"Alojamento local vai ser o maior mercado turístico em 2020"
Licenciado em Gestão, Eduardo Miranda é o rosto da ALEP, a única associação nacional que representa o setor do alojamento local e da qual é presidente há três anos. Muito antes, em 2009 e em plena crise económica, tornou-se titular de alojamento local, para arrendamento de curta duração a turistas, numa altura em que ninguém sabia muito bem o que isso era - e faz questão de dizê-lo de forma leve. Tudo o que leva a público é, por isso, o que vê acontecer em primeira mão sob os seus olhos. Sempre com um pé em Portugal e outro no Brasil, onde nasceu e regressa algumas vezes, trabalhou dez anos em diversas áreas, como franchising, criação de empresas e empreendedorismo. Mas a queda para o associativismo é antiga e foi um desafio que se impôs.
O Presidente da República promulgou a nova Lei do Alojamento Local, mais restritiva do que a anterior. Acha que há uma diabolização do AL?
Na legislação em si não, mas houve um processo grande de ataque ao AL e a lei é, em parte, resultado disso. O processo todo está errado. Este era um processo que era para ser por iniciativa governamental da área técnica; transformou-se num processo de iniciativa parlamentar. É um processo altamente politizado, no meio de umas eleições autárquicas, onde a grande bandeira era habitação. O AL cruzou-se em quatro ou cinco freguesias só, mas que têm um peso grande, porque foi na capital. O que significa que todo este processo foi bastante politizado e o debate extremado. Isto gerou um conjunto de propostas iniciais bastante radicais, que não tinham nada que ver com a vontade que o governo demonstrou no início: corrigir e fazer ajustes ao setor e que sabemos serem precisos. As propostas foram todas para passar mensagens políticas fortes em temas que eram de interesse momentâneo. Quando dissemos que [algumas propostas] iam matar boa parte do setor, parecia um discurso daqueles inflamados, mas algumas iam mesmo.
Com esta promulgação, essa diabolização vai continuar?
Vai acalmar, naturalmente.
Tudo o que está na lei é errado ou há algo que faça sentido?
Primeiro, o próprio processo foi errado. Quando tenho quatro ou cinco medidas, e três delas que me interessam e onde a posição inicial pública já é bastante extremada, é muito mais difícil chegar a um equilíbrio. Mesmo assim, na altura, conseguiu-se isso na discussão no parlamento. O problema todo é encontrar esse equilíbrio. Alguns dos problemas estavam diagnosticados, era a proporção que estava errada, mas os problemas existem.
Quais são?
Eram duas questões específicas: uma muito localizada, que são os centros históricos de quatro, cinco freguesias de Lisboa e, agora, uma do Porto, que têm problemas estruturais. A mudança da lei das rendas, o investimento estrangeiro, que é bem-vindo, mas que tem de ser pensado, têm o seu efeito. A subida dos preços tem que ver com a procura estrangeira. Estes preços [das casas] de hoje não têm que ver com o AL. O que aconteceu é que se partiu de uma premissa errada: vamos conter o alojamento local. A partir daí, torna-se muito difícil encontrar uma solução equilibrada e foi o que aconteceu. O diagnóstico das questões das freguesias, sim. Precisávamos de encontrar uma solução local para estas.
Reconhece que estavam a descaracterizá-las?
A verdade é que é tudo um processo. No início, o AL mudou estas freguesias, eram freguesias-fantasmas. Ao ter gente é óbvio que muda. A partir de certo momento, quando este stock começa a ser todo ocupado, começa a correr-se o risco de ocupar a habitação, sobrepor-se e pressioná-la. Nós salvámos a zona história, que estava a morrer, e demos-lhe outra cara, mas, a partir de certo momento de concentração, pode-se estar a afetar a funcionalidade de alguns bairros e a criar pressão. Era só isso que precisava de ser resolvido. O AL está em 1738 freguesias. Estamos a falar de duas [onde] nitidamente [existia um problema] e mais duas que já estão em fase intermédia. Era isso que era preciso ser tratado, tal como outra questão pontual que se transformou num tema nacional: condomínios. Foram seis processos de condomínios. Anualmente, temos milhões de hospedagens em apartamentos. Tivemos durante décadas no Algarve, onde convivia com habitação.
Porque é que há esta disparidade?
Por um lado, a novidade. Depois, como estes quatro ou cinco casos ganharam escala em termos jurídicos, foram inflacionados. Estes eram dois aspetos que era preciso conter. Não pedíamos que diminuíssem os impostos nem subsídios. O que pedimos é estabilidade. Vamos corrigir estas questões, que são pontuais e locais, mas de uma forma que traga estabilidade: com regras claras e transparência. Nas decisões principais, que eram estes dois pontos importantes, a nossa grande crítica vai para a forma como foram solucionadas. Não é que não acreditemos que não houvesse problemas ou que não tivessem de existir soluções. Achávamos que eram problemas pontuais e locais e que precisam de regras claras. O que é que seriam regras práticas para todos? Para o centro histórico era simples. Até contribuímos no Parlamento e fomos mostrar isso: criar um conjunto de indicadores para o país inteiro - uma sugestão que era viável e que mostra a tal sobrecarga. Não quer dizer que esteja a existir um problema, mas há probabilidade maior e aí a câmara faz a sua análise a essa zona.
Falta definir uma percentagem.
Falta definir um conjunto de indicadores que sirvam de base. Não é preciso um estudo muito aprofundado, basta um conjunto de indicadores que demonstrem o momento a partir do qual começa a poder existir uma sobrecarga. A partir desse momento, a câmara tem de ter a sua autonomia para agir e nós nunca colocámos isso em causa. Mas que a autonomia exista apenas onde é preciso para não estarmos na mão de critérios subjetivos. Demos às câmaras este poder, que é até um pouco envenenado, porque o que é que vai acontecer agora?! Está muito nas mãos das câmaras. Lisboa vai ter um papel absolutamente fundamental e confiamos que o presidente da câmara encontre um equilíbrio e faça isso baseando-se em dados concretos e estudos. É ele, a câmara dele, que vai dar o exemplo a nível nacional.
Esta nova lei abre portas à possibilidade de a maioria dos moradores de um prédio impedir a instalação de um AL. Isso irá gerar situações de conflito?
Esse é o nosso segundo grande ponto, além das câmaras. Aliás, o primeiro, porque é uma solução que incentiva o conflito. Estamos num momento em que o turismo é fundamental, as cidades estão a ter transformações e tem o seu impacto. Mas não é em dois, três anos que a cidade vai corrigir isso. Mas [com as transformações] há grandes benefícios, acima de tudo porque é um motor importante. Ninguém está a dizer que, por ser um motor importante, vale tudo.
A questão não é o AL, são os turistas?
Além de criarem uma imagem conflituosa, estão a criar uma imagem estereotipada do turista, que não é cumpridor. A questão que se coloca aqui é, uma vez mais, clareza e objetividade. O que é que defendemos? Não é novo. Barcelona fez isto. Quando houver conflitos e sejam graves, o objetivo é poder haver sanções, ter um processo oficial e jurídico para analisar e julgar a situação. Os deputados, pelos vistos, não confiam na justiça. Então que se vão buscar outros meios alternativos de resolução de conflitos: a arbitragem e o julgado de paz. Têm a mesma força de lei.
Os empresários começam a retrair-se?
Pequenos, grandes e médios.
Mas um pequeno talvez tenha mais dificuldade em colocar um apartamento no AL.
Vamos agora reposicionar a conversa no peso do alojamento local, que é mal entendido.
Porquê?
Primeiro, por causa das estatísticas. Depois, porque é um fenómeno novo.
No Algarve, há pelo menos 30 anos que há apartamentos...
Bem ou mal, para muitos é tido como novo. E outra parte nova: nas grandes cidades, no interior, nos Açores e na Madeira.
