Francisco Simões: "Não tínhamos livros nem dinheiro para os comprar"

O pintor e escultor Francisco Simões conheceu a Ilha da Madeira na década de 60 como professor, tendo tido um papel ativo no combate ao analfabetismo elevado na região.
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Cosmopolita, viajado e interessado pelo mundo e pelos seus povos. É assim que se considera Francisco Simões, o pintor e escultor responsável por vários monumentos em Portugal, entre eles as esculturas que decoram o Parque dos Poetas, em Oeiras. Aos 76 anos, subiu ao palco do Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, para falar sobre o papel da arte na educação e recordar a experiência que viveu, enquanto professor, no arquipélago. "A Madeira daquele tempo e a Madeira de hoje são incomparáveis", começa por enquadrar numa conversa com a diretora do DN Rosália Amorim.

Chegou em 1969 numa altura em que a taxa de analfabetismo na região era de cerca de 60%. A terra era marcada por uma "pobreza enorme", mas também por um "povo excessivamente humilde", aponta. "Começo a ver pessoas de uma submissão e de uma humildade excessiva. Um exemplo, passar-se de carro e as pessoas que estavam sentadas nas bermas tiravam a barreta e faziam uma grande vénia. Senti um choque cultural e social", partilha. Na altura, o artista começou por dar aulas na Escola Industrial e Comercial do Funchal, tendo passado ainda pelo Seminário Maior da cidade, mas foi na Ribeira Grande que encontrou o maior desafio enquanto pedagogo.

A escola, conta, tinha sido criada por decreto como forma de mostrar à comunidade internacional que o país estava a investir esforços no combate ao analfabetismo. A consequência era, por isso, a falta de verbas e ferramentas básicas, como livros. "Na nossa escola não tínhamos livros nem tínhamos dinheiro para os comprar. Usávamos livros da minha biblioteca", recorda. Esta condicionante motivou-o a encontrar meios alternativos para ensinar literatura, ciências ou a arte, improvisando. Mas a pobreza era presença assídua nas suas aulas. "Havia outro fenómeno estranhíssimo para mim, que era encontrar alunos a desmaiar nas aulas por falta de açúcar", aponta.

Todas estas experiências, assegura, contribuíram para a moldar a forma como olha o mundo. De lá para cá, foi autarca em Almada, onde potenciou a atividade cultural, e nos últimos anos mudou-se de malas e bagagens para a ilha da Madeira, onde criou o Centro de Artes Francisco Simões. "Trago isto tudo para ser um militante da cultura", afirma, sublinhando a importância que vê na arte para a vida. "Fui esculpido por várias pessoas, por várias situações, e fui esculpido por esta terra". É ali, rodeado pelo oceano Atlântico e local de "músicos natos", que encontra a sua maior obra: as memórias, as pessoas que o marcaram e a dedicação à divulgação artística.

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