Dinheiro
01 julho 2022 às 05h00

Rita Faden: "Vamos assistir a um novo ciclo de investimento americano em Portugal"

Presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento pede "união" a 4 de Julho, Dia da Independência dos EUA. Quer contribuir para uma nova geração de políticos com ascendência portuguesa, pede mais investimento na defesa e olhos bem atentos à China.

Rosália Amorim e Margarida Serra (TSF)

Foi chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Costa, até outubro de 2018 e em março de 2019 foi escolhida como nova presidente do conselho de administração e do conselho executivo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).

Formada em Direito na Clássica, em Lisboa, passou por direções-gerais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Justiça e Administração Interna. É nos Assuntos Europeus, área em que se pós-graduou na Católica, que mais tem trabalhado.

Agora com 57 anos, enquanto presidente da FLAD, tem como foco central os Estados Unidos e as relações com Portugal e pede um 4 de Julho com "união".

Começamos pela guerra. Como é que perspetiva o impacto de tudo o que está a acontecer na economia global?
Com preocupação, naturalmente. Acho que depois da pandemia, que foi uma enorme disrupção da economia global e dos canais de distribuição, ainda temos esta situação de guerra que acrescenta nova complicação. E além de uma nova complicação, acrescenta sobretudo grande incerteza, porque ninguém sabe qual vai ser o desfecho da guerra e os mercados não apreciam esta incerteza. A isso tudo temos de juntar a inflação a subir e o aumento do custo de vida e as dificuldades que isso traz para as famílias e para as pessoas.

Temos assistido a uma frente unida no Ocidente. A questão económica pode ser aquela que vai espoletar algumas cisões nessa unidade?
Espero que não, mas vai tudo depender de quanto tempo a guerra durar, de como estaremos no próximo inverno, de como estará a situação de abastecimento de gás e petróleo na Europa. Veremos se isso é suficiente para fazer quebrar a solidariedade europeia, mas espero que não e acho que não. Mas reconheço que será um momento muito difícil, especialmente para vários países que dependem muito do gás que vem da Rússia e que podem ter invernos pesados. Isto pode tornar muito complicado gerir as expectativas das populações, sobretudo se não houver alternativas que também não são fáceis de obter. Tudo o que tem a ver com energia, transporte e armazenamento, muitas vezes requer a construção de novas infraestruturas e isso leva tempo.

Do ponto de vista da relação entre os Estados Unidos e a Europa, o que é que prevê que esteja para vir daqui em diante? Haverá um reaproximar desta relação face ao contexto de conflito que estamos a viver?
Acho que sim, aliás, o presidente Putin foi um master estratega na aproximação entre a Europa e os Estados Unidos, na aproximação do Ocidente, no reforçar da NATO. Se há pergunta que hoje em dia não faz sentido, é perguntar qual é o sentido da NATO, porque todos percebemos que é muito evidente. Tudo isto é uma consequência muito direta da invasão da Ucrânia pela Rússia. Portanto, se as intenções de Putin eram dividir e enfraquecer a Europa e a sua ligação com os Estados Unidos, isso não foi conseguido, antes pelo contrário. Ainda hoje vimos isso na Cimeira da NATO, que está a decorrer em Madrid, o alargamento da NATO à Suécia e à Finlândia, dois países tradicionalmente neutrais, mas que perceberam que, neste novo contexto global, a sua segurança também tem de ser enquadrada de forma mais global. A sua adesão torna-se também num reforço da NATO.

Durante a era Trump ficámos com a sensação de que tinham sido desvalorizadas as relações transatlânticas. Há agora um reforço por efeito da guerra e também por efeito do novo presidente?
Sim, claramente. Desde logo, quando o presidente Biden tomou posse, ficou claro do lado dele a sua vontade de retomar uma ligação e tradição multilateral dos Estados Unidos e de ligação próxima com a Europa. Multilateral, desde logo, com o regresso ao Acordo de Paris, no regresso à Organização Mundial de Saúde, no regresso às instituições internacionais. E também na vontade de encontrar caminhos e de trabalhar de perto com a Europa enquanto grandes parceiros desta relação transatlântica, que tem décadas. Tem sido uma ligação muito importante e muito benéfica para os dois lados. Acho que isso é claro e a vontade do presidente Biden de continuar também é muito clara.

Joe Biden sai reforçado ou fragilizado na forma como tem respondido ao conflito na Europa e até a nível do seu papel da NATO?
Claramente sai reforçado, porque ele tem um papel importante na aproximação evidente que se fez entre a Europa e os Estados Unidos na resposta à invasão da Ucrânia. Também no reforço muito claro no empenho que os Estados Unidos estão a ter quanto ao posicionamento que os Estados Unidos estão a ter quanto à defesa da Europa, no reforço das tropas estacionadas na Europa, no reforço do apoio financeiro à Ucrânia. Nisso o presidente Biden tem uma responsabilidade muito clara e muito positiva porque há também muito trabalho de bastidores que os Estados Unidos e, em particular o presidente Biden, [têm feito] para juntar os aliados, consolidar esta ligação e isso é muito importante.

Poderá dar-lhe um novo impulso interno já que tem tido grandes problemas na política interna?
Não sei. Sabe que tradicionalmente os eleitores americanos tendem a avaliar mais o presidente, o que é compreensível pelas questões internas. Claro que conta a apreciação internacional, mas também ainda faltam mais de dois anos, muita coisa muda em política, muita coisa muda em dois anos e ainda é muito cedo para dizer.

Que importância ganharam os Açores, e sobretudo a Base das Lajes, ao nível estratégico e ao nível deste estreitar da relação Estados Unidos-Portugal?

Hoje em dia, não só pelo efeito da guerra, mas era uma consciência que já começava a ser bastante clara, é forte a importância do posicionamento dos Açores e a importância geoestratégica do seu posicionamento. Basta olhar para o mapa, vemos os Açores claramente posicionados no meio do Atlântico e isso é uma enorme riqueza e vantagem que pode e deve ser explorada para muitas coisas, incluindo numa perspetiva de segurança e defesa e também de maior utilização da Base das Lajes.

A FLAD, neste caminho caminho Atlântico, que papel tem vindo a assumir nesta construção de uma relação mais forte?
Temos uma missão muito clara na FLAD que passa por aproximar os dois países e promover o desenvolvimento de Portugal através da cooperação bilateral com os Estados Unidos. Temos feito uma aposta muito clara em todas as iniciativas que servem para aproximar as pessoas e as instituições dos dois lados e financiamos iniciativas de portugueses para irem aos Estados Unidos e de americanos para virem a Portugal. Sempre com uma grande consciência da importância dos Açores e procuramos ter uma presença muito clara. Há uma ligação direta que também está ligada ao próprio nascimento da FLAD e também quando pensamos na comunidade portuguesa nos Estados Unidos, em que cerca de 80% desses americanos de ascendência portuguesa são dos Açores e ainda mantêm uma grande ligação com os Açores. Por tudo isso faz sentido que a FLAD dê particular atenção aos Açores e temos procurado fazê-lo ao longo dos anos, agora ainda com mais intensidade. Mas fazemos isto em várias áreas, nas bolsas científicas que damos, no apoio que damos a alguns projetos de base científica, mas também na aposta que temos na cultura nos Açores. Ainda este ano tivemos três iniciativas relevantes e de destaque na área cultural como, por exemplo, o Outsiders, um ciclo de cinema americano independente que fizemos em março e abril na ilha Terceira, em Praia da Vitória e em Angra do Heroísmo. Na exposição da coleção da FLAD Festa. Fúria. Femina. que está neste momento no arquipélago, na Ilha de São Miguel, até setembro deste ano. E também na organização do Curso de Artes Visuais que está a decorrer nos Açores, um curso para jovens artistas portugueses com uma forte componente internacional. A cada semana temos um artista diferente que trabalha em conjunto com esses artistas e no final do curso, a 15 de julho, vamos ter a inauguração da exposição dos trabalhos que resultaram deste curso de oito semanas. Foi uma área de grande aposta da FLAD na cultura e na presença nos Açores.

