BCE. Se apoios da crise não acabam "rapidamente", juros terão de subir ainda mais

BCE subiu juros para 3% e em março deve repetir a dose, elevando a taxa diretora para 3,5%. Assiste-se a "uma diminuição da intensidade da crise energética" pelo que "é importante começar agora a descontinuar medidas rapidamente", defendeu Lagarde.

Os apoios públicos concedidos pelos governos a famílias e empresas para debelar os efeitos da atual crise, nomeadamente no setor da energia, já estão a atrapalhar o trabalho do Banco Central Europeu (BCE), diz o próprio, pois chegaram a um ponto em que começaram a alimentar pressões inflacionistas o que obrigará a instituição de Frankfurt a subir ainda mais as taxas de juro este ano, além do que julga ser hoje o caminho ascendente e expectável.

Ontem, o BCE subiu novamente taxas de juro (em meio ponto percentual, colocando a taxa central de refinanciamento nos 3%), disse que "tenciona" repetir esta dose no mês que vem e que este caminho de agravamento do custo do dinheiro continuará de forma "significativa" e "constante" por bastante tempo, até puxar para baixo a inflação da Zona Euro para os desejados 2%. A inflação está a aliviar um pouco, mas continua acima de 8%.

Mas na conferência de imprensa que deu em Frankfurt, a presidente do BCE, Christine Lagarde sinalizou alguma impaciência com o facto de os governos persistirem nos apoios à economia numa altura em que os preços da energia evidenciam algum recuo.

No entender da autoridade monetária, é tempo para terminar esses apoios e o quanto antes, caso contrário, a subida do custo do dinheiro terá de ser maior e ainda mais violenta.

Segundo a banqueira central, "as medidas de apoio público para proteger a economia do impacto dos preços elevados dos produtos energéticos devem ser temporárias, direcionadas e adaptadas a preservar os incentivos a um menor consumo energético".

Mas, tendo em conta que já se assiste a uma "diminuição da intensidade da crise energética, é importante começar agora a descontinuar essas medidas rapidamente em consonância com a queda dos preços dos produtos energéticos e de uma forma concertada", defendeu Lagarde.

"Quaisquer medidas que não sigam estes princípios podem intensificar as pressões inflacionistas a médio prazo, exigindo uma resposta mais forte da política monetária", advertiu a antiga diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Além disso, em consonância com o quadro de governação económica da União Europeia, as políticas orçamentais devem ser orientadas para a consecução de uma economia mais produtiva e a redução gradual da elevada dívida pública" e, portanto, enveredar por "políticas destinadas a aumentar a capacidade de oferta da Zona Euro, especialmente no setor energético, podem ajudar a reduzir as pressões sobre os preços no médio prazo".

Para tal, o BCE urge os governos a "implementar rapidamente os respetivos planos de reforma estrutural e investimento ao abrigo do programa Next Generation EU", o grande envelope plurianual de fundos europeus.

Este aviso à navegação feito por Lagarde é para os países do euro, mas Portugal até já foi visado recentemente num estudo do BCE por causa do "problema" das medidas mal desenhadas e que se estão a prolongar o tempo.

No estudo noticiado pelo Dinheiro Vivo (DV), os economistas do BCE censuram o governo de António Costa porque os apoios contra a crise estão mal desenhados e podem agravar inflação.

"No caso de Portugal, a Comissão Europeia, embora tendo emitido uma avaliação globalmente positiva [nos progressos na redução do défice e da dívida], também viu riscos de cumprimento parcial, caso as medidas de apoio relacionadas com a energia não forem descontinuadas como planeado", apontam os autores da autoridade de Frankfurt.

Para o BCE, quanto menos direcionadas, menos adaptadas e menos temporárias forem as medidas de ajuda, mais difícil será retirá-las, a despesa torna-se mais rígida, o orçamento tem menos qualidade e maior é o risco destas políticas fermentarem mais inflação num futuro próximo.

O longo caminho da subida de taxas

Como referido, ontem, as taxas de juro diretoras do Banco Central Europeu (BCE) aumentaram, como já se antecipava, 0,5 pontos percentuais. A taxa central (de refinanciamento) subiu assim para 3%, o nível mais alto dos últimos 15 anos, desde o tempo da grande crise financeira que eclodiu no final de 2008.

Mas Lagarde foi mais longe. Disse que em março, "tenciona" repetir a dose e a taxa central de refinanciamento cobrada aos bancos comerciais pelos fundos regulares (assim como as outras duas de referência) deve voltar a subir e chegar a 3,5%.

A presidente do BCE reiterou ainda que depois de março, as taxas de juro vão ter de aumentar de forma constante (portanto, presume-se que os aumentos sejam sempre de 0,5%, como têm sido desde dezembro) e vão subir de forma "significativa" durante "tempo suficiente" -- que pode ser bastante tempo, há até quem anteveja dois ou três anos de subidas de juros, por exemplo.

Resumindo: o BCE diz que "prosseguirá a trajetória de subida significativa das taxas de juro a um ritmo constante e mantê-las-á em níveis suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao seu objetivo de 2% a médio prazo".

BCE começa a livrar-se em definitivo da dívida dos países

Em cima disto, também a partir do próximo mês de março, inclusive, o BCE e os bancos centrais da Zona Euro vão começar a desfazer-se de forma definitiva de milhares de milhões de euros que ainda detém em títulos (como obrigações do tesouro). Vai deixar de reinvestir parte do portefólio de ativos que comprou desde que começou a crise do euro.

A grande fatia dessas aquisições é dívida pública e foi isso que nos últimos anos ajudou muito os países, especialmente os muito endividados, como Portugal, a reduzir brutalmente a despesa com juros da dívida pública, uma ajuda preciosa para reduzir o défice e a não depender tanto de nova dívida para financiar défices crescentes.

Desde fevereiro do ano passado (estava a Europa às portas da guerra da Rússia contra a Ucrânia, que começou a 24 desse mês), a taxa de juro das obrigações do tesouro (OT) portuguesas a dez anos dispararam de 1% para os atuais 3% no mercado secundário. Ou seja, o custo da dívida de longo prazo triplicou, basicamente. E não vai ficar por aqui.

Até reaparecer a inflação, o BCE manteve os programas a funcionar o efeito depressor sobre as taxas de juro, reinvestindo os títulos, conservando-os no seu balanço. A partir de março os reinvestimentos vão ser "parciais" e o efeito calmante sobre as taxas de juro vai desaparecendo gradualmente.

Só para se ter uma ideia da escala, o BCE e o sistema de bancos centrais (o Banco de Portugal, principalmente) tem na sua posse qualquer coisa como 53,7 mil milhões de euros em dívida pública portuguesa (valor no final de dezembro).

Este bolo vai começar a ser fatiado e regressar aos mercados de forma gradual, basicamente. Neste conjunto, estamos a falar não só de Obrigações do Tesouro, mas também de dívida emitida por governos locais (autarquias) e regionais, bem como outras instituições públicas.

Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo

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