Combustíveis levam grupos de cidadãos à rua. Transportadoras já falam em crise

Primeiro boicote agendado para hoje, com mais de 360 mil portugueses a apoiar nas redes sociais. Seguem-se as empresas "falidas". ANTRAM avisa que "desespero" pode levar transportadores de mercadorias a nova paralisação.
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A escalada do preço dos combustíveis está a preocupar os consumidores em Portugal, quer sejam privados ou empresas. A Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) - que há dois anos paralisou o país - já alertou que poderá haver protestos dos camionistas, que viram disparar os custos do abastecimento e falam em "movimentações" para pressionar uma travagem à escalada de preços que está a deixar muitas transportadoras "à beira da falência". Uma ameaça que se soma à contestação pública, que tem vindo a ganhar visibilidade, sobretudo nas redes sociais. Um grupo formado na quarta-feira, com mais de 360 mil membros à hora do fecho desta edição, marcou já para esta sexta-feira o primeiro de cinco dias de protesto.

O grupo em causa, "Greve aos Combustíveis", foi criado no Facebook no dia em que, pela primeira vez, o litro de gasolina aditivada ultrapassou os dois euros em alguns postos do país e agendou boicotes ao consumo de gasolina e gasóleo também para os dias 21, 22, 28 e 29 de outubro. Ao Dinheiro Vivo, Ricardo Freitas, um dos três organizadores do protesto, explicou que o grupo nasceu da insatisfação com a evolução dos preços e que o objetivo é reivindicar uma revisão em baixa da carga fiscal e, consequentemente, dos preços.

"Queremos que o governo baixe os impostos sobre os combustíveis", disse, realçando que o apelo à greve ao abastecimento de combustíveis nas gasolineiras nacionais é pacífico. "A nossa causa é cada cidadão recusar abastecer nos dias marcados", explica, descartando qualquer apelo ao bloqueio de estradas. "Todos somos livres para fazer o que queremos e não podemos impedir acessos aos postos de gasolina, a pontes, etc."

O protesto, inicialmente, teria um âmbito regional, mas a elevada adesão ao grupo tornou o âmbito da iniciativa nacional. São mais de 360 mil membros. Mas será que todos vão aderir à greve ao consumo de combustíveis? "Acreditamos que sim", responde Ricardo Freitas. "O povo português foi dos melhores a resolver as questões da pandemia. Mas ser massacrado com isto logo após uma pandemia...", lamentou. Por isso, espera uma adesão "forte" hoje e nos outros dias.

"Portugal continua no top 5 dos países com os combustíveis mais caros, sendo que mais de 60% do valor que pagamos por cada litro deve-se à absurda carga fiscal. Esta situação é injusta, insuportável e insustentável", lê-se na nota deste movimento enviada à redação.

E além destas greves, poderá nascer uma associação de consumidores para levar o tema à Assembleia da República? Ricardo Freitas revela que os membros do grupo "Greve aos Combustíveis" estão a aconselhar-se com advogados "para fazer tudo certo", "para analisar tudo e o impacto [da iniciativa] sobre tudo". A par desta greve, o mesmo grupo de cidadãos que já tinha organizado um protesto, nas cidades de Lisboa e Porto a 11 de julho, marcou uma nova manifestação contra os preços dos combustíveis para 21 de outubro.

A estas manifestações acrescem petições públicas, que procuram travar a escalada dos preços dos combustíveis. Na plataforma Petição Pública encontram-se, entre as mais ativas, quatro abaixo-assinados. Só a petição "contra os preços absurdos dos combustíveis" já leva mais de 29 mil subscritores.

Os efeitos do agravamento dos preços dos combustíveis também já se sentem nas empresas. Sobretudo das de transportes, que estão a pagar mais 30% de combustível para encher os depósitos.

Em declarações ontem à SIC Notícias, o presidente da ANTRAM, Pedro Polónio, afirmou que o preço dos combustíveis está a atingir valores incomportáveis para muitos associados e acusa o governo de não dialogar. A saída? Forçar a tomada de soluções. "[Há um] grande número de empresas muito pequenas, de uma, duas, três pessoas que chegam a uma altura em que já não têm mais nada a perder e não me admira nada que estas pessoas se juntem e comecem a fazer este tipo de protestos. É algo que me parece natural. E isso foi algo que já aconteceu no passado, em contextos menos adversos do que aquele que temos hoje", afirmou Pedro Polónio.

Por isso, considerou ser possível que as empresas de transporte de mercadorias se juntem à camada de manifestantes. "Nunca houve nenhuma paralisação promovida pela ANTRAM. Mas já existiram paralisações, ou seja, as pessoas quando ficam de cabeça perdida tomam o tipo de ações que acharem mais convenientes", disse, remetendo para a memória do verão de 2019.

Em Portugal, os preços dos combustíveis continuam em rota ascendente. De acordo com a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), a 1 de janeiro o preço médio do litro de gasolina simples 95 era 1,41 euros . Já o do gasóleo era 1,25 euros. Dez meses volvidos, os preços médios da gasolina simples 95 e do gasóleo simples vão em 1,73 euros e 1,53 euros, respetivamente. Desde o início do ano, o gasóleo já encareceu 38 vezes e desceu apenas em oito ocasiões. Já a gasolina aumentou 30 vezes e recuou apenas em sete ocasiões.

De acordo com a SIC, o preço dos combustíveis deverá voltar a aumentar na próxima segunda-feira. Uma fonte do setor, citada pela estação de Paço d"Arcos, fez saber que o aumento deverá rondar os 1,5 cêntimos tanto na gasolina como no gasóleo, sendo o aumento justificado pela subida de preço dos produtos refinados nos mercados internacionais.

De acordo com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), um dos motivos que estão na origem dos elevados preços dos combustíveis está na estrutura dos preços. Segundo o boletim dos combustíveis do regulador relativo ao segundo trimestre de 2021 (o último disponível), os impostos pesam 60% no preço final da gasolina simples 95 (1,602 euros por litro), contra os 57% da média europeia (1,389 euros). No caso do gasóleo simples, o boletim do regulador da energia indica que a carga fiscal representa 56% do preço final (1,393 euros por litro) ao consumidor, contra os 52% a nível europeu (1,277 euros).

O governo português tem rejeitado mexer na carga fiscal dos combustíveis. A proposta de Orçamento do Estado para 2022 assim o demonstra. Mas, recentemente, o Executivo propôs uma lei que lhe permite intervir nas margens de comercialização dos combustíveis, procurando limitá-las em situações em que o aumento dos preços não se justifique. A medida foi aprovada no Parlamento, na generalidade, com votos contra do Chega, CDS-PP e IL e abstenção do PSD. O diploma baixou à especialidade, onde, apesar dos alertas de agentes do mercado, foi aprovada.

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