Dinheiro
24 março 2023 às 07h07

Campanhas antiálcool e aumento de custos ameaçam setor do vinho

Com um novo plano estratégico em mira, o recém-confirmado líder da ViniPortugal fala em grandes dificuldades de rentabilidade das empresas e promete estudar soluções.

Os "ataques dos fundamentalistas antiálcool" e as "graves dificuldades" que o aumento dos custos de produção criaram à rentabilidade do setor do vinho, constituído maioritariamente por micro e pequenas empresas, são os maiores desafios com que a fileira se confronta, acredita o presidente da ViniPortugal. Frederico Falcão acaba de ser reeleito para um segundo mandato à frente da instituição responsável pela promoção internacional dos Vinhos de Portugal e promete lançar, em breve, um inquérito às empresas para perceber a "realidade económica" do setor e que tipo de medidas são necessárias.

"Houve um aumento muito grande dos custos de produção, sobretudo nas garrafas, e que se mantém, apesar do preço da energia ter abrandado. É um problema grave e que está a pôr em causa a viabilidade económica de muitas empresas", admite este responsável. Questionado sobre a dimensão do problema, Frederico Falcão fala em situações de duplicação de preços, "e às vezes até mais do que isso", e que as empresas mais pequenas "não conseguem repercutir no preço final". O inquérito ao setor permitirá perceber a real dimensão do problema, acredita.

Quanto às campanhas contra o consumo de álcool, o presidente da ViniPortugal alerta para os "ataques de fundamentalistas, desprovidos de qualquer base científica", e que começam a criar barreiras comerciais, "seja através de impostos ou de outras limitações à importação, venda e promoção de vinhos". É o caso da Irlanda que, depois de ter estabelecido um preço mínimo de venda de bebidas alcoólicas, e que eleva o preço de uma garrafa de vinho para os 7,4 euros, quer impor a obrigatoriedade, a partir de 2026, de rótulos choque, como os do tabaco, alertando, em letras vermelhas, que o consumo de álcool provoca doença no fígado e que há uma ligação direta entre o álcool e cancros fatais. "Não se pode atacar o consumo excessivo atacando todo e qualquer tipo de álcool. O caminho não pode ser esse", sublinha, lembrando que o setor tem, desde 2008, um programa de responsabilidade social, o Wine in Moderation, através do qual desenvolve ações de informação e educação sobre o consumo responsável de vinho.

Em termos de balanço do mandato que agora terminou, Frederico Falcão lembra que foram anos "muito difíceis", com cenários "anormais e improváveis", como a pandemia e a guerra, que trouxeram "grandes adversidades" ao setor. Mesmo assim, sublinha, "este foi o segundo triénio em que o setor mais cresceu em termos de vendas absolutas de vinhos ao estrangeiro", com um aumento de 84 milhões de euros entre 2020 e 2022, só ultrapassado pelos 89 milhões de aumento das exportações conseguido entre 2010 e 2012. "Apesar das adversidades todas, as coisas correram bastante bem", admite.

Para o próximo triénio são três as prioridades definidas, a começar pela elaboração de um novo Plano Estratégico para os vinhos de Portugal, a cinco anos. O atual termina em 2023 e estabelecia como objetivo os mil milhões de euros de exportações, o que só será possível se as vendas ao exterior crescerem 6,2% ou mais este ano. Um crescimento "pouco provável", admite este responsável, que desvaloriza o eventual incumprimento da meta. "Batemos recordes de exportação ano após ano, mesmo com enormes adversidades no mercado mundial, se não atingirmos os mil milhões cá estaremos para definir novas metas bastante ambiciosas".

Frederico Falcão não levanta o véu sobre os objetivos a cinco anos, dizendo apenas que as exportações representam, em média, 47% dos vinhos produzidos. "Não temos capacidade para crescer muito em volume, o objetivo tem que estar assente no aumento do preço médio", diz.
Sobre os números das exportações em janeiro, que registaram uma quebra homóloga de 0,71%, Frederico Falcão desvaloriza, lembrando que se trata de um mês sujeito ao ajuste de stocks, por causa do Natal. Tal como desvaloriza a polémica em torno do crescimento das exportações de vinho para a Rússia: "O aumento do consumo dos vinhos portugueses é benéfico em qualquer mercado, incluindo o russo. Nós paramos com todas as ações de promoção na Rússia, não fazemos qualquer investimento em publicidade, mas não vejo razão nenhuma para Portugal deixar de vender vinhos ao povo russo, que não me parece que tenha culpa desta situação".

Quanto às prioridades do novo mandato, a segunda é conseguir que o Referencial Nacional de Sustentabilidade seja reconhecido, além fronteiras, por compradores e consumidores, e que, por cá, os produtores o implementem. "Temos que ter um número muito ambicioso de operadores certificados, e que não pode ser de 30 ou de 60%, tem que ser mais, em especial dos quase 500 que participam nas ações da ViniPortugal", diz.

Por fim, Frederico Falcão pretende debater o financiamento da ViniPortugal e encontrar formas de o agilizar. Dos 8,39 milhões de euros anuais de orçamento, cerca de cinco milhões são de verbas comunitárias e dois milhões são do chamado envelope nacional, correspondendo a verbas do setor recolhidas pelo Instituto da Vinha e do Vinho. "Temos de começar a questionar se não haverá formas mais eficientes de recolher esse dinheiro. Nunca sabemos bem que valor vamos ter disponível e muitas vezes só temos acesso a ele já depois de termos os planos de promoção aprovados. Não podemos ter esta instabilidade", diz este responsável, que promete, também, procurar novas formas de financiamento comunitário.

Ilídia Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo

Tópicos: vinhos, Economia, dinheiro