Economia tem nova travagem histórica em 2023, mas Medina quer repetir corte no défice
A economia portuguesa deve evitar uma recessão em 2023, segundo dados do ministro das Finanças ontem ventilados por vários deputados que se reuniram com Fernando Medina, no Parlamento, mas não evitará a segunda maior travagem da história recente (desde 1995), a maior a seguir ao primeiro ano da pandemia covid-19 (2020).
Os dados de Medina, citados pelos parlamentares, estimam um crescimento real recorde que pode chegar a 6,5% este ano, beneficiando do avanço da inflação (que deve chegar a uns inéditos 7,4% em 2022), mas em 2023 o ritmo da atividade deve arrefecer de forma significativa para apenas 1,3%.
Apesar do abrandamento previsto no crescimento do produto interno bruto (PIB), que pode chegar a 5,2 pontos percentuais em 2023, o governo não abre mão da rota da consolidação orçamental.
Segundo alguns deputados que estiveram com o ministro, a meta de défice público que deve aparecer na proposta de Orçamento do Estado de 2023 (OE2023), a entregar na próxima segunda-feira, dia 10 de outubro, vai ser de 0,9% do PIB, menos um ponto percentual face ao valor estimado para o défice deste ano (1,9% do PIB). O equivalente a menos 1% do PIB.
Ou seja, as Finanças querem repetir no ano que vem o esforço global de consolidação orçamental deste ano, em que o défice deve cair de 2,9% (em 2021) para os referidos 1,9%. Menos 1% do PIB.
O cenário avançado pela equipa das Finanças é adverso porque muito incerto e ensombrado pela inflação e pela guerra na Ucrânia, tudo variáveis que o governo, de facto, não controla.
A ideia de fundo é, portanto, chegar a um défice de 0,9% no final do ano que vem e continuar a cortar no peso da dívida pública (que deve descer de 115% para cerca de 110% a 111% do PIB em 2023, segundo os deputados que estiveram reunidos com o ministro das Finanças).
Ambos os indicadores são fulcrais para que a República se mantenha à tona, no lado bom dos ratings, e não venha a ser confrontada com subidas indesejadas e agressivas das taxas de juro em 2023, à medida que os programas do Banco Central Europeu (BCE) forem deixando de surtir efeito.
Na próxima quarta-feira, dois dias depois de revelado o OE2023, Portugal vai aos mercados pedir nova dívida (emissão de obrigações).
Esses programas de compras de dívida pública por parte do banco central foram todos descontinuados em 2022 e as taxas de juro diretoras estão a subir rapidamente.
Mas o BCE comprometeu-se a "reinvestir" as obrigações soberanas, o mesmo que dizer que não as despejou nos mercados. Isto permite conter o valor dos títulos e a subida aguda dos juros.
É uma ajuda importante na medida em que Portugal, tendo uma dívida de quase 120% do PIB (na casa dos 110% em 2023, terá dito Medina nas reuniões no Parlamento), continua com uma fatura anual de juros na ordem dos 5 mil milhões de euros. Muito mais do que o défice estimado, que ronda os 4,4 mil milhões de euros este ano (os tais 1,9% do PIB).
Medina já disse várias vezes, tal como os seus antecessores João Leão e Mário Centeno, que Portugal precisa de consolidar as contas se quer continuar a financiar serviços públicos, apoios sociais e empresas, o crescimento e o emprego. E, claro, continuar a pagar a enorme dívida a preços decentes.
Assim, mesmo com a economia a travar, o Executivo aposta numa redução do défice igual à de 2022. Esta consolidação em 2023 acontece num quadro de alívio na inflação que, segundo disse o ministro nas reuniões na AR, deve descer de 7,4% para 4,1%.
A oposição acusa o governo de ser demasiado otimista na evolução dos preços. Mas não é bem assim. Menos inflação também joga, em parte, contra as contas do governo.
Ao assumir uma queda na taxa de inflação, o governo está a assumir também que o maná da receita fiscal e contributiva - impulsionada pela inflação muito alta deste ano e que lhe permitiu cortar no défice para 1,9%, mesmo num quadro de crise galopante - vai começar a desaparecer no ano que vem.
E não foi só a receita inflacionada que permitiu reduzir o défice em 2022. Também a execução do investimento público ficou altamente condicionada pela incerteza geral provocada pela guerra e a inflação e pelos atrasos substanciais na execução dos fundos europeus, nomeadamente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Isso ajudou a travar a despesa deste ano.
Redução do défice em 2023 igual à de 2022. Mas como?
E como se explica uma redução do défice em 2023 igual à de 2022? O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não tem descansado no que respeita à execução do PRR. Nem Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal.
O OE2023 vai tentar sossegar os dois e mostrar a descolagem nos investimentos financiados e ditos "estruturantes" para o país.
A grande poupança em que Medina faz fé será mesmo a descontinuação dos apoios concedidos este ano a famílias e empresas por causa do aperto inflacionista.
Por exemplo, o pacote Famílias Primeiro (avaliado em 2,4 mil milhões de euros em contas nacionais é imputado a 2022, visto ser um compromisso de despesa) deve ser gradual ou totalmente descontinuado 2023, porque o governo vai assumir um cenário de desanuviamento na inflação, que é alta, mas desce para os tais 4,1% em 2023, que devem vir no novo OE.
Pode ser pouco (o Conselho das Finanças Públicas fez contas recentemente e prevê 5,1%), mas menos inflação, menos apoios.
Só a descontinuação do plano Famílias Primeiro daria uma poupança equivalente a 1% do PIB. Esta não acontece em 2022, mas pode ser transferida para 2023. Mesmo que os apoios não terminem todos, há aqui uma folga que Medina vai querer usar.
Mas o futuro é altamente incerto. Se a recessão vier, como já se diz na Alemanha, a maior economia do euro, o OE2023 ficará rapidamente desatualizado e terá de ser retificado para aumentar autorizações de nova despesa -- novos apoios sociais, subsídios de desemprego ou capitalizações de empresas públicas, o que for. A profundidade da crise em 2023 é que o vai ditar.
luis.ribeiro@dinheirovivo.pt