Banco de Portugal deixa de dar receitas ao Orçamento do Estado em 2024
Paradigma vira totalmente. De 2010 até 2022, banco central gerou dividendos de 4,4 mil milhões de euros. E pagou cerca de 2,3 mil milhões em impostos. No total, deu ao "acionista" (Estado), os contribuintes, 6,7 mil milhões de euros. Mas essa era acabou.
O paradigma mudou totalmente. Com a nova etapa de subida de taxas de juro, que deve ser longa e pode durar anos, até 2025 ou mais, e com a descontinuação gradual dos programas de compra de dívida pública, o Banco de Portugal (BdP) deve interromper um ciclo, que já ia longo, de transferências de receita para o seu acionista (o Estado) durante os próximos anos, apurou o DN/Dinheiro Vivo.
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Em 2023, Fernando Medina, o ministro das Finanças, ainda vai contar com cerca de 240 milhões de euros em dividendos, mais 134 milhões de euros em imposto corrente, tudo referente ao exercício de 2022 do Banco governado por Mário Centeno.
Mas em 2024, quando estiverem apurados os resultados do banco central deste ano, já não será assim. O BdP não deverá ter lucros positivos, nem mais dividendos, nem imposto a pagar às Finanças. E assim será no médio prazo, enquanto as taxas de juro estiverem a subir e se mantiverem mais elevadas, como se espera.
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As duas rubricas (dividendo e imposto) ainda darão uma ajuda importante à receita deste ano (em contabilidade pública), podendo superar os 370 milhões de euros, segundo o Orçamento do Estado para 2023, de Fernando Medina.
Mas, a partir daqui, acabou. O Banco de Portugal, assim com os outros bancos centrais da zona euro, vão começar a dar prejuízo (isso aliás até já está a acontecer com o próprio Banco Central Europeu ou o Bundesbank, o banco central alemão, o maior da área do euro).
No fim das contas, em termos líquidos, o resultado final do BdP deve ser zero em 2023 e nos próximos anos porque há um valor substancial de provisões que será utilizada para manter o saldo nulo, não havendo assim lugar a distribuição de dividendos, nem ao pagamento de impostos.
A receita em causa enviada pelo BdP para o Tesouro público, enquanto aconteceu, é composta pelos dividendos apurados anualmente (por norma, 80% do resultado do Banco, mais o imposto sobre resultados.
Os valores em causa, que contribuíram positivamente para as contas públicas, são consideráveis.
Desde 2010, BdP devolveu ao "acionista" Estado 6,7 mil milhões de euros
De 2010 a 2022, o banco central gerou dividendos na ordem dos 4,4 mil milhões de euros. E pagou cerca de 2,3 mil milhões de euros em imposto corrente. No total, devolver ao "acionista" (Estado) cerca de 6,7 mil milhões de euros.
Em cima disto, e não menos importante, o Banco de Portugal comprou quantidades enormes de dívida pública, fazendo descer as taxas de juro da República e criando poupanças significativas no serviço da dívida (uma despesa que conta para o cálculo do saldo orçamental público).
Mais: o BCE manteve, até julho de 2022 e durante quase seis anos, as taxas diretoras em níveis zero ou quase zero, e criou vários programas de cedência de liquidez ao setor financeiro, que permitiram manter um enorme fluxo de crédito barato à economia (famílias e empresas) e ancorar as prestações aos bancos em valores baixos.
Foi uma injeção de dinheiro barato sem precedentes para combater, primeiro, a ameaça de fragmentação da zona euro, depois a destruição provocada pelos confinamentos contra a pandemia e, mais recentemente, os efeitos da guerra.
Como referido, essa era terminou. E o Banco de Portugal, assim como os restantes bancos centrais do euro, defrontam-se com esse novo desafio.
Em 2023 e no curto/médio prazo, os bancos centrais de todo o mundo, tal como o BdP, deverão apresentar resultados negativos (perdas) antes de provisões porque a despesa relativa aos passivos será potencialmente superior ao rendimento dos ativos a partir de 2023.
O rendimento dos ativos é, basicamente, o que o BdP ganha por deter títulos de dívida pública e outros no seu balanço até estes chegarem à maturidade.
Como, em média, estes títulos vencem daqui a quatro ou cinco anos, o rendimento previsto pode ser estável.
Do lado do passivo, já não é bem assim. O Banco de Portugal, assim como os outros, vai buscar dinheiro novo (ao sistema TARGET, que faz parte da arquitetura onde se insere o BCE) às mesmas taxas de juro que o BCE define para a zona euro. Estas estão a subir fortemente e assim devem continua.
Logo, o custo por ter este passivo é superior aos ganhos obtidos por deter ativos. Superior o suficiente para reduzir os resultados dos bancos centrais (e do BdP) até zero ou menos que isso.
Num quadro destes, que é novo e totalmente o inverso ou simétrico face ao que vigorou até à crise energética e inflacionista (agravada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia, no início do ano passado), o banco central é empurrado para resultados negativos.
No entanto, segundo apurou o DN/DV, o longo período de lucros sustentados permitiu aos bancos centrais (bem como ao BdP) criar almofadas financeiras significativas que poderão ser usadas para fazer face a eventuais perdas que venham a ocorrer.
Assim, os bancos centrais da zona euro (BdP incluído) usarão essas provisões, se necessário, e na medida que for exatamente necessária para que os resultados líquidos finais dos próximos anos sejam nulos. O objetivo é que o banco central não apresente resultados negativos.
luis.ribeiro@dinheirovivo.pt