Essa aposta vai prolongar-se no continente?
Sim. Por exemplo, o Outsiders é um ciclo de cinema americano independente que queremos fazer todos os anos em diversas cidades portuguesas: fizemos o ano passado em Lisboa e este ano nos Açores. A exposição da coleção da FLAD fizemos já em 2020, no MAAT, e queremos para o ano fazer exposições itinerantes, pelo país, das novas aquisições. Também procuramos, com a diferença de escala entre os Estados Unidos e Portugal, levar a cultura portuguesa aos Estados Unidos. Por exemplo, esta semana está ainda a decorrer, em Nova Iorque, New Tales from Portuguese Cinema, que é um ciclo de cinema português que estamos a mostrar em Nova Iorque, fazendo um bocadinho esse paralelismo.

O que é que se pode esperar da evolução das relações entre os dois países até ao final desta década?
As relações entre Portugal e os Estados Unidos são tradicionalmente muito boas. Temos uma história em que Portugal foi dos primeiros países a reconhecer a independência e sempre tivemos uma ligação bastante próxima. Hoje em dia, os Estados Unidos são um país importante para nós do ponto de vista económico.

Vemos, hoje em dia, uma crescente comunidade americana em Portugal a interessar-se e a fazer novos investimentos e temos já uma presença de várias empresas americanas Fsediadas em Portugal. Acho que nos próximos tempos vamos assistir a um novo ciclo de investimento americano em Portugal. Do ponto de vista político, temos uma grande convergência de interesses, sempre considerámos a relação com os Estados Unidos como uma das prioridades da nossa política externa e isso, transversalmente ao longo de todo o ciclo político. É uma matéria na qual há grande concordância entre a maioria dos partidos portugueses e acho que essa tem sido sempre a nossa estratégia.

A Europa sai reforçada desta guerra ou sai fragilizada por ter uma guerra mesmo no centro?
Diria que as duas coisas. Por um lado, é verdade que vemos uma enorme união e sentido de solidariedade e pertença a uma casa comum europeia e isso é bom. Por outro lado, isto deve-se a uma causa profundamente infeliz. Diria que são as duas coisas, aconteceu por más razões, verdadeiramente.

Será esta uma oportunidade para que a Europa se assuma como mais que uma potência económica?
Acho que é muito claro e, aliás, isso já foi assumido pelos líderes europeus, a necessidade de haver mais investimento na defesa e segurança da Europa e cada país europeu tem de dar o seu contributo.

Inclusive da parte de Portugal deveria haver um reforço de investimento na defesa?

Portugal, enquanto estado-membro da NATO e da União Europeia já manifestou esse sentido de responsabilidade de acompanhar as decisões que são tomadas nesse sentido. Claramente, o novo Conselho Estratégico da NATO define a Rússia, e bem, como um adversário estratégico, e daí temos de tirar consequências. A invasão da Ucrânia pela Rússia e toda esta retórica que vemos do Kremlin tem consequências e temos a obrigação e responsabilidade de tirar as devidas consequências e de perceber que, se calhar, houve durante largos anos uma interpretação mais benigna em relação às intenções da Rússia e do Kremlin. Mas, neste momento, tornam-se claras as intenções e é preciso reforçar a segurança na Europa. A União Europeia também está a tomar medidas nesse sentido, a NATO também está a trabalhar nesse sentido, e temos já vários estados-membros a manifestar essa intenção. Os países europeus têm de se tornar responsáveis pela sua própria segurança. Claro que temos o chapéu atlântico, temos o apoio e a ligação dos Estados Unidos, mas também temos de fazer a nossa parte.

