Bruxelas prevê década perdida e dívida de 131% do PIB em 2027

Num cenário bom, Portugal fica na mesma com segunda maior dívida da UE. Cenário central prevê crescimento de 0,9%. Subida de juros pode custar mais 7% do PIB em dívida

Portugal vai ter muitas dificuldades em baixar o rácio da dívida pública nos próximos dez anos se não cortar mais no défice de forma estrutural e não crescer muito mais do que se perspetiva, mostra um novo estudo com a chancela da Comissão Europeia, mas que não vincula a instituição como um todo.
Mesmo num cenário favorável em que o país cresce ligeiramente mais até 2027 (cerca de 1,4% em média) ou em que a taxa de juro média do novo endividamento alivia em meio ponto percentual face aos 3,6% atuais (baixando a taxa de juro implícita do stock da dívida para 3,5%), o fardo só cai para cerca de 117% do produto interno bruto (PIB), indica o "estudo institucional" intitulado "Monitor da sustentabilidade da dívida 2016".

Num cenário mais hostil (em que a economia cresce 0,4% ao ano até 2027 e os juros ficam 0,5 pontos acima das taxas do cenário de base, fazendo que a taxa implícita de toda a dívida suba para 5%), o endividamento sobe e em 2027 ultrapassa 131% do PIB.

Num cenário de base (central), que assume a manutenção das políticas e medidas já aprovadas ou prestes a serem-no por parte da maioria que apoia o governo, as perspetivas não são propriamente animadoras. A nível do crescimento médio real da economia, os próximos dez anos serão um género de década quase perdida, com o PIB a crescer em torno dos 0,9% ao ano. Mesmo assim, é melhor do que os 0,3% que foi a média dos últimos 15 anos, mostram os economistas. O rácio da dívida baixa, claro, mas fica-se pelos 124% em 2027.

O governo discorda destas leituras, pois acredita que vai conseguir pôr o país a crescer muito mais e a criar emprego de forma vigorosa. Se assim for, isso ajudará a diluir o peso da dívida (há mais riqueza, mais receita pública, menos despesa), a pagar mais rapidamente aos credores e a reforçar a confiança dos investidores, reduzindo ou mantendo os juros em níveis decentes, mesmo que o BCE deixe de comprar dívida pública.

O estudo serve não tanto para tentar prever qual vai ser o valor aproximado da dívida e das taxas de juro implícitas da República em 2027, mas antes para perceber a sensibilidade entre variáveis e perceber se a dívida é sustentável ou não. Este exercício mecânico é feito para os restantes 27 países da União Europeia. Para Bruxelas, visto daqui, do início do ano de 2017, a dívida portuguesa é sustentável, embora no médio prazo o risco de não o ser seja "elevado".

Dos oito países de alto risco, seis (Bélgica, Espanha, França, Itália, Chipre e Portugal) "estão sob risco elevado ao nível da análise à sustentabilidade da dívida devido ao alto nível de dívida medido em percentagem do PIB (acima de 90%) num cenário de base de não alteração de políticas orçamentais (que, claro, conduz a rácios de dívida ainda mais altos quando se fazem testes de sensibilidade negativa)".

Os economistas avisam que, com dívida alta, "o impacto de choques nas taxas de juro seria particularmente grande em Itália, Espanha e Portugal". Se a taxa média de toda a dívida subir um 1%, Itália chega a 2027 com mais 9% do PIB em dívida e Portugal com mais 7% face ao previsto no cenário de base.

Em todos os cenários, a Comissão assume, no caso de Portugal, que o potencial económico é relativamente fraco, pelo que a redução do défice estrutural (ou aumento do saldo estrutural, com medidas que reduzam despesa e aumentem receita de forma permanente) parece ser insuficiente a prazo, mesmo que os juros fiquem estabilizados na casa dos 4%. É preciso cortar mais no défice e ativar ainda mais reformas estruturais para pôr a economia a crescer com força.

Esta preocupação latente no discurso de Bruxelas tem a ver com o facto de a dívida ser e continuar a ser demasiado elevada (maior só em Itália, a Grécia não aparece no estudo por estar sob ajustamento), o que dificulta imenso o cumprimento das regras dos tratados europeus.

O governo do PS tem tranquilizado os parceiros europeus, considerando-se um bom aluno e rejeitando enveredar por caminhos como a reestruturação da dívida. No final de fevereiro, Centeno fez questão de reiterar a Valdis Dombrovskis, o vice-presidente da Comissão com a tutela do euro, que "a atuação de Portugal pauta-se pelo cumprimento dos compromissos assumidos. Cumprimos a nossa palavra. A nossa noção de partilha de responsabilidades é real".

Os partidos à esquerda do PS que apoiam o governo no Parlamento não se identificam nada com estas posições e defendem que a dívida está a bloquear o crescimento

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