Bruxelas teme que Lisboa relaxe à sombra do BCE

O Orçamento ainda não foi aprovado, nem começou a ser executado, e Bruxelas já acena com dificuldades ao virar da esquina. Moscovici veio a Lisboa falar com Costa e Centen
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As novas medidas orçamentais que o governo tem guardadas para "quando for necessário" podem não ser tão duras, algumas podem até nem ser aplicadas, se a nova bazuca do Banco Central Europeu (BCE) surtir os efeitos desejados nas economias do euro e no custo da dívida.

Esta ideia começa a crescer dentro do governo de Lisboa, que antevê assim maior margem de manobra nos apoios que precisa de continuar a reunir à sua esquerda (BE e CDU), mas está a inquietar dirigentes da Comissão Europeia.

Bruxelas está a tentar demover esta "ideia perigosa" - "complacência, não", diz um alto responsável do executivo europeu ouvido pelo DN/Dinheiro Vivo, fazendo eco da linha mais dura que atravessa e domina as políticas europeias, designadamente a defendida por países como a Alemanha.

"Não", porque, sendo verdade que o novo pacote de estímulos de Frankfurt (ver páginas seguintes) contribuiu e muito para reduzir taxas de juro, logo o serviço da dívida a pagar pelos contribuintes (logo o défice e o recurso a mais dívida para tapar esse desvio), Portugal não pode assumir que está fora de perigo, avisa o responsável.

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Pierre Moscovici, o comissário dos Assuntos Económicos, é um socialista francês, mas veio ontem a Lisboa falar com o primeiro-ministro António Costa e o ministro das Finanças, Mário Centeno, a quem deixou claro que está "à espera de resultados satisfatórios" até abril, maio nos domínios das contas públicas (Programa de Estabilidade) e das reformas estruturais (Programa Nacional de Reformas).

Ladeado por Centeno no salão nobre das Finanças, no Terreiro do Paço, o comissário primeiro disse que "não irá fazer mais comentários ao plano de Orçamento, que se encontra em fase final de aprovação". "Não discutimos nenhumas outras medidas", garantiu.

[citacao:Não discutimos nenhumas outras medidas]

Mas deixou claro que o Programa de Estabilidade e o Programa de Reformas, "que deveremos receber até meados de abril", têm de convencer. Será com base neles que "a Comissão adotará recomendações específicas para Portugal e tomará as decisões necessárias no Procedimento dos Défices Excessivos".

"Não vamos interferir nem dar sermões, mas esperamos conseguir persuadir o governo" a fazer aquilo que Bruxelas considera melhor para o país", acrescentou.

Portugal terminou o ano passado com um défice público que ultrapassa largamente (4,3% do PIB) o máximo definido no Pacto de Estabilidade (3%). O rácio deste ano, estima o governo, cai para 2,2%, mas o ajustamento estrutural (que deriva de medidas de efeito permanente, estruturais) é curto.

Neste último, Centeno aponta para uma redução de 0,2 %, mas a Comissão quer mais: quer recuperar neste ano a meta falhada de 2015, forçando um ajustamento estrutural de 0,6 pontos. Nesta semana, o Diário Económico precisou que o esforço adicional, que emana das tais novas medidas ainda não reveladas (o dito plano B), vale mais 700 milhões de euros em cortes de despesa/aumentos de receita. Dará 0,4 pontos de ajustamento adicional.

A fonte ouvida observa que Portugal não pode relaxar à sombra do BCE. Tem, de longe, a maior carga de juros da zona euro em função do PIB (4,6%), tem de pagar aos credores a módica quantia de 8,4 mil milhões de euros neste ano. Isto e um stock de dívida monumental, que equivale a quase 128% do PIB.

Embora não o diga, a ideia é que os mercados continuam a manter o país refém. O problema vai além do setor público. Moscovici disse que "o grande volume da dívida externa líquida e da dívida pública e privada, bem como avultada percentagem de créditos vencidos, constituem vulnerabilidades num contexto de desemprego elevado".

A situação social do país "continua a ser, de facto, muito difícil", é preciso mais "reformas que permitam estimular a competitividade e continuar a reduzir o défice", "subsistem lacunas nos mercados de produtos e serviços", dando como exemplo o "mercado de trabalho" e a "educação". Apesar do manancial BCE, tudo isto é para fazer numa economia aberta que está "exposta a riscos externos" relevantes, a um "clima global frágil", disse o francês.

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