Perda de poder de compra dos salários pode durar três anos ou mais
A perda de poder de compra dos salários portugueses face à situação pré-crise (o quadro que existia em 2021) vai arrastar-se durante anos, seja qual for o cenário assumido para o desenrolar da atual crise (cenário mais pessimista, mais otimista ou intermédio), indica um estudo publicado pelo governo de António Costa. Num cenário mais adverso a perda de poder de compra (salário real médio a cair) pode durar décadas. Nos outros cenários menos severos, as maiores perdas ocorrem a partir do segundo ou terceiro ano do ajustamento a esta crise, a partir de 2023 ou 2024, inclusive, em diante.
Embora aqui a redução do poder aquisitivo dos ordenados seja mais ligeira, ela pode propagar-se durante muito tempo, também durante décadas; e o mesmo acontece com o Produto Interno Bruto (PIB), calcula um trabalho de análise titulado "Impacto macroeconómico do choque de inflação importada", publicado pelo Centro de Competências de Planeamento, Políticas e Prospetiva da Administração Pública (PlanAPP).
O PlanAPP "é um serviço central da administração direta do Estado", "integrado na Presidência do Conselho de Ministros e está sujeito ao poder de direção do primeiro-ministro ou dos membros do Governo em quem aquele o delegar", diz o decreto-lei que aprova a orgânica deste gabinete de estudos e prospetiva.
O PlanAPP é, por exemplo, a entidade responsável pela elaboração das Grandes Opções do Plano, o documento plurianual para a estratégia orçamental e de política económica que acompanha o Orçamento do Estado.
Recentemente, o Banco de Portugal (BdP) também publicou projeções sobre o que pode acontecer à economia portuguesa, aos rendimentos disponíveis e às poupanças das famílias nos próximos anos (até 2025), tendo concluído que o rendimento real das famílias portugueses está em vias de estagnar durante os próximos três anos, pelo menos.
Esta "estagnação" é como um cenário menos mau na medida em que muitas famílias devem aguentar o embate do agravamento do custo de vida porque vão às poupanças. Isso permitirá enfrentar uma inflação mais alta e uma eventual crise ou debilidade no mercado de trabalho e no país.
O trabalho do PlanAPP aponta no mesmo sentido, embora no cenário mais pessimista a destruição do valor salarial (por via de uma permanência mais longa da inflação elevada) seja mais violenta e problemática.
Neste exercício da entidade tutelada pela ministra Mariana Vieira da Silva, o ajustamento salarial em baixa faz parte integrante da realidade assumida e esperada num futuro próximo, seja qual for a severidade da inflação e da crise.
O novo estudo "tem por objetivo avaliar os efeitos macroeconómicos potenciais do choque de inflação importada na economia portuguesa, considerando diferentes cenários hipotéticos - otimista, intermédio e pessimista - quanto à duração do choque (permanente ou temporário)".
"No cenário de choque permanente (pessimista) são previstos efeitos bastante significativos, com uma perda permanente do PIB e do salário real médio de cerca de 2% face ao nível sem choque", refere a análise.
"Relativamente aos cenários hipotéticos de choque temporário (intermédio e otimista), as perdas mais significativas ocorrem entre dois e quatro anos após o choque e são menos intensas do que no caso do choque permanente. Neste caso do cenário intermédio, estima-se "uma perda de PIB e de salário real médio de 0,5% e 0,3%, respetivamente".
"No cenário mais otimista, as reduções de PIB e de salário real médio são de 0,2% e 0,1%, respetivamente, face ao cenário sem choque", resume o documento (ver quadro).
Os autores dizem que "fazendo a transposição para um contexto fora do modelo (i.e., para o "mundo real"), um choque permanente significa que, depois do impulso inicial dos preços relativos (preços externos face aos domésticos) devido a uma taxa de inflação importada mais elevada que a taxa doméstica, as duas taxas de inflação convergem e tornam-se idênticas".
Isto significa que, "neste quadro, os preços relativos ficam permanentemente no seu nível pós-choque". A esmagadora maioria dos trabalhadores perde poder de compra porque o custo dos bens importados domina e com isso o PIB emagrece. A economia gasta mais, o défice externo tende a aumentar.
Neste cenário mais pessimista, o choque permanente "traduz-se num aumento permanente de 11% nos preços relativos (preços externos face aos preços domésticos) face ao cenário sem choque [2021]", dizem o PlanAPP.
Já um choque temporário significa que, depois do impulso inicial e a partir de certo ponto, a taxa de inflação importada se torna inferior à doméstica, de tal modo que, a seu tempo, os preços relativos regressam ao nível inicial pré-choque (sendo que, nos períodos subsequentes, as duas taxas de inflação se tornam idênticas). Mas aqui são colocados dois cenários.
Um deles é o chamado "cenário mais otimista", onde ocorre um "choque temporário e pouco duradouro, traduzido num aumento de 11% nos preços relativos durante dois trimestres, passando a aumentos sequencialmente menores (7% e 4%) nos quatro trimestres seguintes, face ao cenário sem choque". Ou seja, o aperto tende a desaparecer passado um ano e meio.
Mas há um cenário "intermédio". Aqui, o estudo do governo assume "um choque temporário, mas persistente, traduzido num aumento de 11% nos preços relativos durante quatro trimestres, passando a aumentos sequencialmente menores (7% e 4%) nos oito trimestres seguintes, face ao cenário sem choque".
Ou seja, a crise não vem para ficar, mas ainda assim a alta pressão da inflação importada sobre a economia e o custo de vida pode durar três anos, considera o estudo do governo.
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