Dona do Continente nega especulação nos preços

Presidente executiva da Sonae, Cláudia Azevedo, sublinhou ontem na apresentação das contas de 2022 que a margem de lucro da cadeia de super e hipermercados do grupo foi de 2,7%

Numa altura em que o setor da distribuição está debaixo de fogo, sob a acusação de especular nos preços dos bens essenciais, o grupo Sonae aproveitou a apresentação dos resultados de 2022 para negar que esteja a potenciar essa inflação e que tenha lucros de 40% ou 50%. "Não reconhecemos esses números e não fazemos a mínima ideia de onde vêm. A margem de lucro do Continente é de 2,7%", sublinhou ontem a presidente executiva do grupo sediado na Maia, cujo resultado líquido caiu 17% para 179 milhões de euros, face a 2021.

"A cadeia alimentar não é a culpada do aumento da inflação, pelo contrário, tem absorvido. Acho que esta procura desenfreada de culpados, quando os números são muito claros e são do Estado, é um pouco estranha", considerou a empresária, lembrando que "é muito fácil chegar a números certos, porque são informações do INE [Instituto Nacional de Estatística] e do Ministério da Agricultura". E vincou: "Vê-se nos números que toda a gente [da cadeia alimentar] está a acomodar um pouco da inflação e a reduzir a sua margem [de lucro]".

"Fazemos tudo o que está certo para entregar às famílias portuguesas uma proposta de valor que as ajude, e temos margens muito baixas. Portanto, não reconheço esses números e não vou comentar as intenções de quem os põe cá fora", afirmou Cláudia Azevedo, referindo, contudo, que, "desde apoiar os produtores e as famílias, há todo um leque de situações em que o Governo tem de apoiar, porque a inflação alimentar a 20% é um assunto muito sério".

"Acho que faz sentido haver medidas do lado dos produtores e do lado do consumidor e, nesse sentido, tentar aumentar o rendimento disponível das famílias portuguesas", exemplificou a líder da Sonae, lembrando ainda que o Governo pode "avaliar as receitas de IVA" e "usar o excesso de IVA gerado pela inflação".

Contexto adverso

Durante a conferência de Imprensa de apresentação dos resultados de 2022 da Sonae, o administrador financeiro do grupo, João Dolores, também fez questão de abordar o tema da especulação de preços, começando por esclarecer que o assunto "tem sido muito discutido nos últimos dias, na maior parte dos casos com base em informação errada e acusações que não têm aderência à realidade".

Defendendo que "é importante que este tema seja discutido com base em factos, procurando encontrar soluções e não tentando encontrar culpados", o responsável asseverou que "a inflação não está a ser criada pela distribuição". "Repudiamos totalmente a acusação de estarmos a especular para prejudicar os consumidores", vincou João Dolores, que realçou que "a inflação tem origem em fatores bem identificados na cadeia de valor e que resultam de um contexto muito adverso para os produtores. Isto tem vindo a ser destacado pelos próprios produtores e pela confederação de produtores agrícolas".

Apelando a que "haja um debate sério" sobre o assunto, o gestor alerta que "é preciso desmistificar que houve margens de lucro de 40%" por parte das distribuidoras. João Dolores lembrou, por isso, os aumentos de custos energéticos verificados a partir da eclosão da guerra na Ucrânia, bem como a subida de preços do petróleo, fertilizantes, sementes e cereais têm reflexo no preço dos bens.

"Isto é algo que os produtores sentem, é algo com que sofrem no dia-a-dia, e que se traduz inevitavelmente em aumentos de custos dos produtos que compramos para vender nas nossas lojas. A adicionar a isto, temos um fenómeno, que tem a ver sobretudo com causas naturais, de quebra de produção num conjunto de produtos, como cereais, sementes, legumes, frutas, mas também no setor da pecuária, com algumas doenças animais a colocarem muita pressão sobre a disponibilidade de produtos."

Segundo o administrador financeiro da Sonae, "estes fenómenos traduzem-se num aumento dos preços em toda a cadeia de produção, que não está a ser totalmente refletido nos preços que são passados ao consumidor. Toda a cadeia de valor tem suportado parte do aumento destes custos, e temos sentido uma quebra de rentabilidade não só na distribuição, mas também na cadeia de produção".

Argumentos

Apesar da descida de alguns custos, como é o caso da energia, o preço de bens essenciais continua a subir porque - explicou o responsável - "hoje estão a ser vendidos produtos cujos custos foram integrados há mais de um ano", havendo "colheitas que só agora estão a ser processadas, contratos de energia que foram fixados nessa altura, fertilizantes que foram comprados nessa altura e que estão hoje a ser utilizados...".

No entanto, o Governo quer atual no preço dos alimentos, que tem escalado, apesar da descida da inflação, que em fevereiro recuou para 8,2%, intensificando, por isso, as ações de fiscalização da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). "Se tivesse de procurar algum culpado [para a inflação alimentar], ele seria, talvez, o presidente da Rússia, a China ou a seca", atirou Cláudia Azevedo.

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