Temos de deixar de olhar para os Estados Unidos como o eterno protetor da Europa?
Sim, é claro. Temos de fazer a nossa parte e é isso que os Estados Unidos também esperam de nós, também se torna muito claro. É uma questão de a Europa assumir as suas responsabilidades, tem de estar à altura deste desafio, que é muito complicado, muito difícil, mas temos de estar à altura deste momento.

Quando falamos em segurança da Europa é inevitável falar também em segurança energética e independência energética. Sines parece ter assumido um papel muito mais central nesta relação luso-americana. Sines pode ter um papel chave?
Sines pode desempenhar um papel importante servindo de porto para o gás natural liquefeito que virá dos Estados Unidos. Não é o único porto na Península Ibérica, mas Sines tem condições excelentes para poder desempenhar esse papel. O que precisamos depois é que as ligações entre Espanha e França permitam a passagem do gás para abastecer a restante Europa.

A questão do aborto e a decisão do Supremo Tribunal têm dominado a atualidade nos Estados Unidos nas últimas semanas. Na sua opinião, houve um retrocesso grave nos Estados Unidos no que toca aos direitos das mulheres?
Se me permite, vou falar a título pessoal e não como presidente da FLAD. Sim, claramente. Vi com muita tristeza esta decisão e, sobretudo, as consequências que isto tem para tantas mulheres e raparigas que em largas zonas dos Estados Unidos vão ficar privadas de ter acesso ao aborto quando tal for necessário. Não acho que a questão seja discutir se é a favor ou contra, acho com franqueza que ninguém é a favor do aborto, acho que o que compreendemos é que há alturas em que essa é a única solução possível. E nessas circunstâncias as mulheres não devem ser privadas disso e também se trata, obviamente, de providenciar informação, de dar cuidados de planeamento familiar. Porque o que vemos é que o planeamento familiar e as campanhas de informação, sobretudo dirigidas às jovens raparigas, são fundamentais para se prevenir a gravidez precoce. É muito mais importante essa forma de prevenir o aborto do que estar nesta campanha de criminalização e, sobretudo, de deixar em situações muito complicadas tantas raparigas e mulheres. Portanto, sim, sinto isso como um grave retrocesso nos direitos das mulheres.

Pelo percurso que os Estados Unidos vinham a fazer, para si foi uma surpresa ou era algo previsível?
Se me perguntasse há três anos, talvez fosse uma surpresa, mas as coisas começaram a tornar-se claras a partir do momento em que algumas nomeações para o Supremo Tribunal de Justiça e algumas posições tomadas pelo mesmo tribunal foram acontecendo. É uma posição e uma campanha que certa direita mais radical tem vindo a defender ao longo dos anos e que passava pela nomeação de juízes para o Supremo Tribunal de Justiça, para assim conseguirem a anulação de Roe vs. Wade. Agora foi finalmente tomada essa decisão.

Compreende então as manifestações das mulheres a favor do aborto?
Compreendo e acho que o aborto é muito difícil para as pessoas envolvidas e não acredito que alguma mulher faça um aborto de ânimo leve. Acho que é um momento de enorme sofrimento para as mulheres e raparigas e, sobretudo, estaremos a falhar a essas mulheres e raparigas se não lhes dermos condições de informação de planeamento familiar. Isso é fundamental se queremos uma diminuição do número de casos de aborto, como aliás aconteceu em Portugal. Temos uma diminuição em 40% do número de abortos realizados em Portugal que tem muito a ver com a legislação que foi produzida.

Acredita que nos Estados Unidos há o risco de este mesmo Supremo Tribunal avançar contra outros direitos conquistados mais recentemente como, por exemplo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Não sei. Se me perguntasse há cinco anos, diria que era uma impossibilidade, mas, apesar de tudo, acho que não. Há um sentimento muito forte de que esses direitos estão conquistados, estão consagrados e aceites pela maior parte da população. O direito é feito para as pessoas e tem de corresponder aos tempos em que vivemos, não faria sentido nenhum haver um retrocesso nestas matérias.

