Vermelho vivo, verde esperança, azul desmaiado. Os três grandes esta época
Vermelho vivo: Benfica trocou de treinador e foi campeão. Verde esperança: na época mais tumultuosa, Sporting ganhou as taças (da Liga e de Portugal). Azul desmaiado: FC Porto fez uma bela Champions (80 milhões de euros encaixados não permitiram aliviar restrições da UEFA), disputou todos os títulos até ao último jogo e acabou de mãos vazias. Este é o balanço quantitativo de 2018/2019 dos três maiores clubes portugueses.
As festas dos títulos, este ano, fizeram-se em Lisboa. O Marquês foi reconquistado pelos benfiquistas, com o 37.º título de campeão nacional a chegar depois de uma recuperação de sete pontos de atraso para o muito tempo líder FC Porto (que até começara a época no tom vitorioso de 2017/18: ganhou a Supertaça, relativa à temporada passada, a abrir as hostilidades em agosto). O Sporting viveu sob a influência do ataque a Alcochete a 15 de maio de 2017 (agressões, rescisões, comissão de gestão, processo eleitoral, troca de treinador...) e acabou com um troféu em cada mão - batendo, em ambas, o FC Porto na final (em Braga, conquistou a Taça da Liga em janeiro; no Jamor, levantou a Taça de Portugal).
O Benfica é campeão e esta década bate o grande rival FC Porto: são cinco para o clube da Luz (tetra de 2014 a 2017 e 2019) e quatro para o do Dragão (tri 2011 a 2013 e 2018). Nos últimos dez anos, as águias conseguiram um 6-4 (juntando o título de 2010), o que permitiu a Luís Filipe Vieira aproximar-se de Pinto da Costa no período (desde 2003) em que rivalizam diretamente (21 troféus para Vieira, 24 para Pinto da Costa, o presidente mais ganhador da história do futebol mundial: 60).
Vieira salvou-se de uma época frustrante, depois da trapalhada com Rui Vitória. Em dezembro, viu uma luz e manteve o treinador; semanas depois, essa luz apagou-se e trocou o bicampeão pelo treinador da equipa B, Bruno Lage. Lage falhou as taças (final four da Taça da Liga, eliminado pelo FC Porto; meias-finais da Taça de Portugal, eliminado pelo Sporting; quartos-de-final da Liga Europa, caindo perante o Frankfurt), mas bateu os rivais no "principal objetivo da temporada. Ganhou 18 dos 19 jogos na Liga, recuperou sete pontos de atraso para os dragões (acabando dois pontos à frente) e carimbou a reconquista. E lançou Félix, Ferro, relançou Samaris, conquistou o plantel, adeptos e críticos.
Rui Vitória saiu de fininho para a Arábia Saudita, mas deixou perto de 50 milhões de euros nos cofres em mais uma temporada frustrante desportivamente na Champions, em que caiu da fase de grupos para a Liga Europa. Mas foi campeão duas vezes, pela Al-Nassr e pelo Benfica.
O grande desafio do Benfica é resistir à contabilidade, e aos sacos de dinheiro que ameaçam levar João Félix. Mas parece, dos três, o que tem teoricamente o plantel mais estável.
O FC Porto entrou como campeão, ganhou a Supertaça (batendo o Aves, que batera o Sporting no Jamor há um ano) para vincar esse estatuto e discutiu finais atrás de finais até acabar de mãos vazias e 80 milhões de euros em caixa com uma caminhada irrepreensível na Champions (melhor equipa da fase de grupos, caiu perante o finalista Liverpool).
O milagre das rosas de 2017/2018, em que Sérgio Conceição multiplicou excedentários em protagonistas para travar a marcha de sucesso do Benfica tetracampeão, transformou-se numa tortura dos espinhos. Jogou final atrás de final com a equipa de Bruno Lage no campeonato (mas perdeu, provavelmente, a mais importante: o 1-2 no Dragão custou a liderança jamais recuperada), jogou e perdeu final e mais final com o Sporting de Keizer (Taça da Liga em janeiro, Taça de Portugal este sábado).
Uma boa imagem desta época é a final do Jamor: uma carrada de oportunidades de golo resultou na derrota no desempate por penáltis. Ou seja, enquanto na Luz houve Seferovic (foi de prescindível a melhor marcador da I Liga, com 23 golos), no Dragão não houve Aboubakar (e Tiquinho Soares e Marega foram incapazes de resolver o problema de expressão da equipa).
