Famílias sobre-endividadas já são mais do que em 2011
O número de famílias sem capacidade para pagar os empréstimos e as contas de casa não para de aumentar, apesar da recuperação da economia e da queda do desemprego. Ao longo do ano passado, pediram ajuda ao Gabinete de Apoio ao Sobre-Endividados (GAS) da Deco 29 530 pessoas. É o número mais elevado desde 2011, o ano de chegada da troika e do início do programa de resgate.
Mais de metade (51%) daqueles pedidos de apoio são resultado de situações de desemprego e de deterioração de condições laborais, explicadas sobretudo pelos baixos salários oferecidos a quem entra de novo no mercado de trabalho (após uma passagem pelo desemprego).
"Em 2007 e 2008, o rendimento médio das pessoas que nos pediam ajuda era de 1700 euros, atualmente esse rendimento médio ronda os mil euros", exemplifica Natália Nunes, para dar conta da ordem de grandeza desta quebra de rendimento que em 2016 motivou 22% do total dos casos que chegaram ao GAS.
Os milhares de solicitações que tem recebido ao longo destes anos permitem a Natália Nunes observar que as pessoas vivem hoje com mais dificuldades, pelo que não se surpreende com o aumento de casos registados nestes dois últimos anos (ver infografia).
"Temos esta perceção de que as coisas estão a melhorar, percebemos, sem dúvida nenhuma, que as pessoas estão a voltar a trabalhar, mas muitas vezes pelo salário mínimo", refere. Mas este não é o único motivo. Os divórcios, alterações do agregado familiar (muitas vezes originadas por filhos sem trabalho que regressam à casa dos pais, já reformados), as penhoras e a doença contribuíram também para um aumento de pedidos de ajuda ao longo do ano passado.
Inversamente, o universo de famílias que recorre ao GAS ainda em condições de ser ajudado (leia-se com margem para que os créditos e dívidas possam ser reestruturados) estabilizou no ano passado, não tendo acompanhado o aumento do sobre-endividamento.
O que justifica esta aparente contradição? "Esta degradação está muito associada a situações de desemprego e ao facto de as pessoas não terem logo pedido ajuda porque achavam que a situação se ia resolver", afirma Natália Nunes. Mas além de, para alguns, este regresso ao mercado de trabalho não se ter concretizado, para outros aconteceu, mas a troco de um ordenado bastante mais magro do que tinham antes da primeira situação de desemprego. Uma situação que também ajuda a explicar que 53% cheguem já com o crédito em incumprimento - com prestações em atraso.
Outro dos dados que aponta para esta leitura está no facto de muitas destas pessoas não estarem em dificuldades financeiras por causa de créditos novos, mas por terem deixado de conseguir pagar todas as prestações de empréstimos contraídos há já alguns anos - antes da severa crise.
Em média, as pessoas que recorreram ao GAS têm um rendimento a rondar os 1070 euros e chegam com um valor de prestações mensais da ordem dos 716 euros. A esta fatura somam ainda uma outra, de 467 euros, para fazer face aos gastos com alimentação, eletricidade, telecomunicações, gás ou água. A taxa de esforço foi mais do que ultrapassada e, na verdade, em média estas famílias chegam ao final do mês com um desequilíbrio entre receitas e despesas da ordem dos 113 euros.
Este saldo mensal negativo é o que resulta, para muitos, já depois de terem começado a poupar na comida, nos medicamentos, na roupa e cortado até nas saídas.