Na sua opinião, as eleições intercalares em novembro vão ser decisivas para saber o caminho que os Estados Unidos vão seguir nos próximos dois anos?
São sempre importantes. Tradicionalmente, as eleições intercalares nos Estados Unidos são difíceis para o partido do presidente. Acho que as sondagens são mais favoráveis ao Partido Republicano, neste momento. Mas acho que há uma incerteza tão grande em relação a tantos elementos e uma coisa muito importante nos Estados Unidos é mobilizar os eleitores para irem votar, esse é o grande trabalho que os partidos têm de fazer. Mas algumas destas recentes decisões podem servir também para isso mesmo, mas teremos de ver.

Mas houve também leis aprovadas para dificultar a ida dos eleitores às urnas.
Sim, é um sistema eleitoral que é da responsabilidade de cada Estado e por isso é bastante variado entre si e muito diferente do nosso.

Dylan Fernandes, congressista do Massachusetts que esteve cá na iniciativa da FLAD Legislators Dialogue, dizia numa entrevista ao DN que as eleições dos próximos quatro anos vão decidir se a América regride para uma outra forma de governo ou se permanece uma democracia. Tem também esta visão pessimista ou mais otimista?
Tendo a ser mais otimista. Acho que em cada momento temos a sensação de que estas eleições é que são, há quatro anos também eram, mas não punha as coisas nesses termos tão dramáticos. Acredito na resiliência da democracia americana e acredito nas instituições americanas e que há momentos mais difíceis que outros, mas que serão ultrapassados.

Que sinais espera do próximo 4 de Julho? Que mensagens poderão ou deverão ser transmitidas no sentido deste reforço da democracia americana de que fala?

Acho que há uma mensagem muito importante, que é uma mensagem de união. Estive recentemente nos Estados Unidos, em vários Estados, falei com muita gente e contactei com pessoas muito diferentes dos dois partidos. Percebe-se que há uma grande polarização, não só ao nível da classe política, mas também uma divisão das pessoas, e acho que era importante tentar focar os Estados Unidos e os americanos nalguns aspetos que são essenciais e que não são questões políticas. São questões que devem poder uni-los, obviamente também tendo em conta estas recentes decisões. Acho que o presidente Biden terá de dar uma resposta a um certo sentimento de frustração e raiva que existe face a esta decisão do Supremo Tribunal.

Esta polarização agudizou-se nos últimos três anos. Poderá estar em causa o papel dos Estados Unidos como um farol da democracia?
Isso acho que não, acho que abana como várias outras, mas tem fundações sólidas.

E não afetará a reputação e o prestígio da nação Estados Unidos?
Isso talvez um pouco, mas acho que isso recupera-se. Como disse há pouco, acho que tenho uma visão otimista, mas sobretudo porque acredito muito na força da democracia americana. Tem dado provas ao longo dos anos da sua capacidade de superar momentos difíceis e é claro que este é um momento difícil, são momentos graves e difíceis que se têm passado. Mas acredito que os Estados Unidos ultrapassarão isso.

Nos últimos anos, temos tido uma influência cada vez maior da China, tanto em Portugal como na Europa. Como é que vê essa influência?

Temos assistido nos últimos 20 anos à ascensão da China como potência económica e, portanto, é natural que haja uma maior ligação e até um grande investimento da China em Portugal e noutros países europeus. Também é verdade que temos visto por parte da China uma tentativa de se afirmar como ator internacional de uma outra escala e acho que isso exige uma certa atenção. Não podemos apenas olhar para a China como um gigante económico, é preciso também ter em atenção a outra dimensão de enorme investimento que a China está a fazer em termos de segurança e defesa e uma posição de maior afirmação da sua hegemonia na sua zona de influência.

