Ferraz da Costa: "Subir o salário mínimo agora é uma ideia criminosa"
Pedro Ferraz da Costa é uma voz frequentemente crítica das políticas orçamentais e das debilidades da economia portuguesa. Estudou no Colégio Alemão, licenciou-se em Finanças e chegou a líder da CIP com apenas 34 anos, lugar onde se manteve durante duas décadas. Desde 2008, está à frente do Fórum para a Competitividade. É também presidente do conselho de administração da Iberfar. Ao Dinheiro Vivo/TSF, explica porque o plano de Costa Silva não serve os fins necessários e antecipa uma onda de desemprego neste final de ano.
Nesta semana o governo deu alguns detalhes sobre o plano de recuperação económica. As empresas podem receber qualquer coisa como 4 mil milhões de euros. É suficiente?
Depende do tempo que algumas atividades estiverem paradas. Portugal teve uma baixa no turismo que surpreendeu até os mais pessimistas. Nós acompanhamos a conjuntura com cuidado e a realidade foi sempre pior do que estava previsto. Quem faz as previsões não estava preparado para quedas tão grandes - vê-se, por exemplo, o número de passageiros nos aeroportos, que é de pôr os cabelos em pé. A recuperação vai ser muito lenta nesses setores, que têm hoje grande peso na economia portuguesa. E acho que muitas empresas não conseguirão manter a atividade. Isso desde o pequeno negócio da restauração até hotéis de maior dimensão. Já foi assim neste verão, em que muitos não reabriram, e mesmo os grandes hotéis de Lisboa não têm hóspedes. Portanto, vamos ter nesses setores muitas dificuldades. Depois, houve uma baixa de atividade em áreas onde tínhamos tido bastante sucesso e crescimento, como o calçado ou o vestuário, comprou-se bastante menos em toda a Europa durante este período. Está a haver alguma recuperação, agora vamos ver qual é o ritmo. Isso vai condicionar muito a sobrevivência das empresas e em consequência a taxa de desemprego. Mas não vale a pena ter ilusões, temos de nos preparar para um 2021 extraordinariamente difícil.
O programa canaliza uma parte significativa dos fundos para o setor público. Faz sentido que assim seja?
O governo - diria que qualquer governo nestas circunstâncias -, a única coisa que quer é que não o acusem de não ter gasto o dinheiro. O que é controlado pelos governantes, eles têm certeza quase absoluta de que acontece - digo quase porque há um conjunto de obras públicas que estavam previstas para o primeiro semestre deste ano e que não se concretizaram. Porque é preciso lançar concursos, analisar propostas e outras coisas que não se fazem com os funcionários públicos em teletrabalho. Portanto há um desafio de execução, independentemente de quem vai executar. Quando se cria muita sensação e se usa expressões como a bazuca, cria-se nas pessoas uma ilusão de que o ambiente vai ser fácil e fazem-se e constroem-se muitos disparates. Era melhor que fossem dados tiros muito bem orientados e seletivos em relação a determinadas insuficiências.
Mas o plano de Costa Silva não tem esses tiros certeiros?
Não gostei nada do plano. Digo-o claramente. Porque esperávamos e precisávamos de um plano que ajudasse a selecionar prioridades e este faz o contrário. Descreve centenas de pequenos projetos que estavam parados na administração pública, projetos de modificação da paisagem... aquilo tem uma influência bastante irrealista do Ministério do Ambiente. Ou seja, há pessoas que em circunstâncias normais nunca teriam visto os seus planos ver a luz do dia. E agora, é para gastar dinheiro, sai tudo das gavetas. É assim há dezenas de anos, não é com este governo... Esse é um dos problemas. O segundo aspeto que era importante era que o plano ajudasse Portugal a encaixar-se no projeto de recuperação europeu, na medida em que isso é também uma das contribuições de atribuição e transferência de verbas tão avultadas. E o plano do engenheiro Costa Silva é escrito quase como se não pertencêssemos à União Europeia (UE).
O governo mantém a intenção de aumentar o salário mínimo nacional (SMN) no próximo ano. Concorda com esta opção?
Isso neste momento é uma ideia criminosa. Temos uma percentagem muito elevada da população ativa com níveis de escolaridade baixíssimos, uma vergonha no confronto com outros países europeus (e que também não se mudou nos últimos 40 anos) e muitas pessoas se perderem o emprego que têm vão ter grande dificuldade em encontrar onde possam trabalhar validamente. Se começamos a tornar mais difícil ainda a subsistência de empregos pouco produtivos, vamos perdê-los e não sei que alternativa há - isso vai cair sobre a Segurança Social. Acho extraordinário que o ministro das Finanças, não sei se por ter andado pelo Conselho Económico e Social, tenha vindo com essa ideia. Normalmente, em todos os disparates a que assistimos nos últimos anos, o ministro das Finanças era uma voz de bom senso e que chamava a atenção para algumas realidades da vida. Este deu um arzinho da sua graça mas ao contrário. Vamos ver como consegue agora recuar.