Economia desacelerou com a Jornada do Papa em Portugal

Menos dormidas em hotéis, menos consumo em restaurantes, menos compras no comércio (como vestuário e calçado). Empresários queixam-se. Indicador do Banco de Portugal mostra que houve uma aterragem suave até 5 de agosto, o penúltimo dia do Papa no país
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A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e a visita do Papa Francisco a Portugal puxou por algum investimento público e privado, mas, no geral, a evolução da atividade da economia ressentiu-se, tendo entrado em terreno negativo entre meados de julho e o final da primeira semana de agosto, mostram dados do Banco de Portugal (BdP).

De acordo com várias fontes empresariais e oficiais, houve coisas boas (algum investimento que fica feito e pode ser rentabilizado, esperam alguns altos responsáveis, como o primeiro-ministro e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa), mas há sinais que mostram ter havido retração no turismo habitual, para dar lugar ao enorme fluxo de "jovens peregrinos" que veio ao evento católico. Menos dormidas em hotéis, menos consumo em restaurantes, menos compras no comércio (como vestuário e calçado).

Como constatou o Dinheiro Vivo (DV) durante a semana da JMJ, as geladarias da Baixa lisboeta tinham filas significativas, à porta, por vezes muito significativas, algumas quase do tamanho das do elétrico 28.

Os supermercados foram como que invadidos, literalmente. Um gerente de uma loja de uma grande cadeia de distribuição alimentar comentou ao DV, sorridente: "Esta tarde, faturámos em duas horas o mesmo que num dia inteiro normal, até podíamos fechar já a loja [risos]".

Os cafés, restaurantes e snack-bares, alguns tinham acordo com a organização da JMJ (tinham menus peregrinos preparados, cofinanciados em muitos casos).

Os que não aderiram ao acordo apostólico faturaram na mesma; um pouco mais do que o normal, nalguns casos: "Muitas águas, coca-colas, sandes, sobretudo, tivemos muito trabalho, graças a Deus", descreveu o dono de um café no Rossio (Lisboa) que não quis ser identificado.

Isto foi no dia 3 de agosto (quinta-feira), quando o périplo do Papa o levou para fora da capital (Cascais) durante toda a manhã, voltando ao final do dia ao Parque Eduardo VII, em Lisboa.

"Muitos peregrinos não acompanharam o Papa até Cascais e resolveram ficar por aqui para ver melhor a cidade", supõe o mesmo responsável do café.

O consumo dos jovens peregrinos não passou tanto por refeições em restaurantes bons ou mais caros, viagens de TVDE, saídas noturnas, nem álcool. Também parece não ter acontecido uma vaga de compras de roupa, sapatos, garrafas de vinho de marca.

Uma empregada da HM da Rua do Ouro conferiu que sim: a loja "esteve às moscas, comparando com o que costuma ser".

Em contraste, muitos dos outros turistas ditos "normais", os que normalmente gastam mais na capital, ficam a dormir em hotéis e alojamentos locais, parecem ter evitado vir nas vésperas e na semana da JMJ.

Como referido, o indicador diário do Banco de Portugal mostra essa aterragem suave da economia movida a turismo. A partir de 11 de julho, a atividade económica (a evolução) entrou em território claramente negativo, mantendo a tendência durante a semana do Papa, até dia 5 de agosto. O Sumo Pontífice partiria para Roma no dia seguinte. A partir daqui, o indicador do BdP reanimou. Não muito, mas deixou de ser claramente negativo.

"A semana da jornada não foi, na generalidade, boa. Houve quebras nalgumas lojas, sobretudo em setores que não têm a ver com o alimentar, e quebras significativas. E no setor alimentar correu muito bem a quem tinha contratos com a organização da JMJ. Aí houve muito sucesso e foi acima do esperado", disse à Lusa Vasco Melo, vice-presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina (ADBP).

A associação representa todos os negócios da Baixa de Lisboa, desde ourivesarias, hotéis, restauração, lojas de roupa, lojas de jogos e imobiliárias, por exemplo.

"Os peregrinos não vinham na predisposição de consumirem, nem de comprar uma casa, nem roupa, o que é normal", afirmou, sublinhando que, por outro lado, devido à JMJ muitos turistas desmarcaram e residentes em Lisboa decidiram ir de férias nesta altura.

O presidente da Associação de Comerciantes de Sacavém, Otávio Mestre, referiu que durante a semana em que decorreu a JMJ (1 a 6 de agosto) "sentiu-se muito a falta dos moradores e dos clientes habituais, que preferiram sair da cidade", disse, citado pela mesma agência noticiosa.

"O negócio não melhorou, antes pelo contrário. A ideia que nós temos, até porque já falámos com um número razoável de comerciantes, foi que houve um ou outro que teve o mesmo volume de negócio igual a períodos idênticos, mas a maior parte acha que teve uma faturação inferior", acrescentou o responsável à Lusa.

Já Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da Câmara de Lisboa, defendeu que a Jornada Mundial da Juventude custou abaixo de 35 milhões de euros à autarquia, um investimento "barato", tendo em conta a visibilidade mundial e os equipamentos que ficaram na cidade. "Ou seja, se nós quisermos ser rigorosos, o custo da Câmara com a JMJ não foi 35 milhões de euros, mas 10 milhões". A diferença (25 milhões de euros) é o investimento feito (custo), mas que fica para a cidade, disse o autarca.

"Creio que todos temos boas razões para estar satisfeitos com aquilo que aconteceu, por o país ter demonstrado mais uma vez uma extraordinária capacidade de organização de eventos com esta dimensão", afirmou, em jeito de balanço, António Costa, o primeiro-ministro.

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