"A alternativa à publicidade é o Facebook ser pago e ninguém quer isso"
Mike Schroepfer, o CTO do Facebook, deu uma palestra na Web Summit esta quarta-feira sobre os motivos porque ainda acredita na tecnologia, apesar dos problemas que têm existido e onde revela que "os avanços em por inteligência artificial a eliminar conteúdo nocivo do Facebook nos últimos dois anos seriam inimagináveis há cinco anos". Um dia antes tivemos acesso a uma mesa redonda onde podemos fazer várias perguntas ao 'braço' tecnológico de Mark Zuckerberg sobre o tema.
O responsável começou por destacar que apesar do ceticismo generalizado sobre as plataformas de rede social e nas críticas à disseminação da desinformação, ainda vê o Facebook como uma força para o bem. "As pessoas, especialmente na Europa, parecem esquecer-se do bem que o Facebook consegue fazer na sua essência, na forma como pode ajudar as pessoas em todo o mundo".
Há 12 anos na empresa, sete deles como CTO, tornou-se conhecido pelo seu talento na área de inteligência artificial e por ter sido incumbido já em 2019 com a missão de "limpar o Facebook", como indica o New York Times. Foi o ano passado que chorou em público num debate onde teve de falar do impacto de algum do conteúdo nocivo da rede social na sociedade - onde se inclui o terrorismo.
Schroepfer acredita que "95, 98, 99% da experiência na plataforma são as pessoas apenas a manterem-se em contacto com os seus amigos e familiares". O lado mau do Facebook existe e "chega a ser horrível ver o que aparece na plataforma", admitiu o responsável, "mas isso é uma pequena parte que continuamos a tornar cada vez mais pequena com grande ajuda da tecnologia".
O Dinheiro Vivo questionou o engenheiro americano sobre o documentário da Netflix, Social Dilema, que coloca antigos responsáveis do Facebook a criticarem o modelo de negócio da plataforma, mostrando que os anúncios personalizados estão a levar os algoritmos a potenciar conteúdos que provocam maior divisão e radicalismo entre pessoas, por ser isso que as leva a maior interação e tempo na plataforma.
Mike Schroepfer admite que o assunto foi falado dentro do Facebook e espera que as novas ferramentas tecnológicas ajudem a limitar de forma mais clara o problema do discurso de ódio na plataforma. "Para mim não é assim tão óbvio que o nosso modelo económico esteja ligado ao discurso polarizado e radical", explicou.
O responsável diz também que boa parte do negócio em publicidade do Facebook vem dos pequenos negócios. "Há negócios pequenos que se tornaram verdadeiramente globais graças ao Facebook e se não tiveram as nossas ferramentas de publicidade vão ter muitos problemas para encontrar tanto negócio, ou seja, a nossa publicidade impacta a vida de muitas pessoas a nível global", explica.
Deixa ainda a indicação que é esse modelo económico "que permite dar gratuitamente às pessoas os serviços do Facebook, incluindo os serviços de mensagens e videochamadas do WhatsApp ao Messenger, bem como ter desenvolver a melhor tecnologia do mundo, inclusive para eliminar conteúdo malicioso".
O responsável tecnológico lembra ainda o que tem sido a história das comunicações. "A polarização na sociedade começou há muito tempo e houve outros meios de comunicação, como jornais, rádio e televisão a passarem pelo mesmo dilema", adiante o responsável para quem "não é claro que a causa da maior divisão na sociedade sejam as redes sociais", indicando que "é esta a realidade quando os humanos se conetam uns aos outros, há coisas boas e más".
"Como podemos ajudar as pessoas a serem mais empáticas, compreensivas e civilizadas na internet? Não é fácil. A alternativa é fechar com um modelo de subscrição e tornar as ferramentas mais caras e isso não me parece uma boa solução a nível global".
Schroepfer admite que a rede social cresceu muito e rapidamente mas que nesta altura, já tem um terço do mundo, "3 mil milhões de pessoas", e que "o foco tem mudado". "Tentamos cada vez mais que as pessoas tenham uma experiência significativa, até porque sabemos que se houver demasiada divisão e radicalismo as pessoas saem da plataforma".
Acredita ainda que 99% das interações no Facebook são positivas e interessam às pessoas. Uma das novidades dos últimos tempos é o "novo ranking para destacar as interações significativas e que satisfazem as pessoas e a sua experiência". Por isso têm deixado inquéritos aos seus utilizadores "para que ajudem o algoritmo a dar-lhes conteúdo que seja adequado" porque "o objetivo é criar valor ao longo do tempo".
O responsável admite os desafios do tema: "Como podemos ajudar as pessoas a serem mais empáticas, compreensivas e civilizadas na internet? Não é fácil. A alternativa é fechar com um modelo de subscrição e tornar as ferramentas mais caras e isso não me parece uma boa solução a nível global".
Em tempos de pandemia as teorias da conspiração sobre a covid-19, Bill Gates ou a vacina proliferaram nas redes sociais. O CTO do Facebook destaca o centro de informação da covid-19, "que é uma arma contra a desinformação e é usado por 2 mil milhões de pessoas e permite direcionar todos para a informação das autoridades, numa das maiores campanhas de informação mundial".
