Finlândia. O povo mais feliz do mundo anda de transportes públicos
Não será, certamente, só por usarem transportes públicos que os finlandeses surgem pelo quarto ano consecutivo no ranking da Gallup World Pull como o povo mais feliz do mundo. Mas ninguém poderá negar que a mobilidade mais cómoda e eficiente é um fator decisivo na qualidade de vida. E a Finlândia está apostada em deixar para trás o vício do carro na cidade com vista a reduzir as emissões. Não se trata de um objetivo isolado, fechado sobre si mesmo. Nunca poderia sê-lo se o propósito é conseguir fazer esta viagem até ao fim. Trata-se antes de uma abordagem integrada que não começou agora.
Em 2016, a Finlândia tornou-se o primeiro país a criar um roteiro para uma economia circular. E, no ano passado, assumiu que a sua grande prioridade passaria por investir na "mobilidade verde", criando ferramentas e opções para incentivar a mudança para a mobilidade ativa e para o transporte coletivo. O compromisso enquadra-se numa ambição mais alargada para entrar na economia circular até 2035 e atingir a neutralidade de carbono em 2045, antecipando as metas climáticas mundiais em cinco anos. Mas, para serem bem-sucedidos, os finlandeses contam com um trunfo que eles próprios inventaram: Maas - mobilidade-como-um-serviço.
As origens do MaaS remontam ao final dos anos 1990, quando Gotemburgo testou um serviço de assinatura mensal destinado aos utentes de transportes públicos. Mas a ideia, no início, custou a pegar. Foi somente entre 2013 e 2014, que Sampo Hietanen, então CEO da Intelligent Transport Systems Finland, e Sonja Heikkila, estudante de mestrado na Aalto University, deram o passo decisivo, promovendo o conceito junto da imprensa internacional e popularizando a ideia em Helsínquia, capital do país.
Nem todos estarão ainda familiarizados com o termo mobilidade-como-um-serviço, mas quem já usou uma app para chamar um táxi ou um carro partilhado, já tem uma vaga noção do que se trata. O Maas, no entanto, pretende ser muito mais do que um sistema de viagens suportado num aplicativo para smartphones. É antes uma nova forma de encarar a mobilidade em cidades que tendem a ser cada vez mais conectadas.
Embora sejam modelos de grande complexidade tecnológica, o conceito é do mais básico que há - substituir a visão sectária dos serviços de transportes públicos por uma estratégia integrada e eficiente, poupando tempo e dinheiro não apenas aos utilizadores, como igualmente aos operadores do setor. É, no fundo, uma resposta a um sistema de transporte com múltiplas modalidades que vão do comboio, à rede de bicicletas partilhadas, passando pelo autocarro, metro ou carsharing. Tudo isso suportado em aplicativos rápidos e responsivos para calcular percursos de viagens, preços ou métodos de pagamento, que se traduzem em assinaturas mensais ou viagens pré-pagas e onde estão incluídos todas as operadores e custos com as deslocações. A grande vantagem para os utilizadores é a possibilidade de personalizar o aplicativo com base nas conveniências e hábitos de mobilidade para planear viagens intuitivas em múltiplos meios de transporte.
A ideia revolucionou o planeamento urbano em Helsínquia, em 2014 e, entretanto, Sampo Hietanen fundou a MaaS Global, lançando, em 2017, a marca Whim. Com um preço fixo, a inscrição na plataforma permite viagens ilimitadas em qualquer transporte público, incluindo táxis, rede de bicicletas, comboios ou autocarros. Os subescritores podem usar o aplicativo para construir uma rota multimodal, com o aplicativo a propor, por exemplo, começar a viagem pelo autocarro, prosseguir com uma bicicleta, fazer um transbordo para o comboio e terminar o percurso com um táxi. O utente pode pagar no aplicativo as várias viagens separadamente ou comprar uma assinatura mensal.
Atualmente, e de acordo com os números da startup finlandesa, os cerca de 70 mil utilizadores da app fazem 73% das suas viagens em transportes públicos contra 48% que não usam o aplicativo, enquanto 42% de todas as viagens de bicicleta dos utilizadores do Whim são combinadas com vários transportes públicos. Na capital da Finlândia, 12% dos utilizadores desta plataforma já desistiram de ter carro e a mesma percentagem promete fazer o mesmo num curto espaço de tempo.
A base do sucesso de qualquer app de mobilidade será sempre a ideia de que os serviços de transportes são tão eficientes que o automóvel se torna dispensável nos meios urbanos. Esse é o objetivo que a startup finlandesa MaaS Global assume como estratégico para estender o aplicativo Whim na região metropolitana de Tóquio e por várias outras cidades europeias, como Viena, Antuérpia, região de Birmingham e, desde junho deste ano, também em todas as regiões da Suíça. A expansão acabou por ser acelerada com a fusão entre a Whim e a Wondo, app espanhola fundada pela Ferrovial, empresa de infraestrutura de transportes, alargando o aplicativo a mais de 300 mil pessoas em todo o mundo.
Uma das vantagens que a Finlândia exibe para ter sido bem-sucedida na consolidação do MaaS é já ter uma colaboração bem oleada entre os vários agentes do setor público e privado. A principal operadora de transporte público, a HSL, abriu o seu software de emissão de bilhetes a todas as empresas que atuam na área dos serviços de mobilidade. Não é por acaso que os especialistas em transportes consideram que Helsínquia tem um dos sistemas MaaS mais flexíveis do mundo, com todas as empresas a competir em pé de igualdade por um melhor serviço prestado aos utentes.
O Helsinki Region Infoshare fornece a todos o acesso gratuito a centenas de aplicativos, conjuntos de dados e softwares como parte de um plano integrado na economia circular para suportar negócios que visam a redução da pegada de carbono. A finalidade passa sobretudo por conectar rapidamente as startups às redes de transportes existentes. Essa é a indústria que está agora em crescimento e que todos esperam que ganhe velocidade quando a mobilidade-como-um-serviço se articular com os veículos autónomos, ramificando-se para além dos centros urbanos, servindo também as zonas periféricas e rurais.
E também neste capítulo, a Finlândia está empenhada em construir um cluster para os veículos autónomos. A Plataforma para o Ecossistema de Veículos Autónomos da Finlândia é o organismo especialmente criado para impulsionar a inovação não apenas na tecnologia da mobilidade elétrica, mas ainda na vertente da reciclagem das baterias.
O país já recicla quase metade do seu lixo eletrónico (49,2%) - a média da União Europeia é 34,8% - mas a meta é vir a ser o líder mundial na reciclagem das baterias usadas nos veículos elétricos. De destacar que a Finlândia possui todos os minerais essenciais usados para produzir baterias de íon de lítio. Mas, a sua extração, ao ser contrária aos princípios da economia circular, foi relegada para um plano secundário.
A opção levou até a Comissão Europeia a solicitar à Finlândia que assumisse a missão de criar uma indústria de reciclagem de baterias para o continente. O BATCircle é o consórcio entre universidades, empresas e institutos públicos e privados da Finlândia, criado em 2019, para pôr empresas e organizações europeias a trabalharem em consórcio no desenvolvimento de negócios inovadores para a economia circular das baterias de íon de lítio.
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