Está a ajudar a desenvolver áreas.
Essa é a dimensão que ainda não se percebeu. Primeiro, temos os dados que dizem que 14% dos hóspedes ficaram em AL.
Os do INE indicam isso.
Os dados do INE são completamente errados. Não sabemos com que números estamos a trabalhar hoje. Estamos com uma margem de erro dos dados oficiais para a realidade impressionante e não é por ilegalidade. É simplesmente por metodologia estatística [uma vez que o INE só contabiliza a partir das dez camas]. Fazendo um levantamento rápido. O INE diz que, a 31 de julho de 2017, havia 2663 alojamentos locais. [Vi os registos e eram] 49 mil, mais os dos Açores, passando assim dos 50 mil. Camas falam em 66 mil. Retirei todos os registos e eram 245 mil. Aquilo que o INE tem é quatro vezes menos do que a realidade.
Tudo devido ao método contabilístico.
Muita gente está a dizer que o AL é uma tendência interessante, quando hoje é base e pilar do turismo. O AL hoje já deve ter, em hóspedes e dormidas, em torno dos 30%-35%, estamos a falar de um terço. Até 2020, mantendo essas projeções, o AL vai ser a principal forma de alojamento em Portugal.
Essas projeções incluem os efeitos que esta lei pode ter?
Esta lei vai provocar um efeito que é terrível: desconfiança nos promotores. Qual é o meu problema maior?! É que com esta lei estou a tirar bons projetos. Não estou preocupado com quantidade.
Quanto é que o AL vai crescer?
Vai continuar a crescer e vai ser a principal forma de alojamento turístico. E não é preciso crescer muito. Está quase lá.
Onde vão surgir mais camas?
Há um crescimento importante nas ilhas: Madeira e Açores.
Os Açores não têm muitos hotéis?
Não têm e depois as pessoas ficam um ou dois dias num sítio. É um turismo muito virado para a natureza. Há esse tipo de solução tanto lá como no interior. Começa a haver uma vaga de turistas a querer experimentar fora de Lisboa e do Porto. No interior, em algumas vilas onde não é viável construir hotéis.
Mas onde há muitas casas.
Temos muitas casas em aldeias. Agora, precisamos integrar o AL no turismo como um todo. Precisamos de trabalhar com animação turística. Nessas zonas é essencial: Açores, interior e mesmo em Lisboa. O típico viajante do AL quer experiências novas. Animação turística é fundamental. E depois precisamos de integrá-los com as agências.
Colocar as agências a olharem para esta realidade?
Não é uma questão de olhar. É preciso integrar mesmo. Há um potencial aqui gigantesco, acreditamos que é preciso, e ter também algum equilíbrio nessas zonas de maior concentração, mas mais uma vez o problema é não ter tido clareza, estabilidade. Optou-se por uma solução mais política sem conhecimento específico do setor. Quase de certeza essa lei vai ter de ser revista por quem conhece a matéria até porque tem tantos erros que ela tem de ser revista.
Há espaço para a hotelaria e o AL conviverem?
É obrigatório ter essa diversidade. Se eu defendo a diversidade, tenho de defender a hotelaria também. Essa diversidade é o que torna um destino forte e o AL hoje é uma pedra fundamental nessa diversidade.
Com estas regras, e dado que há muita gente com medo, é possível que esses apartamentos sejam para habitação permanente ou de longa duração?
Acho que é um trabalho que se está a tentar fazer longo para ganhar confiança no mercado de arrendamento. Há uma falta de confiança grande no mercado de arrendamento. Especialmente se estamos a falar nas zonas que interessam, Lisboa e Porto.
Vai ter esse efeito?
Não vai funcionar. 60% do AL são T1 de 30 a 35 metros quadrados. Qual é a família que vai morar lá?! Estudantes? Solteiros? Jovens? Qual é o problema?! A compatibilização do poder económico dessas pessoas com aquilo que já foi feito de obras de remodelação.