A gestão de carreiras científicas - estamos no caminho certo?
Se por um lado, a nível Europeu, as notícias têm sido boas no que toca ao aumento da confiança e do interesse dos cidadãos pela ciência (dados do Eurobarómetro), por outro, na comunidade científica (especialmente no setor público de investigação), há um crescendo de notícias relativas a dificuldades de recrutamento de investigadores doutorados, sistemas de investigação frágeis, emprego precário, e elevada incidência de problemas de saúde mental como a depressão. Estas notícias chegam-nos nas mais variadas formas: o artigo na revista Nature "Lab leaders wrestle with paucity of postdocs", o dossier apresentado pelo Observatório Social da Fundação "la Caixa" sobre a investigação em Portugal e Espanha, ou a revisão sistemática e meta-análise relativa à prevalência de depressão e ansiedades em alunos de doutoramento. A nós, fundadores da Chaperone, essas notícias chegam-nos na forma de testemunhos em primeira pessoa: da investigadora premiada que abriu concurso para um investigador doutorado e não recebeu nenhuma candidatura, do investigador com 10 anos de experiência que nunca assinou um contrato de trabalho e mudou de país a cada 2 ou 4 anos, da estudante de doutoramento que não se sente apoiada e orientada pelo seu supervisor, e do estudante de mestrado que gosta de ciência mas não ao ponto de querer sacrificar a sua saúde mental e estabilidade familiar para fazer o doutoramento.
Foram este tipo de histórias, partilhadas ao longo de 10 anos e um total de 8 países diferentes, que nos fizeram pôr mãos à obra. Criámos a Chaperone para colmatar as necessidades de serviços de desenvolvimento de carreira na ciência através de cursos, workshops ou sessões individuais com consultores de carreira experientes e especializados. Sentimos na pele muitas das dificuldades encontradas pelos cientistas ao longo das suas carreiras e percebemos que uma das formas mais eficazes de evitar, aliviar ou ultrapassar essas dificuldades assenta num claro planeamento e desenvolvimento de carreira. Uma prática comum para profissionais e entidades empregadoras de alguns setores de atividade, porém, pouco implementada ou implementada de forma deficiente no setor da investigação científica, especialmente em instituições públicas. Com o objetivo de democratizar o acesso a serviços de desenvolvimento de carreira de elevada qualidade na comunidade científica, iniciamos caminho há dois anos e meio e, hoje em dia, testemunhamos diariamente o seu impacto positivo nos investigadores, universidades e centros de investigação. Vemos o impacto através das histórias de sucesso dos investigadores, no melhoramento do ambiente de trabalho, ou na diminuição de problemas como a má conduta científica e o assédio laboral.
Atualmente a ciência e a inovação são vistas como motores para o desenvolvimento social e crescimento económico. Isto faz com que muitos países tenham uma visão de futuro e uma vontade real de apostar na ciência. Contudo, o sistema e as estruturas pré-existentes não conseguem sustentar esta visão, criando tensões e insustentabilidade para os profissionais e as instituições do setor. Para amenizar esta situação, as instituições mais atentas estão já a fazer a gestão do seu talento científico de uma forma estratégica, incluindo serviços de desenvolvimento de carreira, internos e externos, personalizados e em grupo, que prestam um apoio inclusivo e contínuo aos seus profissionais, potenciando assim uma cultura interna que fomenta o bem-estar e sustenta a produtividade científica.
Joana Moscoso
Cofundadora da Chaperone
Doutorada em Microbiologia pelo Imperial College London
Diretora e cofundadora da Native Scientist
Prémios Top 100 Mulheres em Empreendedorismo Social na Europa (2021) e "MIT Innovators under 35" (2017)
Pedro Resende
Cofundador e Diretor da Chaperone
Investigador no i3S, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde
Doutorado com distinção em Biologia e Aplicada pelos estudos no Salk Institute e UCLA