Défice comercial regressa aos níveis da troika com subida explosiva na energia importada
As exportações portuguesas de mercadorias estão a recuperar e no período de janeiro a novembro deste ano subiram mais de 5% face ao nível registado no mesmo período do ano antes da pandemia (2019). No entanto, o custo das importações de bens energéticos (petróleo e gás) disparou, empurrando o défice comercial para níveis comparáveis ao do tempo da troika.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), que ontem atualizou as estatísticas do comércio externo, o défice comercial (diferença entre valor exportado e valor importado) ultrapassou os 16,3 mil milhões de euros em janeiro-novembro de 2021, o que reflete a ainda forte dependência de Portugal face à energia comprada no estrangeiro e ao andamento acelerado dos preços das matérias-primas nos mercados internacionais.
É preciso recuar até antes da pandemia, a finais de 2019 -- ano de retoma, de procura mais forte e, ao mesmo tempo, de subida dos preços da energia -- para encontrar um valor equiparado ou superior.
Ou então, antes disso, é preciso recuar até ao tempo da troika e às vésperas do programa de ajustamento e resgate para encontrar um défice comercial de igual calibre ao que hoje se regista.
O défice comercial é mais um fator que pressiona o endividamento da economia e reflete a pressão em alta sobre a dívida das empresas. Atualmente, a subida dos preços é tão forte que muitas empresas decidem aumentar preços sobre o mercado interno (consumidores particulares e outras empresas). É o caso dos atores em setores como o dos combustíveis, do papel, da indústria da cerâmica, da metalurgia, etc..
Em outubro de 2010, com o país a cair na espiral da bancarrota, este défice comercial chegou aos 17 mil milhões de euros. No mês seguinte, tocou nos 19 mil milhões de euros. Um ano depois, em novembro de 2011, o défice comercial acumulado atingiu os 15,5 mil milhões de euros, mostram cálculos do Dinheiro Vivo com base em dados do INE.
Depois, com o ajustamento e o saneamento da economia e das contas públicas, com a recessão subsequente, a queda de salários e de faturação das empresas, a procura caiu a pique e o défice da balança de mercadorias afundou para 8,6 mil milhões de euros em novembro de 2013.
Durante este período (entre 2011 e 2013), as exportações conseguiram evoluir sempre de forma positiva, mas as importações caíram de forma persistente e consecutiva, só voltando a terreno positivo em 2014, o último ano do ajustamento oficial da troika.
Como referido, atualmente, a situação deficitária do País em termos comerciais (mercadorias, não contando com serviços) é sobretudo explicada pela forte subida dos custos da energia e de outras matérias-primas vitais para a produção nacional, como fertilizantes agrícolas, plásticos, componentes industriais e tantos outros materiais importantes.
Os novos dados do INE mostram que o valor das importações nos 11 meses que terminam em novembro de 2021 cresceu quase 1% face a igual período de 2019 (pré-pandemia). Neste quadro, destaca-se de forma evidente a explosão no custo do gás e da eletricidade importada (mais de 175%), nos metais de base (mais 35%), nos produtos químicos (mais 20%) e nos produtos petrolíferos refinados e no carvão (mais 12%).
Se a comparação for face a novembro de 2020, o ano da pandemia, o aumento é ainda mais dramático, o que é amplamente explicado pela contração e até interrupção nas cadeias de comércio globais.
O défice comercial agora só não é maior porque as exportações parecem ter resistido à pandemia.
As exportações de mercadorias aumentaram 5,2% nos 11 meses que vão de janeiro a novembro de 2021 face a igual período de 2019, em vésperas da pandemia covid-19, indicou o INE.
E estão a reforçar este ganho já que em outubro estavam 4,3% acima do nível homólogo de 2019.
Face ao ano da pandemia (janeiro a novembro de 2020), o aumento nas vendas das empresas ao estrangeiro disparou 17,6%, revelou o instituto. Até outubro, era quase a mesma coisa: o ganho ia nos 17,9%.
Entre novembro de 2019 e igual mês de 2021, Espanha foi o mercado que mais contribuiu para a expansão das vendas portuguesas (mais 1,8 mil milhões de euros). Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar, com mais 485 milhões de euros.
Inversamente, o Reino Unido é o que mais rouba valor às vendas nacionais: foram menos 300 milhões de euros faturados, segundo contas do Dinheiro Vivo.
"No período acumulado de janeiro a novembro de 2021, relativamente ao mesmo período de 2019, as exportações aumentaram 5,2% (+17,6% face ao mesmo período de 2020)", refere o INE.
Olhando para a Classificação por Grandes Categorias Económicas (CGCE), o INE salienta que, "em ambos os fluxos (face a 2019 e a 2020), o acréscimo nos fornecimentos industriais (+12,2% e +19,9%, respetivamente) e o decréscimo no material de transporte (-11% e -32,3%, pela mesma ordem)".
Segundo o instituto, nestes 11 meses em análise, as importações também estão já ligeiramente acima dos níveis pré-covid (janeiro-novembro de 2019) e, expectavelmente, muito acima dos níveis de 2020.
"No período acumulado de janeiro a novembro de 2021, comparando com o mesmo período de 2019, as importações aumentaram 0,9% (+19,5% face a 2020), salientando-se o aumento de fornecimentos industriais (+19,9%; +33,5% em relação a 2020) e o decréscimo de material de transporte (-32,3%; +3,1% em relação a 2020)", descreve o INE.
O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, evitou tocar na questão do défice comercial, preferindo destacar o andamento das exportações.
Disse que os resultados são "impressionantes" e que os dados do INE "demonstram que as empresas portuguesas, numa conjuntura internacional que tem tido algumas dificuldades, têm sido capazes de conquistar quota de mercado e enfrentar da melhor maneira as dificuldades de abastecimento de matérias-primas ou de componentes críticas".
luis.ribeiro@dinheirovivo.pt