Crédito à habitação a taxa fixa custa mais de cem euros por mês
Deco critica falta de enquadramento legal para obrigar a ofertas mais atrativas. Maioria dos clientes opta, por isso, pelo indexante variável, mas com a subida abrupta da Euribor pode compensar mudar.
Com a escalada das Euribor, nomeadamente a seis e 12 meses, as mais usadas nos créditos à habitação com taxa variável, os empréstimos com taxa fixa, não sujeitos às flutuações daquele indexante, começam a ser ponderadas pelas famílias. Mas as ofertas do mercado com este tipo de taxa ainda são pouco atrativas: a prestação mensal pode subir mais de cem euros por mês face às soluções com taxa variável, segundo as simulações realizadas pelo ComparaJá para o DN / Dinheiro Vivo.
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Analisando então as condições apresentadas por quatro dos maiores bancos portugueses, verifica-se que, em setembro, um crédito para comprar casa de 135 mil euros com uma maturidade de 30 anos, indexado à Euribor a seis meses, pode ter uma mensalidade entre 521,25 euros, no BCP, e 548,36 euros, no BPI. Se o mesmo empréstimo tiver taxa fixa, a prestação sobe para valores entre 647,34 euros, na Caixa Geral de Depósitos (CGD), e 723,56 euros, no Novo Banco. Ou seja, os créditos a taxa fixa podem custar mais de 100 euros por mês (ver infografia).

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Entre as ofertas a taxa fixa estudadas, a CGD e logo a seguir o BPI, são os bancos com as soluções mais convidativas, com uma prestação de 647,34 euros e 649,64 euros, respetivamente. Valores, ainda assim, bem superiores às prestações com taxa variável. Por isso, é que dos 1,43 milhões de contratos de crédito à habitação existentes no final de 2021, 84,9% estavam indexados à Euribor e apenas 5,1% tinham optado por taxa fixa, segundo dados do Banco de Portugal.
Contudo, é preciso ter em atenção que as simulações do ComparaJá foram realizadas tendo por base dados de setembro, quer quanto às ofertas comerciais dos bancos quer quanto à Euribor a seis meses (0,837%). De lá para cá, o indexante tem continuado a subir, tendo atingido, na passada sexta-feira, 2,342%, um novo máximo desde janeiro de 2009. É a natural contaminação das três subidas consecutivas da taxa diretora do Banco Central Europeu (BCE), que já chegou aos 2%, uma medida acionada para conter a crise inflacionista. Por isso, é normal que as prestações com taxa variável em torno dos 520 e 550 euros possam começar a subir, aproximando-se das ofertas com taxa fixa.
O especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste, Nuno Rico, critica a "falta de enquadramento legislativo para o crédito à habitação a taxa fixa, o que faz com que os bancos apliquem a taxa que quiserem". O perito explica que "a taxa variável está indexada à Euribor, que é um referencial claro e transparente, já a taxa fixa fica ao critério dos bancos". "Deveriam existir incentivos para aumentar o crédito a taxa fixa", defende.
Porém, o prestador de serviços de intermediação de crédito, Doutor Finanças, explicou ao DN/Dinheiro Vivo que "a taxa fixa é apurada com base nos swaps que são negociados no mercado internacional diariamente". Segundo o BPI, swap "é a taxa de juro fixa que, durante o período do contrato, os bancos vão pagar para obter os fundos que vão emprestar". É possível inclusivamente consultar online a variação do swap, que, neste momento, está a 2,27% para um crédito a 30 anos. Ou seja, a Euribor a seis meses já está inclusivamente acima desse valor: 2,342%. Significa que poderá mesmo valer a pena equacionar a transição para um crédito a taxa fixa que garante ao cliente a mesma taxa de juro ao longo da maturidade contratualizada.
Para tentar perceber se os clientes têm estado a transitar de créditos com taxa variável para fixa, para fugir a potenciais novas subidas da Euribor, o Dinheiro Vivo questionou a CGD, o BCP, o Montepio, o Novo Banco, o Santander - que em outubro deixou de ter oferta para taxa fixa -, e o BPI, mas só este último respondeu, revelando apenas que "houve uma adesão crescente à taxa fixa nos últimos três anos, ainda que não seja a maioria". Quanto a dados atuais e mais concretos, a instituição diz que "não divulga", porque se trata de "informação reservada".
O agravamento das prestações por força da escalada da Euribor e o consequente aumento de potenciais situações de incumprimento levaram o governo de António Costa a aprovar um regime que limita a taxa de esforço a 36%, a partir da qual os bancos serão forçados a renegociar os créditos. Para o advogado Marco Moreira, "trata-se mais de propaganda do que outra coisa qualquer", uma vez que o plano de ação para o risco de incumprimento (PARI) "já existe desde 2013, tendo sido aprovado pelo executivo de Passos Coelho, em 2012", para fazer face à subida vertiginosa dos juros, provocada pela crise das dívidas soberanas de 2008-2009. "A medida do governo para evitar o incumprimento é um expediente troikiano que terá um impacto muito reduzido, porque não interessa à banca nem aos clientes".
As instituições financeiras que aderirem à reestruturação dos créditos terão de aumentar os rácios de capital desses empréstimos de 20% para 80%", ou seja, para um crédito de cem mil euros a banca tem de garantir não apenas 20 mil euros mas sim 80 mil euros.
Por outro lado, "os clientes passam a ficar com cadastro no Banco de Portugal", esclarece o jurista. Tal como o Dinheiro Vivo tinha adiantado, os mutuários alvo de reestruturação passam para nível de risco (stage 2), sendo-lhes dificultado o acesso a novos empréstimos e até a cartões crédito.