Cervejeiras pedem equidade fiscal face ao setor vinícola e a Espanha

Setor paga, em média, o dobro do imposto especial sobre o álcool do que em Espanha. Já o vinho, em Portugal, não paga IEC e é taxado a 13% de IVA. Nova SBE calcula que os 10 pontos percentuais adicionais geram uma perda para a sociedade de quase seis milhões de euros.
Publicado a
Atualizado a

As empresas cervejeiras acreditam ter condições únicas para contribuir para a retoma económica do país, mas pedem que o Estado resolva "o problema de equidade fiscal" a que o setor está sujeito face às suas congéneres em Espanha, que pagam menos de metade de imposto especial de consumo (IEC), mas também face ao setor vinícola em Portugal, que não só não paga IEC, como é taxado a 13% de IVA, quando as cervejas pagam 23%. Um estudo da Universidade Nova SBE calcula que só o impacto deste valor adicional de IVA de 10 pontos percentuais "gera uma perda para a sociedade portuguesa" que pode chegar aos 5,964 milhões de euros.

Os dados são do estudo "Avaliação de impactos macroeconómicos do setor cervejeiro", elaborado pela Universidade Nova SBE, e hoje divulgado. O objetivo, tal como o nome o indica, era quantificar o impacto da fileira da cerveja na economia portuguesa, incluindo todas as atividades económicas relacionadas e impactadas pela cerveja. "Queríamos conhecer e aprofundar o impacto do setor na economia nacional e o contributo que pode dar para o crescimento económico", explica o secretário-geral da Associação Cervejeiros de Portugal. São cem as empresas produtoras (das quais 96 são microcervejeiras), distribuídas por 74 localidades, de norte a sul do país, e que empregam 2615 trabalhadores. Indiretamente, o setor gera um total de 51 739 empregos.

E os resultados até surpreendem, admite Francisco Gírio. Este é um setor que gera 2602 milhões de euros em valor acrescentado para a economia nacional, o que representa cerca de 1,53% do produto interno bruto do país. Mais: por cada euro investido pelas empresas cervejeiras a economia nacional é beneficiada em 2,48 euros.

Além disso, há ainda a questão do rendimento do trabalho. Em 2019, dados usados para o estudo, a fileira da cerveja "impactou a economia com 821 milhões de euros", correspondentes a 1,22% do rendimento total nacional. Significa isto que cada colaborador do setor cervejeiro contribui, em termos de produtividade anual, com 112 633 euros, um valor 1,5 vezes superior ao contributo médio de um trabalhador do setor das bebidas e ligeiramente acima do dobro (2,03 vezes) do valor médio estimado para um trabalhador da economia portuguesa, pode ler-se no estudo. "Se Portugal tivesse uma produtividade equivalente à do setor cervejeiro teríamos o nível de crescimento económico idêntico ao dos Estados Unidos", destaca Francisco Gírio.

E é por estas razões que, acredita este responsável, as empresas cervejeiras são um "exemplo", merecendo, por isso, "uma atenção especial". "A verdade é que continua a existir um problema de equidade fiscal, questão que nos preocupa sempre, mas que é ainda mais relevante para o setor agora que estamos a sair da pandemia, sendo importante que se criem condições para que as empresas cervejeiras possam contribuir para a retoma e para o crescimento económico", frisa o secretário-geral dos Cervejeiros de Portugal.

No estudo, da responsabilidade de João Bernardo Duarte e de Pedro brinca, os autores sublinham que "a diferença no enquadramento fiscal destes dois setores leva a uma perda de bem-estar para a sociedade em consequência do IEC de aproximadamente 440 mil a 880 mil euros ao ano e, em consequência do valor adicional de IVA, vai de 2,982 milhões a 5,964 milhões de euros anuais".

Ao DN/Dinheiro Vivo, João Duarte explica "que estes valores não vão para ninguém, é dinheiro que se perde anualmente pela distorção fiscal". Em termos de fatura fiscal anual, a estimativa é de que o Estado arrecade 114 milhões de euros com o IEC sobre a cerveja, "correspondente a quase 4% do preço final que o consumidor paga", e de 686 milhões com o IVA.

Nos últimos três anos, o Estado congelou o IEC sobre as bebidas alcoólicas, mas não o reduziu. "Continua bastante elevado e muito acima da média dos países do sul da Europa", frisa Francisco Gírio. Que dá o exemplo da vizinha Espanha, onde a cerveja paga menos de metade do IEC do que em Portugal: a diretiva europeia estabelece uma taxa mínima de cerca de sete euros por hectolitro, sendo que Espanha cobra aproximadamente 9,96 euros versus os 20,86 euros por hectolitro cobrados em Portugal. "Isto põe em causa a competitividade do setor e a sua disponibilidade de tesouraria para investir mais e para remunerar, ainda melhor, os seus trabalhadores", defende.

A associação reconhece que o nivelamento face a Espanha não pode ser feito de um ano para o outro, mas pede "um sinal no sentido de trazer mais equidade fiscal ao setor", sobretudo quando este é alvo de um "tratamento desigual" comparativamente ao vinho. A comparação é feita por se tratar do segundo tipo de bebida alcoólica mais consumida em Portugal (5,1 milhões de hectolitros em 2018 versus os 5,3 milhões da cerveja) e para Francisco Gírio o argumento da proteção de um setor agrícola não colhe, porque as cervejeiras também compram cereais, em especial cevada e milho. "Não há razão, hoje em dia, para uma diferença tão grande. Estamos a falar de zero euros de IEC para o vinho e de 20 euros, em média, para a cerveja. É demasiado desigual", defende.

Sobre o efeito da pandemia, o setor cervejeiro foi "fortemente penalizado", tendo fechado 2020 com vendas a cair 15% para níveis de 2014.
Este ano, o primeiro semestre mostra uma "ligeira recuperação" e a expectativa é que o regresso dos turistas durante o verão permita fechar 2021 com valores "um pouco acima do ano passado, mas ainda longe da recuperação face a 2019".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt