Dinheiro
19 outubro 2021 às 15h07

Finlândia. O povo mais feliz do mundo anda de transportes públicos

A mobilidade-como-um-serviço é o conceito inventado pelos finlandeses, que junta todos os transportes numa única plataforma. O carro particular é o único a ficar de fora e a se tornar cada vez mais dispensável.

Não será, certamente, só por usarem transportes públicos que os finlandeses surgem pelo quarto ano consecutivo no ranking da Gallup World Pull como o povo mais feliz do mundo. Mas ninguém poderá negar que a mobilidade mais cómoda e eficiente é um fator decisivo na qualidade de vida. E a Finlândia está apostada em deixar para trás o vício do carro na cidade com vista a reduzir as emissões. Não se trata de um objetivo isolado, fechado sobre si mesmo. Nunca poderia sê-lo se o propósito é conseguir fazer esta viagem até ao fim. Trata-se antes de uma abordagem integrada que não começou agora.

Em 2016, a Finlândia tornou-se o primeiro país a criar um roteiro para uma economia circular. E, no ano passado, assumiu que a sua grande prioridade passaria por investir na "mobilidade verde", criando ferramentas e opções para incentivar a mudança para a mobilidade ativa e para o transporte coletivo. O compromisso enquadra-se numa ambição mais alargada para entrar na economia circular até 2035 e atingir a neutralidade de carbono em 2045, antecipando as metas climáticas mundiais em cinco anos. Mas, para serem bem-sucedidos, os finlandeses contam com um trunfo que eles próprios inventaram: Maas - mobilidade-como-um-serviço.

As origens do MaaS remontam ao final dos anos 1990, quando Gotemburgo testou um serviço de assinatura mensal destinado aos utentes de transportes públicos. Mas a ideia, no início, custou a pegar. Foi somente entre 2013 e 2014, que Sampo Hietanen, então CEO da Intelligent Transport Systems Finland, e Sonja Heikkila, estudante de mestrado na Aalto University, deram o passo decisivo, promovendo o conceito junto da imprensa internacional e popularizando a ideia em Helsínquia, capital do país.

Nem todos estarão ainda familiarizados com o termo mobilidade-como-um-serviço, mas quem já usou uma app para chamar um táxi ou um carro partilhado, já tem uma vaga noção do que se trata. O Maas, no entanto, pretende ser muito mais do que um sistema de viagens suportado num aplicativo para smartphones. É antes uma nova forma de encarar a mobilidade em cidades que tendem a ser cada vez mais conectadas.

Embora sejam modelos de grande complexidade tecnológica, o conceito é do mais básico que há - substituir a visão sectária dos serviços de transportes públicos por uma estratégia integrada e eficiente, poupando tempo e dinheiro não apenas aos utilizadores, como igualmente aos operadores do setor. É, no fundo, uma resposta a um sistema de transporte com múltiplas modalidades que vão do comboio, à rede de bicicletas partilhadas, passando pelo autocarro, metro ou carsharing. Tudo isso suportado em aplicativos rápidos e responsivos para calcular percursos de viagens, preços ou métodos de pagamento, que se traduzem em assinaturas mensais ou viagens pré-pagas e onde estão incluídos todas as operadores e custos com as deslocações. A grande vantagem para os utilizadores é a possibilidade de personalizar o aplicativo com base nas conveniências e hábitos de mobilidade para planear viagens intuitivas em múltiplos meios de transporte.

A ideia revolucionou o planeamento urbano em Helsínquia, em 2014 e, entretanto, Sampo Hietanen fundou a MaaS Global, lançando, em 2017, a marca Whim. Com um preço fixo, a inscrição na plataforma permite viagens ilimitadas em qualquer transporte público, incluindo táxis, rede de bicicletas, comboios ou autocarros. Os subescritores podem usar o aplicativo para construir uma rota multimodal, com o aplicativo a propor, por exemplo, começar a viagem pelo autocarro, prosseguir com uma bicicleta, fazer um transbordo para o comboio e terminar o percurso com um táxi. O utente pode pagar no aplicativo as várias viagens separadamente ou comprar uma assinatura mensal.

Atualmente, e de acordo com os números da startup finlandesa, os cerca de 70 mil utilizadores da app fazem 73% das suas viagens em transportes públicos contra 48% que não usam o aplicativo, enquanto 42% de todas as viagens de bicicleta dos utilizadores do Whim são combinadas com vários transportes públicos. Na capital da Finlândia, 12% dos utilizadores desta plataforma já desistiram de ter carro e a mesma percentagem promete fazer o mesmo num curto espaço de tempo.

A base do sucesso de qualquer app de mobilidade será sempre a ideia de que os serviços de transportes são tão eficientes que o automóvel se torna dispensável nos meios urbanos. Esse é o objetivo que a startup finlandesa MaaS Global assume como estratégico para estender o aplicativo Whim na região metropolitana de Tóquio e por várias outras cidades europeias, como Viena, Antuérpia, região de Birmingham e, desde junho deste ano, também em todas as regiões da Suíça. A expansão acabou por ser acelerada com a fusão entre a Whim e a Wondo, app espanhola fundada pela Ferrovial, empresa de infraestrutura de transportes, alargando o aplicativo a mais de 300 mil pessoas em todo o mundo.

Uma das vantagens que a Finlândia exibe para ter sido bem-sucedida na consolidação do MaaS é já ter uma colaboração bem oleada entre os vários agentes do setor público e privado. A principal operadora de transporte público, a HSL, abriu o seu software de emissão de bilhetes a todas as empresas que atuam na área dos serviços de mobilidade. Não é por acaso que os especialistas em transportes consideram que Helsínquia tem um dos sistemas MaaS mais flexíveis do mundo, com todas as empresas a competir em pé de igualdade por um melhor serviço prestado aos utentes.

O Helsinki Region Infoshare fornece a todos o acesso gratuito a centenas de aplicativos, conjuntos de dados e softwares como parte de um plano integrado na economia circular para suportar negócios que visam a redução da pegada de carbono. A finalidade passa sobretudo por conectar rapidamente as startups às redes de transportes existentes. Essa é a indústria que está agora em crescimento e que todos esperam que ganhe velocidade quando a mobilidade-como-um-serviço se articular com os veículos autónomos, ramificando-se para além dos centros urbanos, servindo também as zonas periféricas e rurais.

E também neste capítulo, a Finlândia está empenhada em construir um cluster para os veículos autónomos. A Plataforma para o Ecossistema de Veículos Autónomos da Finlândia é o organismo especialmente criado para impulsionar a inovação não apenas na tecnologia da mobilidade elétrica, mas ainda na vertente da reciclagem das baterias.

O país já recicla quase metade do seu lixo eletrónico (49,2%) - a média da União Europeia é 34,8% - mas a meta é vir a ser o líder mundial na reciclagem das baterias usadas nos veículos elétricos. De destacar que a Finlândia possui todos os minerais essenciais usados para produzir baterias de íon de lítio. Mas, a sua extração, ao ser contrária aos princípios da economia circular, foi relegada para um plano secundário.

A opção levou até a Comissão Europeia a solicitar à Finlândia que assumisse a missão de criar uma indústria de reciclagem de baterias para o continente. O BATCircle é o consórcio entre universidades, empresas e institutos públicos e privados da Finlândia, criado em 2019, para pôr empresas e organizações europeias a trabalharem em consórcio no desenvolvimento de negócios inovadores para a economia circular das baterias de íon de lítio.

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