BCE corta nos estímulos mas juros só sobem em 2019
A fasquia está elevada para Mario Draghi, no sensível processo de retirar estímulos à economia. Empresas e famílias deverão aguentar o impacto do menor efeito do BCE
O BCE deverá anunciar hoje o princípio do fim do programa de compras, a arma mais poderosa do banco central para impulsionar a economia. Mas Mario Draghi tentará assegurar que esse delicado processo de redução dos estímulos não cause estragos tanto nos mercados financeiros, como nas condições de financiamento das empresas e das famílias. Para tal, essa retirada do programa será gradual e a subida das taxas de juro poderá começar apenas em 2019.
A maior parte dos economistas espera que o programa de compras seja cortado de 60 mil milhões mensais para 30 mil milhões ou 40 mil milhões de euros. Mas o programa deverá ser estendido por mais nove meses. Há especialistas que não descartam que dure durante todo o ano de 2018. E isso implicará que as taxas de juro possam levar mais tempo a subir, já que o banco central comprometeu-se a não mexer nas taxas até ao final do programa. O Morgan Stanley, por exemplo, aponta para que o princípio do período de subidas dos juros seja apenas em 2019. "O mercado está a incorporar a primeira subida da taxa de depósito em abril de 2019, assumindo um período temporal de seis meses entre o fim do programa de compras e a primeira subida da taxa", dizem os economistas do banco americano numa nota a investidores.
Também os especialistas da Capital Economics explicam a importância de Draghi convencer que o início da subida das taxas de juro ainda está distante: "A confirmação de que taxas de juro mais elevadas são um cenário mais distante pode ajudar a prevenir subidas do euro." A moeda única tem estado numa tendência de ganhos desde o início do ano, o que pode complicar a competitividade da economia europeia e a recuperação da inflação.
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Pouco impacto para famílias
Independentemente do grau de redução da quebra de ritmo do programa de compras, as condições de financiamento de empresas e famílias não deverão sentir grandes impactos. "Acreditamos que as condições de financiamento das empresas e famílias em Portugal não irão sofrer alterações significativas quando se iniciar a redução gradual das compras do BCE, uma vez que estas se encontram ancoradas num mecanismo distinto de transmissão monetária - via taxas de juro de depósito e de referência - em detrimento dos custos de financiamento soberano", refere a equipa de research do BiG em respostas ao DN/Dinheiro Vivo.
Atualmente, os bancos são desincentivados a guardar liquidez, já que para depositarem fundos junto do BCE têm uma taxa de -0,40%, o que os faz perder dinheiro. A taxa de referência a que os bancos podem pedir dinheiro ao banco central é de 0% e o mercado espera que estes valores se mantenham até 2019.
Fasquia elevada para Draghi
Gerir as expectativas sobre a evolução futura da política monetária é uma tarefa sensível. O objetivo de Draghi é que o processo de retirada das medidas sem precedentes tomadas para segurar a zona euro não cause problemas e acabem por deitar por terra o trabalho feito nos últimos anos. E a fasquia está elevada. "A combinação da quantidade e do tempo pode variar muito, sendo certo que qualquer redução abaixo dos 40 mil milhões de euros de compras mensais e um prazo inferior a nove meses será considerado dececionante. E os mercados podem reagir a essa deceção", refere Rui Bárbara, economista do Banco Carregosa, ao DN/Dinheiro Vivo.
Apesar do teste de fogo para Draghi e de uma palavra ou decisão mal calculada poder causar instabilidade nos mercados, a equipa de research do BiG estima que "em grande parte, o corte das compras de ativos já esteja descontado, portanto o impacto nos mercados financeiros deverá ser consideravelmente moderado".
Desafio no Sul da Europa
Apesar de as taxas de referência do BCE poderem manter-se em mínimos históricos durante mais tempo, a retirada gradual das compras exigirá mais dos países que têm dívidas públicas mais elevadas, como o caso de Portugal e de outros países do Sul da Europa. "As economias da periferia têm o ónus de demonstrar a robustez e sustentabilidade nos mercados de dívida soberana, num enquadramento pós-BCE que implica um processo de recuperação autónomo."
No caso de Portugal, para manter a capacidade de acesso ao mercado o Tesouro tem feito operações de gestão da dívida, trocando títulos de mais curto prazo por outros de maturidades mais longas. Além disso, tem mantido uma almofada financeira que serve como uma rede de segurança em caso de instabilidade no mercado. Outra das formas que tem sido seguida para impedir que o país perca acesso ao financiamento é fazer reembolsos antecipados ao FMI, que têm prazos curtos e juros bem mais elevados do que os conseguidos no mercado. Ontem, o Estado concluiu mais uma amortização de mais mil milhões de euros.