Dinheiro
A mim, o que me sensibilizou não foi nem a poupança nem a necessidade. Sempre fui razoavelmente irresponsável com o orçamento doméstico. Por outro lado, fui-o porque pude. Reconheço-o com um certo à-vontade burguês, mas não sem sentimento de culpa: o que a mim me sensibilizou foi a liberdade.
Sim, claro, a promessa de mansidão também. E o desejo de escrever um épico. Mas, no último instante, persuadiu-me esse argumento: uma vida mais barata, menos dependente dos humores da economia.
Se alguma coisa um homem aprende nesta vida é que mais dinheiro nem sempre significa maior conforto: muitas vezes só significa maior servidão. Talvez tivesse chegado o tempo, enfim, de operar do lado da despesa. Ademais, esta família vive de livros e jornais - a última coisa que qualquer contabilista nos aconselharia era a manter a fé.
E, no momento em que pus os pés em terra e vi como tantas destas pessoas viviam, o dinheiro que tinham disponível, o que para elas constituía uma excentricidade e o que no seu mês significava um rombo - um acerto na leitura da luz, a necessidade de apanhar um táxi, uma coima do parquímetro -, tornou-se claro para mim como eram obscenas tantas das despesas que eu fazia, no usufruto do prazer como às vezes até sem ele.
Hoje, ando com meia dúzia de euros no bolso, se é que ando com dinheiro. Aproveito o pão de um dia para o outro: não porque me tenha esquecido de comprar, mas porque quero fazê-lo. Aponto o frasco de champô à palma da mão e meço uma noz - e, quando me ocorre comprar um casaco novo, ou uns sapatos, pergunto-me se serão ao menos satisfatórios, ou se os compro apenas por vício.
Não é gosto na privação, nem tão--pouco será ainda o dom da avareza (quem me dera): é horror ao desperdício. Podia ter sido a cidade, mas foi o campo que mo ensinou.