O Estado gastou 7,9 milhões de euros com cartões SIM para ligação à internet, entre 2020 e 2021, que nunca chegaram a ser usados por alunos ou professores, segundo a auditoria do Tribunal de Contas à "Aquisição de computadores e conetividade - Fase 1" realizada pelo governo no âmbito do programa de digitalização das escolas, do primeiro ciclo ao secundário, para responder à pandemia de covid-19 e às exigências do ensino à distância. A tutela já pediu o reembolso às operadoras, refere o mesmo relatório, publicado esta segunda-feira.."A execução dos contratos de conetividade foi, sobretudo, afetada por desconformidades com os termos contratuais, relacionadas com cartões de conetividade (cartões SIM) não afetos a alunos ou docentes e sem a efetiva contraprestação dos serviços, isto é, sem utilização, mas que foram faturados pelas operadoras", segundo o documento elaborado pela instituição liderada pelo juiz conselheiro José Tavares, no seguimento da auditoria realizada no segundo semestre do ano passado..No levantamento dessas irregularidades, a Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC) verificou que o Estado realizou despesa indevida no montante de 7,9 milhões de euros por ligações fantasma à internet, valor que acresce aos 1,7 milhões de euros pagos também em desconformidade, por inexistência de prestação de serviços de conetividade, e que foram apurados na fase zero do programa de digitalização das escolas..Entretanto, a SGEC já solicitou a devolução das importâncias transferidas e enviou às operadoras a faturação desconforme, ainda não paga, no valor de 2,8 milhões de euros. "Importa, pois concluir este processo de verificação e validação do cumprimento das obrigações contratuais e da conformidade da faturação emitida", recomenda o relatório do Tribunal de Contas (TdC). Devido a estas irregularidades, os contratos de conetividade, relativos à fase um do programa foram apenas executados a 65%, atingindo um montante de 14,6 milhões de euros, aquém da despesa total prevista, de 22,4 milhões de euros, segundo a auditoria..Na sequência do apuramento de desconformidades na prestação de serviços de conetividade nas fases zero e um, "a SGEC também atuou em relação aos contratos da fase dois e procedeu à integral devolução às operadoras da faturação com desconformidades no montante de 25 milhões de euros", apurou o supervisor. "Também neste caso, importa concluir o processo de verificação e validação da faturação emitida à luz das obrigações contratuais", conclui o TdC..Na altura em que decorreu a auditoria, no segundo semestre do ano passado, já todos os 1,05 milhões de computadores referentes às fases zero, um e dois da digitalização das escolas tinham sido atribuídos, reconhece o Tribunal, que não aponta irregularidades nos contratos de aquisição. Porém, sublinha que, "em março de 2022, existiam cerca de 360 mil" equipamentos nos estabelecimentos de ensino "por afetar, isto é, por entregar, aos alunos e docentes, dos quais 100 mil recusados por encarregados de educação ou estudantes"..Um dos principais motivos que levaram à rejeição dos computadores prende-se com eventuais "encargos a suportar em caso de dano ou perda, atendendo a que o equipamento, destinado a crianças e jovens desde os seis anos de idade pode ser, fácil e inadvertidamente, danificado e os custos de reparação ou substituição têm um elevado impacto, sobretudo nas famílias apoiadas pela Ação Social Escolar (ASE)", que foi o público alvo das fases zero e um da atribuição de computadores, constata o TdC..Em sede de contraditório, "a SGEC referiu que o número de recusas tem vindo a diminuir, que já só se registam cerca de 31 mil recusas e que está em curso a revisão dos termos do contrato com os encarregados de educação, com a possibilidade de desonerar as famílias dos encargos com a manutenção dos computadores que não resultem de incorreta utilização", lê-se no relatório do fiscalizador das despesas públicas..Em relação à plataforma Escola Digital, criada em 2020 para a gestão e controlo de mais de um milhão de equipamentos, distribuídos por 811 agrupamentos de escolas, e nem todos afetos a estudantes e docentes, permanecem fragilidades "com o registo histórico dos computadores que, iniciado em 2021, continua a não abranger todas as situações, incluindo os cedidos por outras entidades assim como continua a observar-se inconsistência de dados e deficiências na identificação da fonte de financiamento", alerta o TdC. A este propósito, "a SGEC adiantou encontrar-se já em preparação um procedimento de aquisição para o desenvolvimento de uma nova plataforma de gestão de processos e de monitorização de equipamentos da Escola Digital, no âmbito de um Sistema de Informação Online", que deverá custar 17 milhões de euros, segundo o Orçamento do Estado para 2023..O presente relatório foi enviado à tutela e ao Ministério Público e instrui a SGEC a transmitir, no prazo de 180 dias, ao Tribunal de Contas, informação documentada sobre o acolhimento dado às recomendações..Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo