Gastos de cinco mil milhões nos super mas cabaz está mais curto
Nos primeiros seis meses do ano, as famílias deixaram mais 220 milhões nos supermercados que em 2021. Quase cinco em cada 10 produtos comprados são de marca própria.
A inflação começa a fazer mossa no bolso dos portugueses, obrigando as famílias a serem muito criteriosas nas suas escolhas. Os dados mais recentes da NielsenIQ mostram que o consumo nos hiper e supermercados está a crescer 4,5% em valor, para 5059 milhões de euros, mas a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) garante que esse é o efeito do crescimento da inflação. "Infelizmente, os portugueses estão a comprar menos. Vão mais vezes, numa tentativa de fazer uma gestão mais rigorosa do seu orçamento e à procura de promoções, mas trazem menos compras para casa", garante o diretor-geral da APED.
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A prová-lo está o crescimento sustentado das marcas próprias, vulgarmente designadas por marcas brancas. "A preferência pela marca própria veio para ficar, na medida é que se trata de produtos mais em conta e que oferecem uma excelente relação de qualidade-preço", diz Gonçalo Lobo Xavier. E os números da NielsenIQ parecem comprová-lo.
No arranque do ano, e com o mercado de bens de grande consumo em linha com o ano anterior, ou até 1% abaixo, como aconteceu em fevereiro, as marcas da distribuição e primeiro preço registavam crescimentos homólogos de 3,2% e de 5,1%. A partir de março dispararam e estão a crescer a dois dígitos: 14,1% em março, 11,4% em abril, 15,8% em maio e 17,3% em junho. Isto quando a fatura total nos supermercados está, também, a subir. Depois da quebra de 1% comparativamente ao período homólogo em fevereiro, o mercado cresceu 3,8% em março, 5,8% em abril e 10,3% em maio.
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Os dados da NielsenIQ são quadrisemanais, sendo que os mais recentes se referem às semanas 21 a 24, ou seja, até 19 de junho. Nesse período, o crescimento total das vendas de bens de grande consumo foi de 8,5%, fazendo com que, grosso modo, no acumulado do primeiro semestre, o gasto total das famílias esteja a subir 4,5%. São mais 220 milhões de euros do que em igual período de 2021, o que dá uma média de quase 1,3 milhões de euros a mais por dia deixados no supermercado.
Mas Gonçalo Lobo Xavier garante que isso não significa "de todo" que os operadores estejam a ganhar mais dinheiro. Pelo contrário. "O crescimento da inflação no cabaz médio das famílias é fruto do aumento dos fatores de produção e, em especial, da energia que é a grande preocupação de todos os operadores económicos, e em especial os do retalho, porque está a contaminar toda a cadeia de valor e a operação diária dos retalhistas. Ninguém está a aumentar margens, estas continuam esmagadas e, em alguns segmentos, até em valores negativos", assegura.
Na estratificação das vendas em valor, dos 5059 milhões de euros deixados pelos consumidores nos super e hipermercados, os artigos de mercearia representam 41% da fatura, ou seja, cerca de 2074 milhões. São mais 124 milhões de euros do que no período homólogo.
Voltando às marcas próprias, no acumulado do ano estão a crescer 11,1% face ao período homólogo, enquanto as marcas de fabricante evoluem apenas 0,7%. Uma tendência que se verifica em todos os segmentos de produto, com uma subida de 7% nas bebidas, de 7,9% nos artigos de higiene do lar e de 13,7% nos produtos de higiene pessoal. Mas é na alimentação que as marcas próprias mais pesam no cabaz dos consumidores. Estão a crescer 11,6% no acumulado do ano, mas com uma trajetória ascendente: 14,2% em março, 13,5% em abril, 16,4% em maio e 18,9% em junho.
As marcas próprias pesam hoje 39,3% nas fatura total do supermercado, mas, nos produtos alimentares, esse peso sobe para 45,7%, mais dois pontos percentuais do que em igual período de 2021. Significa isto que quase cinco em cada dez produtos comprados são de marca branca. Uma preferência notória nos congelados, com as marcas próprias a valerem 54,5% das compras, dois pontos percentuais acima do ano passado. Nos artigos de mercearia, as marcas das cadeias de distribuição valem 46,5%, o que representa um crescimento de 2,4 pontos percentuais face ao período homólogo. O setor das bebidas, pela sua especificidade, é o menos permeável às marcas próprias, com estas a pesar apenas 12,6% dos gastos em bebidas alcoólicas e 31,6% das não alcoólicas.
Ainda sobre a questão energética, Gonçalo Lobo Xavier refere que o setor tinha "uma certa esperança" que o mecanismo ibérico que define um teto máximo no preço do gás usado na produção de eletricidade "tivesse algum efeito", mas garante que "não houve qualquer baixa significativa". O setor está, por isso, "a estudar muitas soluções, designadamente ao nível da eficiência energética e de uma eventual compra de energia em grupo", de modo a fazer face à situação atual. "Vamos procurar inovar e atuar em grupo, mas é cedo para falar disso", sublinha.
Ilídia Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo