Empresas, sindicatos e economistas: todos querem choque fiscal no OE2022
A pouco mais de uma semana de o Orçamento do Estado (OE) da retoma sair das Finanças, é a João Leão que são apontadas baterias. E se a forma pode ser distinta, há um caminho que todos apontam como essencial para garantir a recuperação pós-pandémica e que passa por emagrecer receitas fiscais para deixar mais dinheiro na economia. Como lá se chega, depende do lado da equação em que se movem as associações contactadas pelo Dinheiro Vivo, com os representantes dos trabalhadores a focar-se nos rendimentos das famílias e num corte da carga fiscal sobre o trabalho, enquanto os que falam por empresas e setores de atividade apontam, além da multiplicação de escalões de IRS, as virtudes de medidas que permitam mais rapidamente recapitalizar as empresas e captar investimento. Mas falem de IRS ou de IRC, de IVA ou de custos da energia, de isenções ou de benefícios que promovam o emprego, a produtividade, a formação de recursos humanos ou as transformações verde e digital de que Bruxelas fez bandeira prioritária, é nos impostos que quase todos põem a fasquia da medida que não pode faltar no próximo OE, sob pena de a retoma não acontecer.
No público ou no privado, os salários têm de subir e a taxação sobre o trabalho deve ser cortada. Mesmo que isso se faça à custa dos resultados das empresas para garantir que os serviços públicos não sofrem os efeitos de uma menor receita fiscal mas antes são reforçados. É esta a fórmula defendida pelos representantes dos trabalhadores, que alargam a prioridade à valorização e progressão das carreiras, quer estejam em causa funcionários públicos quer os do privado.
"O reforço dos Serviços Públicos e das funções sociais do Estado (SNS, Escola Pública, Proteção Social, Cultura e Habitação) são imprescindíveis, defende Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, que considera que isso passa por "aumentar os salários dos trabalhadores do setor público e efetivar o direito às carreiras e à progressão nas mesmas". Uma prioridade que é também apontada por Carlos Silva. "A valorização dos salários e dos rendimentos e o combate às desigualdades eram matérias que estavam em discussão em sede de CPCS antes da pandemia e que ficaram em suspenso" são matéria essencial, concorda o secretário-geral da UGT, recordando o compromisso assumido pelo primeiro-ministro, António Costa, no que respeita à "necessidade de um acordo sobre valorização salarial, em particular das jovens gerações (...), assumindo-se o Estado como parte do esforço coletivo que a sociedade portuguesa tem de fazer para aumentar o rendimento disponível das famílias".
Para Isabel Camarinha, este esforço passa por "promover medidas no plano fiscal que garantam mais meios financeiros com recurso à taxação dos rendimentos de capital e alívio da fiscalidade sobre os rendimentos do trabalho". Salários estagnados há anos e uma fiscalidade muito elevada sobre o trabalho estão a penalizar brutalmente as famílias em termos de rendimento disponível, concorda Carlos Silva, apontando que "Portugal mantém uma carga fiscal muito acima da existente antes da crise de 2009 (e da intervenção da troika) e ainda acima da média comunitária. "Os salários e os rendimentos dos portugueses não podem continuar a ser (as) variáveis de ajustamento económico e de competitividade", diz o líder da UGT. Pelo que defende "o aumento do número de escalões de IRS, bem como a atualização de benefícios e isenções, em sede de IRS, pelo menos em linha com a inflação prevista, e a reposição do IVA a 6 % para todos os bens essenciais".
Se para as estruturas sindicais o trabalhador tem de ter papel central neste Orçamento, quem estuda o desenvolvimento económico garante que não é possível obter resultados para quem trabalha se as empresas não estiverem fortes e saudáveis. "O papel central do mercado e das empresas no processo de inovação e desenvolvimento constitui o pano de fundo da proposta e a política orçamental pode estimular ou atrapalhar", considera Alberto Castro, professor catedrático na Católica Business School do Porto, que subscrevendo várias das ideias de desagravamento fiscal, incluindo IRS, já adiantadas, mas vai mais além, na receita preconizada para uma efetiva recuperação. Chama-lhe uma "abordagem ousada" que se materializa no "reforço e simplificação dos incentivos aos lucros retidos e reinvestidos", sobretudo quando esse investimento é feito nas áreas prioritárias do PRR. "No limite, os incentivos deviam permitir uma neutralidade fiscal com o PRR, levando a que, as empresas com folga de liquidez, libertassem o Plano para as que não têm esse conforto." A par dessa "ousadia", indica outra, que passa por alargar os estímulos e simplificação no processo de aquisição e fusão de empresas - uma ideia também referida por Pedro Ferraz da Costa, economista e líder do Fórum para a Competitividade -, medidas que o antigo chairman do Banco de Fomento acredita que ajudariam a reforçar a nossa estrutura empresarial, sem grandes custos.
