Disrupção: 85% das empresas não confiam na capacidade dos seus líderes

Dados do Odgers Berndtson Leadership Confidence Index 2020 com a Harvard Business Review Analytic contam com a colaboração de empresas portuguesas.
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Há uma "crise de confiança" na liderança empresarial, que é transversal às várias geografias e setores de negócios. Embora 95% dos executivos seniores em todo o mundo acreditem que uma gestão correta da disrupção é "vital para o sucesso" das suas organizações, 85% assumem não ter confiança na capacidade da sua própria equipa de liderança para responder às causas da disrupção. Mais, só 16% considera que o tema tem sido bem gerido até à data. A incapacidade para experimentar novas soluções, a ausência de visão face ao futuro e a elevada resistência à mudança são algumas das explicações.

Estes são dados do Odgers Berndtson Leadership Confidence Index 2020, conduzido em colaboração com a Harvard Business Review Analytic Services e no qual participaram dois mil executivos à escala global. O estudo, que contemplou empresas com vendas entre os 50 milhões e os 5 mil milhões de euros, abrangeu inúmeros setores, desde as tecnologias à indústria farmacêutica, passando pelos transportes, indústria, energia, telecomunicações, construção, serviços financeiros e retalho, entre outros. E, embora o inquérito tenha decorrido entre novembro e janeiro últimos, Luís Sítima, responsável pelo grupo Odgers Berndtson em Portugal, acredita que os seus resultados são "ainda mais atuais" à luz da pandemia de covid-19.

Esta é a primeira edição deste inquérito, no qual participaram dez empresas portuguesas, não identificadas por questões de confidencialidade. O estudo procurou perceber as principais lacunas existentes ao nível da liderança, identificando, em simultâneo, pistas e orientações para desenvolver essas competências. O objetivo é repeti-lo, no futuro, de modo a criar "um barómetro ao longo dos diferentes anos", diz Luís Sítima.

Como referido, 95% dos executivos reconhece que a disrupção é um "fator crítico de sucesso" e 88% considera mesmo que "vai ser ainda mais crítico" nos próximos anos. Surpreendentemente, admitem os responsáveis pelo trabalho, 85% dos inquiridos - que incluiu não apenas executivos de topo, mas também quadros de gestão das empresas - revelam que não têm confiança na liderança da sua organização.

"Esta falta de confiança sublinha o papel crítico da liderança para impulsionar as organizações para o sucesso. Nas organizações mais confiantes acredita-se que os líderes com a mentalidade, o foco e os atributos certos podem atrair e reter os melhores talentos e impulsionar a evolução necessária das suas empresas", pode ler-se no documento. E quais são as lições a aprender? Antes de mais, que a capacidade de adaptação à mudança é "essencial" para promover o crescimento e o sucesso, mas também que o talento que o talento é crítico, pelo que "os líderes devem priorizar a atração, retenção e desenvolvimento da liderança", e implementar programas que "cultivem os comportamentos e atributos certos necessários para ter sucesso através da mudança contínua".

Mas a própria liderança e os traços necessários para ser um líder bem-sucedido estão a mudar. E, por isso, as empresas devem procurar e desenvolver líderes que podem "prosperar apesar da incerteza", que são "adaptáveis, curiosos e que têm a coragem necessária" para promover a mudança contínua e a "capacidade para comunicar uma visão que motiva os outros".

Determinação, coragem, pensamento estratégico, resiliência e capacidade de adaptação são as "competências críticas" que separam as "organizações mais confiantes" das restantes, explica Luís Sítima, reconhecendo que há uma "resistência" dos próprios líderes à mudança". A pandemia de covid-19 veio colocar, ainda mais pressão sobre as lideranças e as organizações, mas também provou que, mesmo que seja avesso à mudança, confrontado com ela, o ser humano adapta-se com facilidade e reinventa-se.

"Veja-se a resistência ao trabalho à distância que é tão habitual nas organizações e como, em duas semanas, rapidamente as organizações se adaptaram ao lockdown, transferindo as suas operações para o teletrabalho. Ou veja-se a enorme onda de solidariedade que se criou, com as empresas a criar novas formas de trabalho, novos produtos, e a adaptarem-se aos novos comportamentos do consumidor. Isto prova que, perante um contexto próprio, líderes que tenham coragem, determinação, pensamento estratégico, resiliência e capacidade de adaptação, conseguem dar o salto e reinventar-se", sublinha Luís Sítima.

O responsável pela Odgers Berndtson em Portugal reconhece que "ainda é cedo" para ver os resultados da forma como as empresas estão a repensar as suas formas de negócio e as suas formas de trabalhar, no entanto reconhece que o mais importante é perceber quem "perante uma mudança que saber ser inevitável, as pessoas estão mais predispostas à mudança".

Sítima acredita, ainda, que as organizações precisam de olhar para o passado recente e para "outros contextos de crise", em que o peso financeiro teve uma importância significativa na estratégia definida, em detrimento das pessoas e da tecnologia, para defender que se faça diferente desta vez. "Não devemos pensar só na questão financeira imediata, mas, também, no talento e nas pessoas. Não devemos cair no mesmo erro, porque se queremos sair fortes desta disrupção, vamos precisar da inovação tecnológica e do talento certo para isso", frisa.

Exemplos ilustram melhor

Questionado sobre bons exemplos de liderança em contexto de disrupção, Luís Sítima destaca a Nissan e a Netflix. "A Nissan um exemplo de uma organização que abraçou a disrupção quando reconheceu que os motores elétricos iriam a prazo substituir os motores de combustão. Foi o primeiro dos grandes construtores automóveis, em parceria com a Renault, a apostar no desenvolvimento de um veículo de massas - o LEAF. O plano original previa a criação de um novo conceito de automóvel, o desenvolvimento da tecnologia de baterias elétricas e da construção de uma infraestrutura de carregadores. Foi uma aposta de 5 mil milhões de dólares, que catapultou a Nissan para a liderança nos veículos elétricos", frisa.

Já a Netflix "nasceu para desafiar o modelo de negócio de aluguer de DVD. Em vez de criar mais uma cadeia de loja físicos, optou por um modelo baseado no envio de DVD para casa. Em 10 anos tornou-se um dos principais players de aluguer de DVD. No entanto, o que é verdadeiramente extraordinário e demonstra a capacidade da Netflix de ver na disrupção uma oportunidade, foi a transformação da Netflix no primeiro serviço streaming de séries e televisões. No momento em que a Netflix assume a liderança com o modelo original de envio de DVD por correio, eles reconhecerem que os avanços tecnológicos iriam tornar o seu modelo obsoleto. O CEO, Reed Hastings, mostrou determinação e coragem ao "destruir" o seu negócio core e substituí-lo com um modelo até lá inexistente", acrescenta.

Do lado dos que falharam, por não reconhecerem ou por negarem as disrupções que estavam a ocorrer, este responsável indica uma lista interminável, que vai desde a Nokia, a Blackberry, a Blockbuster ou a Kodak. Ou, mais recentemente, a Toy"R"Us. "A empresa que foi líder mundial de retalho de brinquedos faliu em 2018 por não conseguir fazer face a um declínio contínuo de vendas.

O mercado dos brinquedos passou gradualmente para o online e David Brandon, o CEO da Toys"R"Us, não mostrou capacidade de reconhecer a ameaça. Considerava que a fórmula de sucesso antiga de investimento em lojas físicas continuava a ser acertada e subestimou o impacto da Amazon e outros players online que capturarem uma quota de mercado muito significativo. Só em em 2017 começou a investir seriamente numa loja online, o que mostrou ser tarde para compensar a quebra de vendas", explica.

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