Portugal seria mais competitivo se tivesse mais empresas com capital americano?
É claro que precisamos de investimento estrangeiro em Portugal, portanto, se tivermos mais investimento americano em Portugal, isso seria ótimo para nós, sem dúvida.

Seria mais competitivo com as empresas americanas do que com as chinesas?
Não entro tanto por aí, até porque são lógicas completamente diferentes. Em relação à China, temos um capitalismo de Estado, digamos, em que as intervenções são quase decididas centralmente, ao passo que os investimentos americanos são decididos numa base comercial, por decisões das empresas, não há uma política de Estado por de trás dos investimentos americanos.

Hoje há três congressistas lusos nos Estados Unidos, já foram mais. É importante continuar a reforçar essa presença lusa nas instituições de poder dos Estados Unidos?
Sim, extremamente importante. Aliás, para a FLAD é uma das áreas de prioridade, não só no Legislators Dialogue, que organizamos todos os anos, e trazemos os políticos americanos eleitos de ascendência portuguesa a nível nacional e estadual. É muito importante para ficarem a conhecer o nosso país, mas também para se conhecerem entre eles, para estabelecerem uma rede entre eles, isso é muito importante. Outro do trabalho que estamos a procurar fazer é despertar o interesse na política, despertar o interesse na vida cívica e no associativismo por parte dos jovens luso-americanos. Obviamente, temos a consciência de que quanto maior for a representação política dos americanos de ascendência portuguesa a todos os níveis, maior será a capacidade de defesa dos nossos interesses e dos interesses das comunidades. Tem a ver com a língua, com o ensino da língua portuguesa nas escolas, com o acesso à cultura portuguesa, com as facilidades que o investimento em empresas de base portuguesa pode ter. Há questões muito práticas que também têm muito a ver com termos maior representação e representatividade dos portugueses a todos os níveis.

E como é que a FLAD está a tentar contribuir para essa consciência política? Está a fazer uma espécie de mapeamento de quem são esses lusodescendentes para os trazer para esta causa?
Sim, temos essa lógica em que fazemos o mapeamento, temos uns grupos informais em que vamos falar com eles. Na pandemia, facilitou muito o facto de termos contactos por Zoom e de podermos ter esses grupos informais onde lhes damos a oportunidade de discutir temas com professores portugueses e outras figuras, também para os despertar para o mundo. Outra iniciativa que fizemos foi lançar um programa de estágios para luso-americanos junto dos congressistas portugueses, portanto, também aí despertar o interesse pela política e facilitar as ligações que eles possam ter. Outra iniciativa que gostávamos de organizar em breve é um curso de formação de Como organizar uma campanha política nos Estados Unidos, começando pela definição da mensagem política, em colaboração com os nossos políticos americanos de ascendência portuguesa que já o fizeram e que nos podem ajudar a explicar como isso se faz. Não podemos fazer mais do que procurar despertar as vontades, depois cabe a cada pessoa saber se quer avançar ou não. A ligação com a comunidade portuguesa nos Estados Unidos é para a FLAD uma prioridade muito clara, mas além do apoio que damos às iniciativas mais tradicionais das festas e dos festivais, queremos também ter uma aposta clara no aparecimento de uma nova geração de políticos americanos de ascendência portuguesa. Para isso, temos de estar lá, temos de falar com eles, temos de os despertar, temos de os trazer a Portugal, temos de lhes dar a tal formação e ajudá-los a criar uma rede.

Isso passa também pela formação e a FLAD tem bolsas, intercâmbios e uma série de programas que permitem fazê-lo. São para continuar? E que novidades poderão surgir durante o seu mandato?
A parte das bolsas é para continuar, temos uma grande aposta na ciência e na educação e, como disse, facilitar a ida de portugueses para os Estados Unidos para a formação académica, para fazer estágios, isto é obviamente fundamental. O intercâmbio de ideias e o conhecimento recíproco é muito importante, o facto de uma pessoa ter um estágio num centro de investigação durante seis meses, isto tem consequências específicas no seu trabalho e para a instituição. Algo que procuramos fazer nas bolsas e apoios que damos, são oportunidades que criamos.

