FMI prevê défice maior para Portugal e arrasa com cenário macro de Medina
Ao contrário do governo português, o Fundo Monetário Internacional prevê agora um agravamento do desemprego, logo, é de supor mais nova despesa com apoios sociais e subsídios, o que dificulta corte previsto no défice, que fica em 1,4% em 2023, diz o FMI.
Mais défice público, a dívida desce, mas menos do que preveem as Finanças, mais inflação, mais desemprego, muito menos crescimento em 2023.
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Quem o diz é o Fundo Monetário Internacional (FMI) nas novas previsões para Portugal, ontem divulgadas no âmbito do seu Panorama Económico Mundial (outlook). São todas mais desfavoráveis do que espera o ministro Fernando Medina no seu novo cenário macroeconómico que segura a proposta de Orçamento do Estado (OE2023) entregue na véspera.
Para a instituição dirigida por Kristalina Georgieva, a economia portuguesa deve crescer apenas 0,7% no próximo ano (o OE diz 1,3%).
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Se o crescimento for mais débil em 2023, como diz o FMI, isso impactará direta e rapidamente nas contas públicas (tende a fazer subir o défice que o governo quer cortar para apenas 0,9% do PIB em 2023), pressionando em baixa a receita fiscal e contributiva e fazendo subir a despesa pública.
Para a instituição de Washington, nestas condições o défice público português só deve descer meio ponto percentual, para 1,4% do produto interno bruto (PIB).
Isto porque, diz o FMI, o ambiente global está a degradar-se rapidamente por causa da guerra, da inflação galopante, dos soluços no comércio mundial, de uma crise enorme no mercado imobiliário chinês. "O pior ainda está para vir e para muitas pessoas o ano de 2023 vai parecer uma recessão", declarou Pierre-Olivier Gourinchas, o economista-chefe do Fundo.
Em 2023, Alemanha entra em recessão (contração real anual de 0,3% face a 2022), Itália também (menos 0,2%), Espanha (o maior parceiro económico de Portugal) só cresce 1,2%, França não vai além de 0,7%. A maior economia do mundo, os Estados Unidos, cresce uns modestos 1%.
Apesar da "incerteza elevada" e da "degradação do contexto externo", palavras de Medina na segunda-feira, no OE2023, a marca do défice público aparece a cair de no ano que vem tanto quando se espera este ano. A situação está pior, mas o ritmo da consolidação orçamental mantém-se. A economia trava, mas o desemprego resiste em 5,6% da população ativa.
Medina prometeu que, se for preciso ajustar a consolidação orçamental para amparar famílias e empresas com despesa "fundamental", não hesitará em fazê-lo. Pedirá um orçamento retificativo.
Segundo as novas contas do Fundo, a dívida cai, mas um pouco mais devagar do que estimam as Finanças. O rácio em relação ao PIB deve descer de 114,7% para 111,2%. No Terreiro do Paço, em Lisboa, os números são: 115% em 2022 e 110,8% no final de 2023.
Os números do FMI relativos às contas públicas vão ser hoje apresentados por Vítor Gaspar, o antigo ministro das Finanças português, que atualmente é diretor do departamento orçamental do Fundo.
Seja como for, para o FMI, o ano de 2023 deve ser mais fraco e mais frágil do que diz o governo. Nesse sentido, o cenário macroeconómico calculado pelo FMI desmonta ou altera de forma substancial as principais traves em que assenta a proposta de Orçamento.
Como referido, o crescimento da economia portuguesa deve ficar nos 0,7% em 2023, a inflação deve ser bem superior (cerca de 4,7% e não 4% como se estima no OE) e a taxa de desemprego aumenta, pode chegar a 6,5% da população ativa (isto quando o governo assume antes uma estabilização do desemprego em apenas 5,6%).
Portanto, uma das maiores divergências de fundo surge logo na previsão de crescimento e inflação.
A começar logo pelo ponto de partida (este ano), que também é mais fraco. Ao passo que o ministro das Finanças estima um crescimento económico de 6,5% para 2022, a entidade sediada em Washington vê apenas 6,2%.
E como referido, em 2023, a economia deve crescer apenas 0,7%, quase metade do que assume o Ministério das Finanças no OE (1,3%).
Ao contrário do governo português, o FMI prevê agora um agravamento do desemprego de 6,1% para 6,5%, logo, é de supor por esta via de transmissão mais despesa adicional com apoios sociais e subsídios, por exemplo.
O governo não está a trabalhar nesse cenário: o novo OE2023 diz que o desemprego fica em 5,6% neste ano e no próximo, passando incólume à "degradação" do ambiente externo.
Inflação bastante mais alta
Como referido, a inflação prevista pelo FMI é notoriamente mais elevada (4,7%) face aos 4% onde assenta todo o OE2023.
O ministro Medina disse inclusive que, no que toca à inflação, nem sequer está a trabalhar com uma margem de erro: "na inflação não estamos a trabalhar com intervalos", declarou o governante em resposta a uma questão do Dinheiro Vivo, na conferência de imprensa do OE.
Para as Finanças, a previsão de agravamento dos preços em 2023 é 4%. Ponto final.
Parte da diferença na inflação prevista (governo versus FMI) pode estar na hipótese de evolução do preço do barril de petróleo. O Ministério das Finanças aposta numa descida superior a 20% no custo do barril.
O FMI aponta para uma redução sim, mas de apenas 13%. É uma diferença substancial.
Marcelo Rebelo de Sousa saiu ontem em defesa do cenário macro do governo. "No caso do produto [PIB], penso que o FMI provavelmente não toma em consideração este balanço que vai do ano de 2022 para 2023, a forma de gestão do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)" pois "houve uma parte significativa do PRR que deslizou de 2022 para 2023. Isso tudo somado depois dá uma diferença no produto", disse o Presidente.
Fundo muito pessimista
No diagnóstico abrangente que faz ao mundo e a quase duas centenas de economias, o FMI acredita pouco. "A atividade económica mundial está a registar uma desaceleração ampla e mais acentuada do que o esperado, com uma inflação mais alta do que a observada em várias décadas. A crise do custo de vida, o aperto das condições financeiras na maioria das regiões, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a persistente pandemia de covid-19 pesam muito sobre estas perspetivas", disse o antigo credor de Portugal.
Assim, "prevê-se que o crescimento mundial desacelere de 6% em 2021 para 3,2% em 2022 e 2,7% em 2023. Tirando a crise financeira mundial e a fase aguda da pandemia da covid-19, este é o perfil de crescimento mais fraco desde 2001".
Além disso, a inflação mundial deve aumentar "de 4,7% em 2021 para 8,8% em 2022", embora depois recue para 6,5% em 2023 e para 4,1% em 2024.
Mas o FMI defende que a política monetária "deve manter o rumo para restaurar a estabilidade dos preços", isto é, continuar a subir taxas de juro até que a inflação regresse a um limite próximo dos 2%". Para amparar famílias e empresas neste ajustamento, "a política orçamental deve tentar aliviar as pressões sobre o custo de vida".
Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo
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