Estudo contraria políticos. Carga fiscal em Portugal é inferior à média da UE

O economista Alexandre Mergulhão, autor do trabalho, afirmou ao DN que o argumento utilizado por "vários partidos" de que os impostos em Portugal são os mais altos na Europa é uma "ideia aliciante, mas falsa".
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É esta terça-feira apresentado o estudo A Fiscalidade em Portugal, desenvolvido pelo economista Alexandre Mergulhão, que destaca a ideia de que o país "tem uma carga fiscal abaixo da média europeia mas a sua composição penaliza trabalhadores e outros grupos de menores rendimentos". Ao DN, o autor explicou que o argumento de que os impostos são demasiado elevados "não encontra sustentação empírica".

"A discussão pública em torno da fiscalidade tende a centrar-se na ideia de que Portugal deve baixar os impostos porque eles são demasiado elevados", começou por explicar o professor de economia no ISCTE, acrescentando que a "ideia é aliciante visto que ninguém gosta de pagar impostos, mesmo que compreenda que "os impostos são o preço que pagamos para viver numa sociedade decente". No entanto, apesar de ser aliciante, esta ideia não encontra sustentação empírica", defendeu.

O estudo que é hoje tornado público, com uma apresentação no Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, é promovido pela associação cívica Causa Pública, dedicada à produção de proposta de políticas públicas na área do centro-esquerda (na direção da associação, para além do ex-governante socialista Paulo Pedroso, que a preside, encontram-se a deputada do PS Alexandra Leitão e a antiga dirigente do Bloco de Esquerda Ana Drago).

Questionado sobre qual é o motivo pelo qual vários partidos portugueses têm argumentado que a carga fiscal é demasiado pesada, o economista contrapõe que se deve à falta de "programa político". "De acordo com o Eurostat, em 2022, a carga fiscal em Portugal (35,8%) foi significativamente inferior à média da União Europeia (40,0%) e da Área do Euro (40,6%)", evidenciou o economista. Ainda assim, continua o autor, "apesar de ter aumentado nos últimos anos, a carga fiscal em Portugal é, e sempre foi, inferior à média europeia. Isto é especialmente preocupante dadas as nossas características socioeconómicas: um dos países mais envelhecidos do mundo e com obrigações constitucionais de provisão de saúde e educação. Penso que esta ideia prolifera no nosso país porque vários partidos ficaram sem programa político e, por isso, adotaram a estratégia fácil de alimentar esta ideia aliciante, mas falsa", conclui.

Um dos argumentos do estudo de Alexandre Mergulhão aponta que "o IVA e outros impostos indirectos são regressivos (maior peso nos rendimentos dos mais pobres)", para além de serem "a maior fonte de receita do sistema fiscal". "De facto, em Portugal, a fiscalidade assenta demasiado em impostos indiretos (43% da receita fiscal, enquanto na UE é de apenas 34%) e em impostos sobre o consumo", destaca o investigador. "Estes são os únicos tipos de imposto em que Portugal tem uma carga fiscal acima da média da União Europeia", sustenta, afirmando que "essas diferenças têm aumentado nos últimos anos. Estes impostos são pagos por todos os residentes e resultam numa taxa efetiva mais elevada para os mais pobres (porque representam uma maior proporção do seu rendimento). Logo, ao aumentarmos os impostos indiretos e ao baixarmos os impostos diretos, como tem acontecido nos últimos anos, estamos a reduzir a progressividade do sistema fiscal global. Devemos inverter esta tendência e caminhar no sentido de reduzir os impostos sobre o consumo e contrabalançar com impostos diretos e sobre o capital", propõe o economista. Entre outras opções, uma "forma de reequilibrar a fiscalidade Portuguesa é reintroduzir o imposto sobre as sucessões e doações (abolido em 2003), desta vez aplicando-o apenas sobre as grandes fortunas", adianta. "A maioria dos países da OCDE [Organização europeia de Cooperação Económica], e todos os países da UE15 [União europeia] exceto dois (Áustria e Suécia), têm um imposto sobre as heranças e doações. Dada a elevada desigualdade de riqueza e a ausência de ferramentas para a atenuar em Portugal, deveríamos equacionar um imposto sobre as heranças milionárias (valor patrimonial tributário acima de 1 milhão de euros, líquidos de dívidas), sem afetar as poupanças de todos os outros residentes", conclui.

Esta ideia é apoiada pelo presidente da direção da Causa Pública, o antigo ministro do Trabalho do PS Paulo Pedroso. Justificando várias vezes que se trata da sua perspetiva pessoal, ao DN Paulo Pedroso lembrou que "haveria uma margem para repor impostos sobre a transmissão de património, portanto sobre as grandes heranças, que poderiam ter um efeito económico que" permitiria compensar, por exemplo, uma eventual redução da receita em impostos indiretos, "com a característica adicional de que seria um imposto sobre riqueza não ganha pelos beneficiários, porque é um imposto sobre a transmissão, em vez de ser um imposto quer sobre o que a pessoa paga ou sobre os recursos que ela própria obtém do seu esforço". Como o antigo governante explica, "é completamente justo não taxar as pequenas poupanças ou heranças de pequena dimensão", tal como ainda acontece, devendo este reforço fiscal ser aplicado a "heranças de valor patrimonial de milhões de euros", que habitualmente, com a legislação em vigor, "são tratadas como heranças meramente simbólicas" e "provocam essa distorção porque permitem a transmissão de privilégio".

A fechar este círculo, o estudo de Alexandre Mergulhão sublinha "que Portugal tem um sistema fiscal com baixa taxação sobre a riqueza, face ao trabalho e consumo", o que contradiz a narrativa muitas vezes defendida por vários partidos. Além disto, questionado pelo DN sobre o motivo que levou o PSD a propor um programa de reforma fiscal, no início deste ano político, muito centrado no IRS e não nos impostos indiretos, como o IVA, o economista justifica com uma ideia de "tradição", estendendo as críticas para esta tendência também ao Governo. "Os partidos de direita defendem o aumento dos impostos indiretos e a redução dos impostos diretos. Portanto, não seria de esperar que houvesse uma alteração desta tradição. O que acontece é que o Governo tem seguido essa estratégia, para esvaziar ainda mais o programa da oposição de direita, e para aumentar o rendimento líquido das classes médias", lembrou. "A questão é que as ideias políticas das pessoas muitas vezes não correspondem às posições que derivariam dos seus interesses diretos", explica, acrescentando que "muitas das pessoas que não pagam IRS respondem que este imposto é demasiado elevado", em contexto de inquéritos e sondagens. De acordo com Alexandre Mergulhão, "isto acontece por duas razões: o poder das ideias e a forma como se colocam as questões. Por exemplo, segundo um estudo da OCDE de 2019, Portugal é o país onde mais pessoas (80% dos inquiridos) concordam em aumentar impostos sobre os mais ricos para apoiar os mais pobres. Diria que a maioria concordará em aumentar a carga fiscal se isso permitir ao Estado oferecer, a todos os cidadãos, melhores serviços públicos na saúde, na educação, na habitação e nos transportes. Ou seja, o poder da ideia (falsa) de que a carga fiscal é demasiado elevada leva a que pessoas que nem pagam IRS considerem que esse imposto é demasiado alto, apesar de ser a ferramenta redistributiva mais eficaz no nosso sistema fiscal, e de defenderem mais redistribuição. Como sempre, cabe aos partidos clarificarem estas contradições, demonstrando como é que as suas propostas de política melhoram as condições de vida dos que cá vivem", conclui o economista.

vitor.cordeiro@dn.pt

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