Quantas pessoas podem usufruir deste tipo de programas e bolsas?
Diria que, por ano, chegamos às centenas.

Há alguma novidade que tenha em mente para os próximos tempos?
Temos algumas coisas que estamos a ver. Todos os anos queremos lançar projetos novos, temos tido uma cadência muito grande nestes últimos anos e estamos numa fase em que vamos ter de avaliar o que fizemos para percebermos o que faz sentido continuar ou não.

Foram criados alguns prémios em várias áreas, como na saúde 0 mental e na ciência e tecnologia. É uma forma de incentivar a investigação em colaboração com os norte-americanos?
Sim, sendo a nossa preocupação estabelecer uma ligação entre Portugal e os Estados Unidos. Com os prémios do Atlântico e da Saúde Mental, o que pretendemos é fomentar a investigação científica em Portugal, mas necessariamente numa parceria com uma instituição americana. Não só porque damos oportunidades a cientistas portugueses para terem tempo para desenvolverem a sua investigação, mas também ao terem de procurar uma instituição americana também fortalecem os laços. Hoje em dia, a ciência não se faz fechada, a colaboração internacional é absolutamente fundamental e incentivamos sempre essa cooperação. Mas na área da saúde mental temos um programa novo, lançado há pouco tempo, vamos começar no próximo ano letivo, que é para apoio aos estudantes universitários. Uma das coisas que se tornou muito clara é que a pandemia afetou muita gente na área da saúde mental, mas um dos segmentos mais afetados foram os jovens universitários. Portanto, o que quisemos fazer foi numa parceria com a Ordem dos Psicólogos, lançámos um concurso aberto para que as unidades de apoio psicológico das universidades se possam candidatar para receberem um financiamento da FLAD para desenvolverem atividades, para procurarem dar maior apoio aos estudantes universitários. Estamos presentes em várias áreas e queremos fazer muitas coisas, mas claro que temos sempre o constrangimento financeiro, mas temos algumas áreas prioritárias e a saúde mental é uma delas.

Tem ideia de quantos estudantes universitários podem usufruir desse apoio?
Recebemos 22 candidaturas de universidades e politécnicos portugueses e o júri está neste momento a avaliar, irá depender das candidaturas que o júri decidir apoiar. Procuramos sempre ter júris independentes e, neste caso, o júri é constituído por uma pessoa da Ordem dos Psicólogos, a diretora-geral do Ensino Superior e uma pessoa recomendada pelo CRUP.

Houve também uma aposta nos mais jovens com um prémio júnior, certo?
Sim e isso foi muito giro porque, normalmente, o nosso público-alvo é mais dos estudantes universitários para cima, mas resolvemos fazer o Prémio Atlântico Júnior destinado aos alunos do ensino secundário. O prémio é uma viagem aos Estados Unidos e eles têm de formar uma equipa com um dos seus professores e fazer um projeto utilizando tecnologias para pensar soluções para questões do Atlântico. O Atlântico é outra das prioridades da FLAD e temos o Prémio de Investigação Científica para o Atlântico e 300 mil euros é uma aposta forte para a investigação científicas. Mas aqui estamos a falar dos jovens e, quando fizemos a apresentação dos projetos e entrega do prémio, vimos projetos extraordinários e houve uma ideia que achei muito boa que era utilizar as algas para fazer curtumes e tintas para a indústria de curtumes para substituir os poluentes que eles usam. Houve ideias muito giras, de facto, é um público com um entusiasmo muito giro e gostámos muito.

O Vinho da Madeira foi usado para brindar a independência dos Estados Unidos. Se tivesse oportunidade de escolher um produto nacional para fazer um brinde no próximo 4 de julho, qual seria ele?
Entre o pastel de nata e a cortiça, iria por aí.