Despedir e congelar salários foi a receita para a crise

Inquérito do Banco de Portugal revela que a redução de emprego e dos custos com remunerações foram as principais armas. Empresas compensaram com as exportações
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A redução do emprego foi a principal arma das empresas portuguesas para resistir ao pico da crise (2010-2013). Como? As 5000 empresas contactadas pelo Banco de Portugal no ano passado responderam que foi sobretudo através do congelamento (37%) ou da diminuição de novas contratações (14,8%), da não renovação de contratos a prazo (35,4%) e de despedimentos individuais (18,7%). Um número significativo congelou ainda os salários-base: de 25% em 2010 passou para 40% em 2013.

O inquérito intitulado "A reação das empresas portuguesas à crise económica e financeira: principais choques e canais de ajustamento", publicado na última semana no Boletim de Estudos Económicos do Banco de Portugal, revela que as estratégias menos utilizadas foram as reformas antecipadas (6,5%), o lay-off (apenas 14,9% disseram que reduziram o número de horas de trabalho) e os despedimentos coletivos (7,1%).

Como esperado, os setores mais afetados pelos diversos choques (construção, energia e comércio) foram também aqueles que utilizaram mais intensamente as diferentes formas de ajustamento, frequentemente de forma simultânea ao longo dos anos de crise analisados. As empresas construção civil inquiridas disseram que fizeram uso do despedimento coletivo em 26,3% dos casos e dos despedimentos individuais em 47% das ocasiões em que tiveram de apertar o cinto.

Em 2012, a propósito do Orçamento do Estado para o ano seguinte, o Conselho Económico e Social estimava que no espaço de cinco anos, entre 2008 e 2013, a economia portuguesa teria destruído quase 650 mil empregos. O inquérito do Banco de Portugal denota uma apetência das empresas por destruir o emprego temporário (17,2%) e não renovação de contratos precários (35,4%) como formas de cortar nos custos, mantendo um grau residual de novos empregos criados: cerca de 14,8% contrataram, mas com salários mais baixos.

"O mercado português é, de facto, dual. Há muitos trabalhadores com contratos a prazo e depois há um grupo com contratos sem termo que obtêm um prémio salarial significativo. O emprego foi e ainda continua a ser criado com jovens menos qualificados e com piores salários", explica Francisco Carballo-Cruz, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Minho.

A riqueza gerada pela economia portuguesa caiu 4% em 2012, mais do dobro do que já tinha perdido em 2011 (1,8%). Foi o pior resultado desde 1996 e o segundo pior desde 1975, ano que o PIB recuou 5,1%.Confrontados com uma crise sem precedentes, as empresas portuguesas não apostaram na inovação e no investimento, mas a verdade é que conseguiram vender mais para o exterior. "Cerca de 40% das empresas afirmaram ter tido um aumento da procura dirigida aos seus produtos em mercados internacionais, o que é consistente com o desempenho favorável das exportações. Este comportamento é igualmente consistente com a menor fração de que reduziu os preços nos mercados internacionais (25%, por comparação com 43% no mercado interno)", refere o Banco de Portugal.

"O aumento das exportações resultou de uma contração do mercado interno e da boa preparação das empresas portuguesas para vender para o exterior. O investimento foi feito antes da crise, o que permitiu a muitos empresários utilizar a capacidade instalada durante os anos mais difíceis. Em 2014 e 2015, as taxas de crescimento do investimento recuperaram e foram sempre superiores à evolução da economia", refere Carballo Cruz. No entanto, a verdade é que as empresas preferiram despedir e congelar salários, isto é, diminuir custos e evitar apostas mais arrojadas para fazer crescer o volume de negócios. O investimento caiu 0,9% em 2010, 12,5% em 2011, ano da chegada da troika, 16,6% no ano seguinte e 6,7% em 2013, o último ano analisado pelo inquérito do Banco de Portugal.

Tal como esperado, a percentagem de empresas que reportaram reduções dos salários-base foi bastante baixa, embora esta tenha aumentado de 1,9% em 2010 para 3,9% em 2013. Uma consequência natural da legislação laboral em vigor.

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