Na Europa, a equipa de Conceição foi um tubarão: número 1 do ranking após a fase de grupos (cinco vitórias e um empate) da Liga dos Campeões, só tombou perante um frenético Liverpool, que joga no dia 1 de junho a final com o Tottenham. Aos 80 milhões de euros de receitas, somou-se a amplificação mediática de talentos com Militão (vendido por 50 milhões ao Real Madrid).
Em 2019/20, época em que o treinador já garantiu permanecer no Dragão, mantém-se o mecanismo de controlo financeiro da UEFA (anunciado na sexta-feira e com implicações na construção do plantel), mas saem as joias. O capitão Herrera, o intermitente talento de Brahimi, o talentoso Militão. Felipe e Alex Telles são muito cobiçados, Fabiano, Maxi, Hernâni, Adrián López terminam contrato e o ciclo de azul e branco.
Numa época dolorosa, porque ganhar é o ADN Pinto da Costa - o tal "somos Porto" -, ainda houve espaço para mais dramas. Iker Casillas teve um enfarte do miocárdio e deverá terminar a carreira. Parece ter acabado a carreira de um dos mais proeminentes ganhadores do futebol mundial, mas pode estar a começar a de um promissor dirigente. O título de Dragão de Ouro jamais lhe será negado.
A 15 de maio de 2017, um grupo de meliantes atacou o plantel em Alcochete, poucos dias antes do Sporting de Jorge Jesus perder a Taça de Portugal no Jamor. Houve detenções, jogadores a rescindir em barda (e depois recuperados), um processo diretivo que culminou na expulsão de sócio do então presidente Bruno de Carvalho. Um ano depois, dizer que o Sporting ganhou dois troféus é como dizer que se ressuscitou um morto.
Pelo meio, houve comissão de gestão, expedientes sujos entre notáveis, adeptos ansiosos e receosos, eleições muito concorridas com um vencedor destacado: Frederico Varandas. Um médico para um moribundo, nem de propósito. O dinheiro não abunda em Alvalade, mas quem tem Bruno Fernandes (e Matthieu, ou até o irascível Acuña e meio Bas Dost) arrisca-se a sair de um tumulto com ouro. José Peseiro sucumbiu aos escombros do 15 de maio de 2017, Marcel Keizer pegou na equipa.
Esta demorou a engrenar, garantiu o pódio na I Liga com fases em que parecia uma máquina de ganhar jogos (embora castigada nos duelos com os rivais Benfica e FC Porto - duas derrotas e dois empates), foi respirando nas taças e acabou por ganhá-las com a fortuna necessária para renovar a esperança. Embora o 3.º lugar dos leões seja um lugar algo distante da luta pelo título, que deverá demorar tempo a entrar nas contas realísticas do Sporting. Após o 25 de abril de 1974, ano em que foi campeão, o leão só ganhou quatro campeonatos, contra um do Boavista, 17 do Benfica e 23 do FC Porto.
Bruno Fernandes liderou a revolta dos lesados. Fez uma temporada excecional, marcou golos, deu vitórias, criou autoridade desportiva e emocional, evoluiu para algo demasiado valioso para a realidade portuguesa. Será uma tremenda injustiça ficar por cá. Porque é, clara e obviamente, jogador de outro campeonato.
A próxima temporada vai abrir com um Benfica - Sporting na Supertaça. Com que plantéis, logo se verá, assentada a poeira de um longo, desgastante, pouco edificante período de defeso.
A chave dos três grandes pode ser mesmo manter os treinadores, porque sobre os jogadores têm pouca margem de decisão. As transferências envolvem protagonistas demasiado poderosos para que as bolsas de Benfica, FC Porto e Sporting tenham uma palavra decisiva na conservação dos cobiçados.
O empático e triunfante Bruno Lage terá o teste de fogo, depois de meia época de grande sucesso. O resiliente e politicamente incorreto Sérgio Conceição terá de reinventar recursos (mais uma vez) numa SAD limitada pelo garrote financeiro da UEFA, o (até ver) sereno Keizer ainda precisa de perceber que trunfos terá na mão para ambicionar aproximar-se dos dois tubarões portugueses.