China arrisca ter concorrência na OPA à EDP
China Three Gorges avança pela EDP. Costa não se opõe à operação de Pequim. Mas gigantes europeus e fundos americanos podem contra-atacar
Os pretendentes eram muitos. Mas foi a China Three Gorges a dar o primeiro passo. Vai lançar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a EDP e a Renováveis. A operação não tem a oposição do Governo, mas terá a discordância da administração da elétrica, com António Mexia a poder arregimentar os fundos americanos para apoiar uma contra-OPA.
A batalha em várias frentes pela EDP já se adivinhava. No mês passado, em França, noticiou-se que o presidente executivo da elétrica portuguesa tinha tido contactos com responsáveis da gigante francesa Engie; recentemente responsáveis da alemã Eon terão medido o pulso institucional e político sobre a reação a um eventual avanço sobre a elétrica. O grupo já tinha sido derrotado pela China Three Gorges na privatização de 2012. E também foram noticiadas conversações entre Mexia e os espanhóis da Gas Natural para negociar uma fusão, algo que, segundo o Público, terá sido mal recebido, quer pelos acionistas chineses, quer pelo governo português. Oficialmente, a EDP negou sempre esses contactos tendo em vista fusões ou aquisições.
Pequim controla, segundo a última informação pública, 28,25% da elétrica. Os outros grandes acionistas, com posições acima de 2%, detêm no seu conjunto mais de 38%. Entre eles estão duas das maiores gestoras de ativos do mundo, a BlackRock e o Capital Group, investidores do Médio Oriente e Norte de África e o BCP. É nestes acionistas que está a decisão sobre o destino da OPA chinesa e de outras ofertas que possam surgir.
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Em abril, os analistas da CreditSights, uma entidade de análise financeira, comentavam o interesse da Engie como um indício de que se poderia ver uma batalha em várias frentes pelo controlo da EDP. E os valores envolvidos serão gigantescos. É que além da compra do capital (que o mercado avaliava em 11,37 mil milhões na passada sexta-feira), quem quiser lutar pela elétrica terá de assumir também uma dívida que era de 13,8 mil milhões de euros no final de março.
Ainda assim, a elétrica e a EDP Renováveis têm características que despertam o apetite dos gigantes do setor. "A EDP posicionou-se em mercados chave, como é o das renováveis , à frente de outros players. E agora é um alvo muito apetecível", diz Albino Oliveira, analista da Patris Investimentos. Essa área tem estado a ferro e fogo nas aquisições. Este ano a Eon, por exemplo, montou a compra de uma empresa de renováveis alemã por mais de 40 mil milhões de euros.
Nos últimos tempos, têm surgido notícias a indicar o interesse na EDP de empresas como a espanhola Gas Natural, tendo sido avançada a possibilidade de uma fusão. E também dos italianos da Enel.
Pequim vs. Mexia
As relações entre o acionista chinês e António Mexia não são pacíficas. E pouco tempo depois da China Three Gorges ter entrado no capital, o presidente da empresa foi promovendo a entrada de fundos de investimento americanos de forma a obter um equilíbrio de poderes e a não ficar única e exclusivamente nas mãos dos investidores chineses. Contrariamente a algumas expectativas, Mexia conseguiu um novo mandato este ano para liderar a EDP até 2020. Isto apesar de ter sido constituído arguido, em junho do ano passado, devido ao processo de investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a eventuais crimes de corrupção e participação económica, no âmbito dos contratos CMEC (custos para manutenção do equilíbrio contratual).
O nome foi proposto pelos maiores acionistas, entre os quais a China Three Gorges. Mas poucos meses depois, Pequim lança uma OPA que, ao que tudo indica, será considerada hostil por Mexia e a sua administração. A oferta abre assim a possibilidade de um eventual afastamento de António Mexia dos comandos da EDP. O presidente-executivo da elétrica garantiu sempre que não sairia pelo seu próprio pé. "Quem decide a composição dos órgãos são os acionistas. As empresas são dos seus acionistas, são soberanos. Os acionistas que decidam e aparentemente já decidiram aquilo que querem", disse António Mexia na apresentação de resultados da elétrica, em março. Questionado sobre se abandonará o cargo caso seja acusado dos crimes em investigação, Mexia deixou claro: "Não é uma questão de vontade [de sair]. Eu cumpro as minhas obrigações. É esta minha missão."
Poucos meses antes, na gala China/Portugal da Câmara de Comércio e Indústria Luso-chinesa, Wang Ya, administrador financeiro da China Three Gorges, foi menos taxativo. "Não é a altura certa para tomar decisões. A CTG não pode decidir sozinha, tem de cooperar com os outros três acionistas", referiu ao jornal Plataforma Macau.
Costa não se opõe
O primeiro-ministro António Costa disse que "os chineses têm sido bons investidores e não temos nenhuma reserva a opôr". As declarações indicam que o governo não irá opor-se à operação, o que até pode não causar surpresa, tendo em conta a tensão crescente na relação entre o Executivo e a gestão da empresa.
Mas a via verde para compra já está a levantar questões a nível internacional. Um artigo de opinião no Financial Times questionava se os portugueses iriam aceitar ter uma "nação autoritária" a controlar 100% da EDP. E no passado, ao analisarem os prós e contras de candidatos à elétrica, analistas internacionais mencionavam que o mais natural seria que o governo português se opusesse ao controlo 100% chinês.
Mas a relação entre Mexia e António Costa tem sido cada vez mais tensa. Em janeiro, quando a EDP se juntou à Galp e à REN na recusa em pagar a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), a troca de galhardetes subiu de tom ao mais alto nível, com Costa a falar de uma "atitude hostil" da empresa, diferente da que tinha com o anterior executivo PSD/CDS-PP. A acusação do primeiro-ministro foi negada em abril, por Mexia. "Não acho que exista crispação com o Governo", disse à Lusa.
Já o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, admitiu em entrevista ao Dinheiro Vivo a tomada de decisões incómodas para a elétrica, apesar de recusar a ideia de um braço de ferro entre a empresa e o governo. A EDP e o executivo têm estado em lados opostas, com a elétrica a ameaçar ou a avançar mesmo para tribunal para rebater decisões do Estado.
Com Elisabete Tavares e Maria Caetano