Governo reconhece folga para subir mais as pensões no próximo ano
É a terceira vez, desde que o Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano foi apresentado, que o governo admite aumentos das pensões em 2023 acima da fasquia entre 4,43% e 3,35%, caso a inflação anual de 2022 supere a estimativa de 7,4%. Depois de o ministro das Finanças, Fernando Medina, o ter reconhecido por duas vezes, ontem, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, reiterou a mesma posição e mostrou que existe margem para tal, durante uma audição no Parlamento no âmbito da discussão na generalidade da proposta do OE para 2023.
Na verdade, a folga traduz-se numa melhoria do saldo do sistema previdencial em 75%, em 2023, e num aumento da rentabilidade anual do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) de 1,9% para 4%. Por outro lado, existe mesmo o risco de a inflação média anual ficar acima de 7,4%, segundo a estimativa do executivo, ou de 7,8%, de acordo com o Conselho de Finanças Públicas. Há quatro meses consecutivos, entre junho e setembro, que o índice de preços ao consumidor se tem fixado em torno dos 9%, tendo atingindo, no mês passado, 9,3%, o valor mais elevado desde 1992.
Diante de um cenário de inflação elevada e com base na folga orçamental da Segurança Social para 2023, a ministra do Trabalho considerou que, "caso seja necessário, o valor do aumento das pensões será ajustado em 2023 para dar a garantia que o resultado da inflação em 2022 é inteiramente cumprido".
De facto, e segundo a lei, as pensões da Segurança Social (cerca de 2,9 milhões) e da Caixa Geral de Aposentações (em torno das 650 mil) deveriam ser atualizadas, no próximo ano, entre 8% e 7,1%. Ora a redução para quase metade foi a contrapartida encontrada pelo executivo para o bónus de mais meia pensão paga este mês a todos os reformados com prestações mensais até 5318,4 euros, ao abrigo do apoio extraordinário às famílias para mitigar os impactos da inflação.
Em setembro, o Ministério do Trabalho acenou com o risco da sustentabilidade da Segurança Social para justificar este corte nas pensões. Num documento, enviado na altura ao Parlamento, a tutela demonstrou que a aplicação integral da fórmula de aumento das reformas iria tirar 13 anos de vida à Segurança Social. Contudo, as projeções estavam desatualizadas. Ana Mendes Godinho esclareceu ontem que "a simulação para a atualização das pensões foi feita com base nos pressupostos do Orçamento do Estado para 2022 e que tinha acabado de ser aprovado, nos pressupostos de receita e de despesa previstos no Orçamento do Estado para 2022".
Acontece que a diminuição do desemprego e a subida dos ordenados levaram a uma melhoria do saldo do sistema previdencial. "Fruto do emprego e do aumento dos salários, as receitas, as contribuições vão aumentar 10% em 2023 face ao projetado em 2022", que, aliadas "à redução de 20% da despesa com subsídios de desemprego", vão permitir "um aumento de 75% do saldo do sistema previdencial" da Segurança Social, esclareceu a ministra. De facto, a proposta do OE para 2023 mostra que o sistema previdencial conta com um excedente orçamental de 3,1 mil milhões no próximo ano.
O acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos assinado entre governo, UGT e confederações patronais também terá um papel importante para a sustentabilidade da Segurança Social. Ana Mendes Godinho afirmou que se trata de "um compromisso quanto à evolução dos salários e contribuições que permite, em termos acumulados, um aumento de mais de 50% das contribuições para a Segurança Social até 2026. E acrescentou: "O acordo traduz a concretização de um aumento do salário mínimo de 78% ou de termos passado de 505 euros, em 2015, para 900 euros, em 2026, o que garante que estes aumentos são sempre acima da inflação prevista até 2026."
No OE para 2023, as perspetivas para o FEFSS, que serve de almofada de reserva para pagar pensões, também são animadoras. De acordo com a governante, "a rentabilidade anual do FEFSS que foi calculado nos pressupostos de 2022 era de 1,9%, mas, neste momento, a rentabilidade prevista anual é de 4% e isto faz mudar os cálculos". Ana Mendes Godinho explica que "a grande diferença tem a ver com o facto de 50% das aplicações do fundo estarem em dívida pública que tem tido uma evolução muito positiva nos seus prazos de maturidade". Aliás, sublinha a governante, "80% da receita resulta das aplicações em dívida publica". Segundo o OE2023, o FEFSS não só não se extingue em 2060, como vaticinou o governo, como sairá reforçado daqui por 38 anos com 34,3 mil milhões de euros, ou seja, mais 7,8 mil milhões do que o previsto para 2023.