BCE alerta. Taxa de juro da dívida a dez anos pode quase triplicar em 2022

Mercados já estão a incorporar um aumento do risco soberano. As situações variam muito consoante os países. A taxa da Alemanha negociava ontem nos 0,27%, mas a de Portugal já ia em 1,13%.
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A taxa de juro média europeia das Obrigações do Tesouro (OT) a dez anos pode quase triplicar em 2022, admite o Banco Central Europeu (BCE) nas hipóteses do seu novo cenário macroeconómico para a zona euro, ontem divulgado. A comparação é feita relativamente ao que se estimava há três meses.

Em dezembro, os mercados secundários da dívida apontavam para uma taxa de juro nessas emissões de longo prazo na ordem dos 0,3%, mas no novo exercício, que já incorpora os efeitos do início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, a mesma taxa sobe para 0,8%. Quase três vezes mais agora face ao estimado no final de 2021.

Significa isto que os ditos mercados já estão a incorporar um aumento substancial do risco soberano. As situações variam muito consoante os países. A taxa a dez anos da Alemanha negociava ontem nos 0,27%, mas a de Portugal já ia em 1,13%.

Portanto, a pressão para subir vai onerar muito mais países como Portugal, com a agravante de o nível da dívida pública nacional ser um dos mais pesados da Europa e do mundo desenvolvido em proporção do produto interno bruto (PIB).

A República Portuguesa terminou o ano de 2021 com um rácio de dívida pública de 127,5% do PIB, ou seja, devia aos credores (oficiais e bancos/fundos) quase 270 mil milhões de euros.

Apesar de esta pilha de dívida ter recuado 900 milhões de euros em 2021 (foi a primeira vez que aconteceu uma descida nominal desde que Portugal é uma democracia), os acontecimentos das últimas semanas poderão reverter esse resultado facilmente.

Em janeiro deste ano, o Estado português calculava que teria de ir ao mercado de OT endividar-se em mais 17,7 mil milhões de euros. Para pagar dívida que vence e financiar o défice, entre outras coisas.

A guerra vai ter (já está a ter) impactos muito negativos no crescimento e fará subir dramaticamente a inflação (também já está a acontecer).

A pressão para a despesa subir está a aumentar de forma visível e as receitas vão ter de cair, como já é patente no caso da tributação da energia e como é típico em todas as crises.

Problema: Portugal vai precisar de reduzir a enorme dívida, gerando défices cada vez menores e depois excedentes durante muitos anos, segundo as regras do Pacto de Estabilidade. Este está suspenso, mas deve regressar.

Num ambiente estagflacionário como o atual (crescimento em queda, ameaça de recessão e inflação muito elevada), a tarefa fica bastante mais complicada e pode ser dolorosa para contribuintes e beneficiários.

Uma dívida muito alta implica uma fatura de juros também ela grande. Os juros são despesa pública e têm se ser pagos todos os anos. Se as taxas de juro tendem a subir muito depressa, o aperto pode ser dramático.

Seja como for, o agravamento das taxas de juro já está em marcha. Ontem, o BCE veio dar um primeiro sinal claro de que não vai tolerar uma inflação alta por muito tempo. A nova previsão para 2022 é 5,1%, muito acima do eixo dos 2%, que é a sua meta oficial.

O programa principal de compra de ativos do BCE, designado APP (Asset Purchase Programme ou Programa de Compra de Ativos), vai ser reduzido já nos próximos três meses (abril a junho), as taxas de juro de referência da zona euro continuam em mínimos, mas o programa especial de compra de dívida pública e outros títulos dedicado ao combate à pandemia (PEPP) será mesmo descontinuado no final deste mês, como previsto, revelou o banco central liderado por Christine Lagarde.

Segundo Lagarde, "a guerra da Rússia contra a Ucrânia" veio afetar muito negativamente a economia europeia e da zona euro, em particular, e está a levar a um aumento muito agressivo da inflação e da incerteza.

Para arrefecer a inflação e estabilizar os mercados financeiros, o BCE decidiu acelerar o desmame dos bancos em relação ao dinheiro muito barato por si fornecido e rapidamente. De abril a junho, pelo menos.

O referido programa Asset Purchase Programme (APP), que também compra dívida pública, estava a absorver títulos detidos pelos bancos comerciais a um ritmo de 20 mil milhões de euros por mês até o BCE decidir acabar com o programa de compras de emergência pandémica (PEPP) na reunião de dezembro.

Nessa altura, antes da guerra, para não provocar um choque no mercado e compensar a descontinuação do PEPP (em março de 2022), o BCE decidiu que iria subir temporariamente o fluxo de compras de dívida do APP para 40 mil milhões de euros no segundo trimestre (abril a junho de 2022) e depois reduzir para 30 mil milhões mensais no terceiro trimestre.

E disse que, de outubro de 2022 em diante, o APP regressaria ao ritmo atual de compras de 20 mil milhões de euros.

Frankfurt contra a inflação

Ora, tudo isto está em causa, agora. Frankfurt reagiu: em abril mantém as aquisições líquidas de dívida pública e outros ativos nos 40 mil milhões de euros, mas em maio corta para 30 mil milhões e em junho para 20 mil milhões de euros. E depois, logo se vê. Se a inflação continuar a galopar, também o APP corre o risco de ser encerrado no terceiro trimestre.

Esta redução no ritmo de compras de títulos aos bancos é, na prática, uma forma de subir juros (torna o dinheiro mais caro uma vez que os bancos comerciais ficam com menos acesso a fundos ultra baratos do BCE).

Subindo o custo do dinheiro, o BCE espera arrefecer o avanço da inflação, que disparou com o encarecimento explosivo dos combustíveis (gás, gasolinas, gasóleos, etc.), mas também de outras matérias-primas vitais, como cereais, outros alimentos, fertilizantes.

Guerra arrasa previsões

O dinheiro está a ficar mais caro, como a economia (inflação), mas o crescimento não vai acompanhar em 2022.

A economia da zona euro já só deve crescer 3,7% em 2022, tendo em conta os primeiros dados económicos muito negativos e incertos que emergiram com a guerra. Compara com os 4,2% de há apenas três meses.

A projeção de inflação, que em dezembro era 3,2% em 2022 subiu de rompante para 5,1% este ano. Lagarde foi avisando, ao longo da conferência de imprensa, de que há sinais de que a subida fortíssima dos preços pode perdurar "no médio prazo".

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