Garantir a saúde económica do país passa também, nesta fase, pelos instrumentos de capitalização das empresas, reforça Pedro Reis. "O tema mais importante e decisivo de assegurar num OE que tem de assegurar o relançamento robusto da atividade económica - e do investimento em particular - prende-se com a ativação total e definitiva do Banco Português de Fomento (nomeadamente no que respeita a ferramentas que captem ganhos de escala, de produtividade e de eficiência, como o Fundo de Capitalização e Resiliência)", diz o ex-presidente da AICEP e hoje candidato a bastonário dos economistas. A par da boa e rápida implementação do PRR, articulado com o PT2030, defende grande "foco e determinação no tema da capitalização das empresas e nos ganhos de produtividade e de competitividade da economia", prioridade que devia contagiar todos os OE "para criar condições de crescimento equilibrado e sustentável".
Sendo a retoma um processo "global e complexo", também João Duque aponta às empresas como ponto de partida para melhorar a situação dos portugueses. "São fundamentais medidas que estimulem a produtividade, que deem estabilidade ao sistema fiscal (com exceção de poucas com impacto significativo) e que apoiem o desenvolvimento do mercado de capitais como fonte de captação de poupança para o investimento", elenca o professor do ISEG, que privilegiaria as que visassem o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, "a baixa significativa de todos os escalões de IRS e a remoção de taxas adicionais de IRC, a acompanhar a revisão e reestruturação das funções do Estado como empregador", ajudariam não só a deixar a crise para trás como a pôr-nos na rota da sustentabilidade da economia e das finanças públicas.
A consolidação das contas públicas, como via para a efetiva redução da dívida - essencial para que a economia continue a ter acesso a financiamento a custos reduzidos - é também apontada por Pedro Castro e Almeida, ainda que o CEO do Santander Portugal realce como prioridade absoluta num quadro conjuntural "a manutenção dos apoios a famílias e empresas" sobretudo de setores que ainda não recuperaram e nos quais subsistem riscos. Ainda assim, o banqueiro está otimista quanto à "retoma que está em curso, de forma sustentada", e que deve ser reforçada e consolidada. Na fórmula que defende dever guiar o OE2022, aponta medidas de caráter plurianual que ajudem a reforçar investimento público e privado, em áreas de I&D que promovam a produtividade e competitividade das empresas, e de um processo de simplificação e redução da carga fiscal. E concretiza: "Para as famílias, podem incluir-se medidas gerais de promoção da poupança e de apoio à natalidade. Do lado das empresas, destacar-se a necessidade de manter e reforçar apoios ao investimento produtivo e à capitalização."
O investimento é caminho prioritário também para Pedro Mota Soares, concretamente apostando na cobertura de rede do país, para pôr fim às "zonas brancas - de baixa densidade populacional e desafios de viabilidade económica". No âmbito da transição digital, o secretário-geral da Apritel, que representa as operadoras de telecomunicações, lembra o investimento privado "que permitiu a Portugal ser líder europeu na cobertura de famílias com redes fixas de alta velocidade" e que garantirá "a liderança europeia em 4G e 5G", para lembrar que o Estado também tem aqui um papel. "No próximo OE, devia ser garantido o investimento público necessário para reforçar a coesão territorial e a melhoria das competências digitais de Portugal."
Porque a exceção confirma a regra, é de novo nos impostos que as associações que representam setores como o comércio e serviços, a distribuição ou a restauração e o turismo encontram a solução para a retoma que tem de estar fortemente defendida no OE2022.
"O peso da carga fiscal que recai sobre as empresas é de tal forma acentuado que ao desafio da recuperação não se responde apenas com uma medida, mas com um choque fiscal que incida sobre os principais impostos", defende João Vieira Lopes. Para o líder da CCP, que reúne as empresas do setor do comércio e serviços, é urgente "uma política fiscal que estimule a tesouraria das empresas e o investimento, condições essenciais para um crescimento robusto, que permita a Portugal recuperar convergindo para a média da UE". Caminho semelhante é traçado por Gonçalo Lobo Xavier, que pede "uma necessária redução da carga fiscal para as empresas e para o consumidor". Em defesa do setor da distribuição, o secretário-geral da APED vai além do alívio no IRC e no IRS, defendendo essa via para "todos os impostos associados ao investimento e consumo e as tributações autónomas".
