CEO ganham mais 40% em três anos. Trabalhadores ficam na mesma

São precisos 46 anos para se ganhar um salário de CEO. Diferença entre gestores e funcionários aumentou nos últimos anos

Quase um milhão de euros. É a remuneração média dos presidentes executivos das empresas do PSI 20. Este valor aumentou mais de 40% nos últimos três anos, reflexo dos maiores lucros obtidos pelas empresas da bolsa. E é 46 vezes mais alto do que o custo médio que as cotadas têm com os seus trabalhadores. Há três anos essa diferença era de 33 vezes.

No total, os presidentes executivos (CEO) do PSI 20 levaram para casa quase 16 milhões de euros no ano passado, mais 4,6 milhões que em 2014. Em média, cada um ganhou 996 mil euros brutos, o que compara com uma remuneração de 708 mil euros há três anos, segundo cálculos do DN/Dinheiro Vivo, baseados em dados constantes nos relatórios e contas das empresas, e que englobam remunerações fixas, variáveis, prémios e encargos com fundos de pensões.

Mas não foram apenas as remunerações dos responsáveis máximos a aumentar. As dos outros elementos dos conselhos de administração também. No total, o custo com estes responsáveis das empresas subiu 43%, ascendendo a 57,5 milhões de euros. São mais 17 milhões do que há três anos.

Já o custo médio assumido pelas empresas com cada funcionário ficou praticamente estagnado: 21,7 mil euros anuais. Excluindo o setor do retalho, que tem os salários mais baixos, o custo médio com cada funcionário é de 32 mil euros, uma descida de 2,7% face a 2014. Os números contabilizam todos os custos com pessoal (remunerações, prémios, outros encargos e indemnizações). E não incluem a Pharol e a Sonae Capital, já que não têm um número significativo de trabalhadores.

Apesar de o gasto com cada trabalhador ter estagnado, os custos com pessoal aumentaram 16% desde 2014 para 5,41 mil milhões de euros. Essa subida é explicada pelo maior número de trabalhadores. As empresas engordaram os quadros de pessoal em 35 mil. No final de 2017 empregavam quase 250 mil funcionários.

Diferenças aumentam

Nos últimos três anos, os lucros acumulados das empresas da bolsa subiram 50%, totalizando mais de 3,5 mil milhões de euros. Essa melhoria da rentabilidade é uma das explicações para as subidas das remunerações pagas aos gestores, que tendem a ter uma componente variável. Mas os salários dos gestores são cada vez maiores que os dos trabalhadores.

No ano passado, os CEO do PSI 20 ganharam em média 46 vezes mais do que o custo médio que as suas empresas assumiram com os trabalhadores. Por outras palavras, em média seria necessário trabalhar 46 anos para conseguir o valor que o CEO ganha em 12 meses. Há três anos, essa diferença era de 33 vezes. O maior contributo para este fosso foi dado pela Jerónimo Martins.

A dona do Pingo Doce pagou, em 2017, mais de dois milhões de euros ao presidente executivo, Pedro Soares dos Santos. Já o custo médio com trabalhador foi inferior a 13 mil euros. É o mais baixo da bolsa portuguesa, um reflexo não só do que se paga no setor do retalho, mas também da proporção elevada de trabalhadores na Polónia, onde os salários são mais baixos do que em Portugal. Pedro Soares dos Santos ganha mais 155 vezes do que os funcionários. Em 2014, o CEO da Jerónimo Martins teve uma remuneração de 668 mil euros, 57 vezes acima da média dos seus trabalhadores.

António Mexia, o CEO que mais ganha na bolsa portuguesa, auferiu 2,29 milhões, mais 39 vezes do que o custo médio da EDP com cada trabalhador. Há três anos, tinha ganho 1,15 milhões, mais 23 vezes do que os funcionários da empresa.

Além da Jerónimo Martins, as outras cotadas do PSI 20 com maiores discrepâncias entre o dinheiro entregue aos CEO e a média dos trabalhadores são a Mota-Engil e a Sonae. Mas o fosso é bem menor do que na dona do Pingo Doce.

Na construtora, Gonçalo Moura Martins ganhou quase 740 mil euros, mais 41 vezes do que os trabalhadores. Na dona do Continente, Paulo Azevedo auferiu 652 mil euros, mais 40 vezes do que o custo médio com trabalhador. Excluindo a Jerónimo Martins, a diferença entre as remunerações dos CEO e as dos trabalhadores nas cotadas do PSI 20 seria de 34 vezes (27 em 2014).

Fosso é maior lá fora

A tendência de subida das remunerações dos gestores tem originado vários alertas. A Deco Proteste, por exemplo, tem recomendado que se devia "fixar um limite máximo para o rácio entre a remuneração do presidente da comissão executiva e a média dos trabalhadores da empresa. Ainda que possa variar em função do setor de atividade, por exemplo, é necessário fixar limites para evitar abusos".

Apesar de em Portugal a diferença entre os salários dos gestores e dos trabalhadores estar a aumentar de ano para ano, o fosso é menor do que se passa em outros países. Nas empresas norte-americanas cotadas era de quase 190 vezes, nas alemãs de cerca de 150 e nas suíças de 130. Na vizinha Espanha, esse rácio era de mais de 60 vezes, segundo dados da Deco Proteste que dizem ainda respeito a 2016.

A nível global, o fosso que se criou nas últimas décadas tem motivado críticas. Na Suíça já foi mesmo feito um referendo para limitar a diferença a 20 vezes. Mas a proposta acabou chumbada. Nos Estados Unidos, as cotadas passaram a ser obrigadas a divulgar oficialmente a diferença entre o salário dos CEO e da mediana dos empregados. E essa informação é usada pelos investidores para compararem se os líderes de uma empresa de determinado setor estão, ou não, a ter salários exagerados. Existem casos nos EUA em que os CEO ganham mais de duas mil vezes o que pagam aos trabalhadores, casos da fabricante de componentes automóveis Aptiv e da agência de trabalho temporário Manpower.

Em Portugal as empresas ainda não são obrigadas a divulgar e a explicar o rácio entre salários de CEO e trabalhadores.

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