As startups e a guerra na Ucrânia?
Quando olhamos para os assuntos que lideram a agenda política, desde a transição digital da sociedade à sustentabilidade, uma questão tem estado no centro da discussão: soberania tecnológica.
Porquê? Basta olharmos para o nosso dia a dia: não temos um telemóvel europeu no bolso. É norte-americano ou coreano, ou talvez chinês. E se o chip não for de Taiwan, é certamente montado na China.
Tiremos um momento para processar isto: a inovação mais disruptiva do mundo não contém um único componente europeu. Talvez o software? Nem isso.
À exceção de alguns serviços hiperlocais, como a Delivery Hero, ou algumas partes da infraestrutura como a Feedzai que ajuda a proteger as nossas compras de fraudes, ou ainda algo tão simples como comprar vestuário à Farfetch; tudo o resto - o sistema operativo, os motores de busca, a geolocalização com GPS, a tecnologia 5G - nada é europeu. O que significa que cada tarefa pessoal ou profissional que realizamos diariamente através do nosso telefone está dependente de inovações desenvolvidas noutros continentes.
Já a pandemia tinha tido um impacto muito significativo nas cadeias de abastecimento, que estavam assentes numa coexistência amigável entre países não necessariamente interessados em tornar o nosso acesso às tecnologias previsível ou barato.
Com a guerra, assistimos à Starlink, empresa de Elon Musk que fornece internet de banda larga através de satélites em órbita baixa, a disponibilizar a sua tecnologia à Ucrânia, que precisou de uma infraestrutura de comunicações para ser eficaz na sua contraofensiva. Ou seja, um empreendedor norte-americano enviou um monte de satélites para apoiar a luta de um país europeu contra o seu agressor - e a realidade é que não havia grande alternativa, do ponto de vista tecnológico.
Como podemos resolver estas situações de dependência? A minha resposta: startups! Demonstradamente, só as startups conseguem inovar de forma suficientemente rápida e financeiramente eficiente, de forma a ultrapassar estes desafios tão significativos. E só assim a Europa poderá, num futuro próximo, tornar-se tecnologicamente soberana e resiliente, mantendo o nosso conjunto de valores único e a nossa abordagem a uma economia socialmente mais justa, face aos concorrentes globais.
A União Europeia tem dado passos nesse sentido sob a liderança de Ursula von der Leyen: não só lançou o European Chips Act, que traz para casa infraestruturas de produção nesta área, como no seu discurso recente sobre o Estado da União Europeia anunciou um fundo de investimento de mil milhões de Euros focado na nossa soberania tecnológica.
Onde pretendo chegar com isto? Estas mudanças de paradigma que vivemos hoje, desde uma pandemia global, a uma guerra no nosso continente que muitos julgavam impossível, só tornam dolorosamente mais evidente que precisamos de nos focar em inovação, com boas políticas que tenham presente uma visão estratégica global.
Algo por que Portugal já foi reconhecido através do European Startup Nations Standard, e que deve manter-se uma prioridade, se queremos assegurar o nosso modo de vida. Não haja dúvidas de que as startups serão cruciais no desafio de inovarmos social e ambientalmente e de nos mantermos atualizados e competitivos.
Simon Schaefer é um empreendedor em série e investidor (business angel) alemão, que começou a colaborar com o ecossistema de empreendedorismo português em 2016, tendo sido Presidente Fundador da Startup Portugal.
Nova rubrica
Countdown to WebSummit 2022 é uma nova rubrica no Diário de Notícias que antevê algumas das tendências que vão marcar o próximo encontro mundial das startups no final de outubro, em Lisboa. Até à semana do evento, estarão em análise as oportunidades e os desafios dos investidores, os exemplos inspiradores e as novidades que vão marcar a agenda dos empreendedores nacionais e mundiais. O palco passa por aqui, com a reflexão de especialistas numa nova série de artigos de opinião. O artigo hoje publicado tem a assinatura de Simon Schaefer, CEO e fundador da Factory.com