Englobar pensão de alimentos no IRS penaliza acesso ao apoio às rendas

Divorciados com filhos, que não optaram pela tributação autónoma, registam ganhos superiores, podendo ficar excluídos se ultrapassaram os 38 632 euros de rendimento em 2021.
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Mães ou pais divorciados que recebem pensões de alimentos pelos filhos a seu cargo e que, quando preencheram a declaração de IRS relativa a 2021, optaram pelo englobamento daqueles apoios, em vez da tributação autónoma, correm o risco de serem excluídos do subsídio de renda que começou a ser pago esta segunda-feira aos titulares de rendimentos.

Ao somar aquela pensão às remunerações globais, os inquilinos fazem subir o ganho coletável líquido, que pode, por via deste adicional, ultrapassar o teto dos 38 632 euros anuais definido pelo governo como condição para a atribuição do apoio, desde que exista uma taxa de esforço superior ou igual a 35% para pagar a renda. "A pensão de alimentos é um rendimento de pensões que pode ser tributado autonomamente à taxa de 20% ou pode ser englobado nos rendimentos totais, contribuindo para o apuramento coletável", explica ao DN/Dinheiro Vivo o fiscalista Luís Leon, cofundador da consultora Ilya. Assim, "quem decidiu englobar, isto é, somar as pensões de alimentos, porque a taxa de imposto geral era inferior, vai ter um rendimento coletável mais alto comparativamente com quem optou pela tributação autónoma que é excluída para calcular a matéria coletável", detalha Luís Leon.

No fórum online da Deco Proteste, dedicado ao apoio às rendas, e consultado pelo DN/DV, há centenas de queixas de arrendatários que ainda não receberam o subsídio, entra as quais, mães que auferem pensões de alimentos e que desconhecem a forma de tributação em sede de IRS. Segundo aquela organização, "houve um acréscimo de mil registos nas duas últimas semanas, dos quais não menos de 80% estão relacionados com o apoio às rendas".

A questão do englobamento também se coloca relativamente aos rendimentos de capitais, isto é, de dividendos, e prediais, relativos a rendas, beneficiando quem sujeitou estes ganhos à taxa autónoma, subtraindo-os à matéria coletável. "Por exemplo, duas famílias com o mesmo rendimento bruto, incluindo ganhos de capitais e prediais, terão um vencimento líquido diferente consoante o englobamento: será superior, caso tenha agregado aqueles rendimentos, o que poderá resultar na exclusão do apoio à renda", aponta o fiscalista, considerando que "se trata de uma enorme injustiça". E apresenta outra situação: "Imagine que um empresário declara o salário mínimo nacional e depois recebe um milhão de euros em dividendos, mas que são tributados autonomamente. Este rendimento não vai ser considerado para calcular a matéria coletável". "Os governos querem olhar para a declaração de IRS como um retrato dos rendimentos dos portugueses, o que é errado. A declaração só serve um propósito: o acerto de contas entre os portugueses e o Fisco no apuramento do imposto", sublinha.

Muitas dúvidas também têm surgido sobre quais os rendimentos a considerar no apuramento da elegibilidade para o apoio. No caso de titulares de rendimento, e tal como o DN/DV tinha avançado, em primeira mão, as Finanças têm em conta não o rendimento bruto mas antes a matéria coletável, já depois do abate da dedução específica de 4104 euros, que consta da declaração referente aos ganhos de 2021, confirmou ao DV fonte oficial da Autoridade Tributária (AT): "O rendimento relevante é o rendimento anual considerado para determinação da taxa do IRS (incluindo o valor das deduções específicas e o valor dos rendimentos tributados quer à taxa geral do IRS quer às taxas especiais)". " Este valor deve ser igual ou inferior ao limite máximo do 6.º escalão do IRS, em vigor à data da atribuição do apoio, ou seja até 38 632 euros, para que o rendimento do agregado familiar possa ser considerado para efeitos de posterior aferição da taxa de esforço face ao valor da renda, a qual não pode ser inferior a 35% para efeitos de elegibilidade", refere ainda a AT, sublinhando que "o apoio que está a ser pago, relativo ao ano de 2023, teve em conta os rendimentos relativos a 2021, uma vez que ainda está a decorrer o prazo para a entrega e para a liquidação do IRS de 2022".

O pagamento do subsídio aos titulares de rendimento, com efeitos retroativos a janeiro, deverá chegar a 150 mil famílias e será feito pela Segurança Social exclusivamente por transferência bancária, pelo que o IBAN deve estar atualizado quer no Portal das Finanças, quer na Segurança Social Direta. O Ministério da Habitação revelou à Lusa que "cerca de 20 mil pessoas elegíveis para o apoio à renda não receberam ontem o valor a que teriam direito por não terem o IBAN atualizado".
O subsídio máximo mensal é de 200 euros, correspondendo ao diferencial entre a taxa de esforço superior a 35% e este patamar. Os apoios de valor inferior a 20 euros por mês são transferidos de seis em seis meses.

No caso de pensionistas e beneficiários de prestações sociais como Rendimento Social de Inserção (RSI) ou subsídio de desemprego, o cálculo dos rendimentos é feito pela "Segurança Social para o agregado familiar do titular do contrato, com base nos três meses precedentes", de acordo com o Decreto-Lei n.º 20-B/2023 de 22 de março que cria o apoio extraordinário à renda. Ou seja, não é considerada a declaração de IRS referente a 2021.

O governo anunciou que o subsídio começou a ser creditado a 30 de maio, devendo chegar a cerca de 35 mil famílias que auferem pensões ou apoios sociais. Mas há dezenas de queixas reportadas ao DV de reformados e beneficiários de RSI que reivindicam o direito ao subsídio e que ainda não receberam. Só para ilustrar dois casos, ambos com o IBAN atualizado: um indivíduo com 200 euros por mês de RSI, paga 1000 euros de renda, o que corresponde a uma taxa de esforço de 500%, tem duas mensalidades em atraso e ainda não recebeu o apoio; um reformado com uma pensão de 400 euros paga 400 euros de renda, o que se traduz numa taxa de esforço de 100%, também não viu o dinheiro a cair na conta. O DV questionou o Ministério das Finanças sobre os motivos da falha no pagamento, mas não obteve resposta. O Ministério da Habitação disse apenas que "ter rendas em atraso não é um fator de exclusão".

salome.pinto@dinheirovivo.pt

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