Banco mau. A ideia que separa Carlos Costa dos banqueiros

Banco mau deve "gerir ativos tóxicos do sistema", servindo de "facilitador da venda de créditos problemáticos". Financiamento deve ser "primordialmente privado", defende governador
Publicado a

Os principais banqueiros garantem que não precisam de um banco mau, mas o diagnóstico de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, é bastante diferente. O sistema financeiro português continua débil, culpa do "elevado nível de crédito em risco", que põe debaixo de fogo "a estabilidade" económica do país. Isto porque os níveis de crédito em risco da banca indiciam "debilidade financeira com impacto na rendibilidade", podendo "afetar" a capacidade da banca em "conceder crédito à economia", descreve o último relatório de estabilidade do BdP.

Entre banqueiros e supervisor, uma diferença: o banco central fala do setor como um todo; os banqueiros têm falado dos casos específicos dos bancos que lideram. E o que Carlos Costa retira do quadro geral do sistema financeiro português, leva-o a concluir que devem "continuar a ser tomadas medidas para incentivar a redução do stock de crédito em risco". Leia-se a criação do banco mau, veículo para absorver os ativos tóxicos que ainda pesam no balanço dos bancos.

Apesar de os últimos anos terem ficado marcados pelo reconhecimento de imparidades e por várias correções a valores de créditos, o sistema português ainda acumulava perto de 19 mil milhões de euros de créditos em risco no final de 2015, o valor mais alto em dezembro desde pelo menos 2007. Esta dimensão de crédito vencido acaba por reforçar as ameaças que pendem sobre um setor já fragilizado, culpa de um cenário em que as taxas de juro baixas vieram para ficar - esmagando a margem financeira -, e de um mercado cada vez mais curto: o total de ativos da banca caiu 25% desde 2010, tanto quanto a margem financeira.

É através da soma destas partes que Carlos Costa identifica a necessidade da criação de um banco mau para gerir os ativos problemáticos que ainda intoxicam os balanços da banca. E se os banqueiros torcem o nariz à ideia, o governo nem por isso. Para António Costa, o país devia "encontrar um veículo de resolução para o crédito malparado, de forma a libertar o sistema financeiro de um ónus que dificulta uma participação mais ativa no financiamento das empresas", referiu em entrevista ao DN/TSF.

Este banco mau, segundo explica o Banco de Portugal, não é mais do que um veículo constituído com o propósito específico de gerir os ativos tóxicos do sistema, servindo de "facilitador da venda de créditos problemáticos".

Quanto às fontes de financiamento, defende o banco central, estas devem "ser provenientes, primordialmente, do setor privado", dando prioridade aos investidores "especializados" na gestão de créditos problemáticos, forma de potenciar os benefícios a extrair destes ativos. Já para captar financiamento, o futuro banco mau deve avançar com a emissão de títulos de dívida estruturados, "emitidos em tranches de diferentes níveis de senioridade".

No imediato, porém, o avanço do banco mau deve exigir a entrada de dinheiro público na equação, daí a necessidade de articulação desta solução com os poderes europeus. A necessidade de recurso a apoio público na criação do banco mau surge porque os ativos tóxicos que são vendidos/transferidos para este banco mau serão sempre alvo de um desconto significativo - provavelmente 66%, o pró-forma europeu. Este desconto deixará um "buraco" nos bancos que se livrarem dos ativos, porque estão a vendê-los por um valor abaixo daquela que reconhecem no balanço. No Banif, por exemplo, foram transferidos 2200 milhões de euros em ativos para a Oitante com um desconto de 66%, tendo esta pago 746 milhões.

Assim, e caso um banco precise de recorrer a este banco mau ficará sempre com um buraco nas suas contas, que, em primeira instância, deve ser suprimido pelos acionistas. Se estes não forem capazes de o fazer, os contribuintes devem acabar por ser convocados a pagar.

Não sendo o nível elevado de crédito em incumprimento um exclusivo português, Carlos Costa defende "que sejam equacionadas soluções à escala europeia" para os créditos vencidos. E é também por isso que o Banco de Portugal tem vindo a promover a nível europeu o avanço de soluções que permitam recapitalizações na banca com recurso a financiamento público no caso de os bancos serem considerados viáveis.

Diário de Notícias
www.dn.pt