Apoios e incentivos fiscais são também caminho que o líder da APED aponta no quadro do "investimento em infraestruturas que possibilitem a capacitação do país para a transição digital e a descarbonização das empresas e dos seus processos", a par de investimento direto e de "incentivos à formação e à requalificação dos recursos humanos, com foco nos dossiês da digitalização e da transição climática".
Mantendo o foco no quadro fiscal do OE2022, é no IVA que a restauração procura soluções. "A aplicação temporária da taxa reduzida a todo o serviço de alimentação e bebidas (6% no Continente, 5% na Madeira e 4% nos Açores) é fundamental para reforçar a tesouraria das empresas", justifica Ana Jacinto, recordando que esta medida temporária tem sido implementada em vários países europeus para revitalizar uma das atividades mais penalizadas pela crise pandémica. "É uma das medidas mais eficazes para apoiar o emprego, e potenciar investimentos mais significativos, contribuindo para elevar a qualidade da oferta, um dos fatores mais importantes da concorrência a nível global", diz a secretária-geral da AHRESP, que também fala pela hotelaria, pedindo mais incentivos ao consumo, como o prolongamento do IVAucher ou medidas semelhantes à campanha britânica Eat Out to Help Out (que dá desconto direto de 50% ao consumidor).
Uma redução da carga fiscal às empresas, "designadamente em sede de IRC e com prioridade aos setores mais prejudicados pela crise pandémica" é também a solução de Nuno Botelho para as dificuldades que muitos ainda vivem. O presidente da Associação Comercial do Porto diz que "seria um sinal muito importante para a retoma", capaz de estimular o investimento privado, reforçar a confiança e melhorar a competitividade das empresas. "Portugal não pode prosseguir num caminho de perseguição fiscal a quem promove negócios", justifica, pedindo "estabilidade, previsibilidade e estímulos" fiscais para dar ânimo ao desenvolvimento dos projetos. Ao alívio fiscal para as empresas, Luís Miguel Ribeiro soma o das famílias. "É indiscutível que a carga fiscal é penalizadora da atratividade e da realização de investimento, compromete a competitividade e a recuperação da economia", afirma o presidente da AEP, apontando cortes na taxa de IRC e eliminação da derrama, bem como e a redução do IRS para os cidadãos como medidas desejáveis. "Entre os países da OCDE, o nosso tem a maior taxa máxima de IRC combinada, a que se soma a tributação elevada sobre o fator trabalho, as taxas contributivas para a segurança social - nos empregadores e nos trabalhadores." E há ainda um custo acrescido na energia que poderia reduzir-se via impostos, lembra.
Dada a situação financeira em que se encontra grande parte do tecido produtivo, António Saraiva defende um OE2022 com medidas especificamente dirigidas à capitalização das empresas e ao reforço da sua tesouraria. Para estimular o investimento, indica uma em concreto: "O aprofundamento do regime de Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos que, pelas suas atuais limitações em termos de taxas, limites e outras restrições, está ainda muito aquém do seu potencial." Para o líder da CIP, seria bom "aumentar a possibilidade de dedução à coleta para 50% dos lucros retidos reinvestidos em aplicações relevantes, alargar este regime a todas as empresas, até 50% da coleta de IRC, e eliminar o limite máximo absoluto do investimento". É também por este caminho que segue a proposta de Pedro Ferraz da Costa. O presidente do Fórum para a Competitividade frisa que não há soluções mágicas ou atalhos para o que Portugal teria de fazer para se transformar rumo à eficácia, um "trabalho complexo que implica mexer em muitas áreas". Ainda assim, tendo em conta a estimativa de que "o setor bancário perde 4 a 5 mil milhões de euros/ano em créditos incobráveis", veria com bons olhos caminhos para a concentração, aumentando a dimensão média das empresas portuguesas e combatendo o arrastar das falências. "Autorizar o report para trás dos prejuízos fiscais permitiria que as empresas rentáveis tivessem melhores condições para crescer e para adquirir as que se arrastam penosamente desde 2009, bem como as que a covid acrescentou a essa extensa lista."