despesa", explica. "Em termos acumulados, as medidas de natureza fiscal representam dois terços do valor previsto. No entanto, dos 704 milhões adicionais que Mário Centeno, o ministro das Finanças, espera arrecadar entre 2017 e 2020 através da cobrança de impostos indiretos, mais de metade carece ainda de especificação (390 milhões)". E "parte importante das medidas do lado da despesa está dependente de ganhos de eficiência cuja fundamentação é, por enquanto, insuficiente".