A nível tecnológico, Schroepfer explica que criaram um sistema de matching - uma rede neuronal que deteta duplicação de conteúdos chamada SimSearchNet lançada já durante a pandemia. O novo sistema está dependente da rede de verificadores de factos espalhados pelo mundo e que continua a crescer - que incluem instituições e jornais até porque "este é um problema humano".
"Assim que algum destes verificadores de factos indica que uma informação é falsa, o matching procura na plataforma tudo o que é igual e elimina ou coloca rótulos". O desafio, no entanto, são as alterações ligeiras ao conteúdo. umas bem e outras mal intencionadas. "Se alguém coloca a palavra "não", pode estar a dizer que uma teoria de conspiração é falsa e temos de ter cuidado para não eliminar esses conteúdos onde uma palavra faz a diferença".
Mike Schroepfer admite que a equipa gigante de engenheiros que coordena está motivada em melhorar a plataforma. "Sabemos que há pessoas de todo o mundo com opinião sobre o que fazemos aqui". Elogia ainda a divisão de inteligência artificial, a Facebook AI e as descobertas do cientista premiado Yann LeCun e explica: "há três anos não imaginava que íamos ter tecnologia tão eficaz a remover conteúdo malicioso da plataforma mesmo antes de chegar a alguém ou de haver uma denúncia, como já temos há 18 meses".
A evolução dos últimos dois anos foi assim "de sonho para qualquer cientista". "Nos últimos três anos passámos de quase 0% de automatismo a remover conteúdo malicioso para os 94%, isto antes de chegar aos 16 mil moderadores", explica o responsável.
Para Schroepfer o mais surpreendente tem sido ver os novos modelos tecnológicos sofisticados a detetarem erros que os moderadores humanos deram em temas de análise mais difícil".
O progresso tecnológico "futurista" está relacionado com uma tecnologia chamada XLM-R, um sistema de inteligência artificial que se treina a si próprio (self-supervised training) - antes tinha de ser aprender diretamente com humanos - e procura toda a internet para aprender e melhorar a apanhar conteúdo malicioso ou de ódio em várias línguas. Ou seja, estas máquinas são já inteligentes ao ponto de não precisarem dos humanos para aprenderem "e evoluírem e melhorarem todos os dias".
Foi este ano que começou a ser implementado, consegue analisar texto, vídeo, áudio e fotos (com tecnologia de visão computacional) e permite replicar as regras do Facebook já muito desenvolvidas em línguas como o inglês por mais 18 línguas a nível mundial, podendo mesmo operar em 100 línguas com ajuda de outro novo sistema inteligente - o M2M-100.
"A tecnologia é uma das melhores formas de melhorarmos a sociedade online", explica o responsável. O CTO do Facebook explica ainda que uma das vantagens dos muitos mil milhões ganhos em publicidade pelo Facebook todos os anos "é ter um laboratório tecnológico de sonho para qualquer investigador que produz tecnologia gratuita para ser usada e melhorada por todos".
"Com este tipo de tecnologia, que já começa a ser usado inclusive na saúde e com apostas nos milhares de quilómetros de cabos em África para expandir o acesso à internet, estamos a baixar o custo da tecnologia", explica.
O responsável deixa ainda uma mensagem para os europeus: "Na Europa devem perceber que a plataforma tem um grande poder de melhorar o mundo".
Indica ainda que monitorizam os resultados obtidos pelos sistemas de inteligência artificial com várias ferramentas e que o objetivo além da transparência dos algoritmos "deve ser os resultados em eliminar o conteúdo malicioso e tornar a plataforma mais saudável e civilizada".
Schroepfer admite que a aposta da Apple em dar mais ferramentas ao seu novo iPhone 12 para os programadores construírem experiências de realidade aumentada vai "mudar o jogo para essa área". Já haviam muitas coisas boas na realidade aumentada, mas o responsável diz que essa aposta vai ajudar: "é um dos passos importantes até chegarmos ao objetivo, termos óculos inteligentes que imitam a experiência do telemóvel, mas projetada no nosso olho e sem a necessidade de pararmos o que estamos a fazer para tirar o telefone do bolso e olharmos para ele".
Esse caminho ainda vai demorar, porque como se viu pelos óculos da Google, "as pessoas querem algo simples, que não se destaque e que tenham uma boa experiência de utilização e isso ainda não existe".
Onde põe também grande esperança é na realidade virtual, onde o Facebook tem uma área especifíca após ter comprado a empresa de óculos de realidade virtual, Oculus VR. "Pode ter demorado, mas a tecnologia está cada vez melhor e já existem óculos de grande qualidade a 300 dólares, é uma área que vai explodir agora até por vivermos ainda mais de forma remota".
O responsável admite que há equipas do Facebook a trabalhar em soluções para realidade aumentada e virtual. "É um desafio interessante percebermos tudo aquilo que podemos fazer com ambas as soluções e estamos a trabalhar nisso mesmo". Para já, anuncia que existem 600 mil pessoas a usar realidade aumentada nas plataformas ligadas ao Facebook - incluindo a divisão da Oculus VR. "Mas vão ser bem mais no futuro", vaticina ainda.
João Tomé é jornalista do Dinheiro Vivo.