Devem os clubes mudar os seus emblemas?
Um emblema de um clube é muito mais do que uma imagem gráfica. Representa um nome, uma ideia, um conceito e um sentimento. É por isso que uma roda de uma bicicleta com um escudo vermelho e branco e uma águia no topo é logo identificado com o Benfica; um leão num fundo verde é sinónimo de Sporting e uma bola azul com o brasão da cidade e um dragão identificado com o FC Porto.
Os emblemas são também guardiões da história, memórias da fundação dos três principais clubes portugueses, que atravessaram os tempos e foram alterando-se e modernizando-se.
A questão sobre mudanças nos emblemas foi levantada nesta semana com a notícia de que o Benfica estará a preparar alterações. Mas será o emblema de um clube inegociável ou imutável? Francisco Pinheiro, historiador do desporto, diz que "depende muito do contexto". "Estamos a assistir a um fenómeno de clubes centenários que estão a atualizar os seus símbolos. A Juventus, por exemplo, fez uma mudança radical. E isso tem muito que ver com a narrativa da modernidade e do marketing", explica, lembrando que "ao longo da história se assistiu à modernização dos emblemas, um pouco à semelhança das camisolas que todos os anos têm novas apresentações".
Nesse contexto, considera que "uma mudança radical no emblema não implica a perda da história do clube", até porque, sublinha, "esse tipo de alterações representam ciclos da história, ao longo da qual têm sempre surgido estes fenómenos, que são sinal de evolução".
Numa vertente mais empresarial, Uriel Oliveira, vice-presidente da Cision, empresa que avalia a reputação das marcas, acredita que a mudança de emblema de um clube desportivo poderá estar associado "a uma mudança de atitude em relação ao mercado, além de ser igualmente uma forma de mostrar que a missão a que se propõe foi melhorada". Este tipo de decisões está na maioria das vezes relacionada "com questões financeiras", nomeadamente "ao nível da projeção das receitas de merchandising".
Este especialista recorda que quando o Sporting mudou radicalmente o seu emblema, em 2001, foi para passar "uma mensagem de modernidade, mais virada para as novas tecnologias". Na prática, acrescenta, "os clubes são marcas históricas, mas não querem ficar agarrados ao passado e querem mostrar que estão em evolução". Uma opinião sustentada também por Francisco Pinheiro: "Os emblemas quando foram criados há mais de cem anos não foi a pensar na marca, mas sim num contexto muito próprio, muitas vezes mais afetivo com uma simbologia representativa da proximidade com a cidade ou o país. No entanto, vivemos tempos em que existe a necessidade da globalização."
Uriel Oliveira considera que uma das questões que estará subjacente à mudança será, precisamente, "a pretensão de uma marca se tornar global". E para isso revela os passos necessários a dar para atingir esse objetivo: "É fundamental deixar cair do símbolo os elementos regionais e incluir outros para que possa ser identificado e aceite noutras zonas geográficas." Nesse sentido, a simplificação do emblema, à semelhança do que fez a Juventus, é um passo, desde que se utilizem símbolos globais. Contudo, avisa que qualquer alteração "terá de ser bem explicada", pois só assim "será bem aceite" pelos adeptos. Francisco Pinheiro admite que "será difícil imaginar" os emblemas dos três grandes perderem alguns dos seus elementos, mas garante que "aos poucos os adeptos acabam por aceitar", afinal "a história não se apaga".
O emblema do Benfica como hoje é conhecido nasceu em 1908, após a fusão entre o Sport Lisboa e o Grupo Sport Benfica. Do primeiro ficou o escudo e a águia com a frase em latim "E Pluribus Unum", que foi colocada em cima da roda da bicicleta herdada do Grupo Sport. Esta estrutura foi mantida ao longo dos anos, com todos os elementos originais, mas foi sendo modernizada. E apenas em 1999 se registou uma alteração significativa, embora ligeira, com as garras da águia a passarem a estar em cima da roda da bicicleta e não sobre a divisa em latim.
Mais tarde, a equipa de futebol profissional passou a usar três estrelas por cima da águia, como forma de assinalar os títulos de campeão nacional conquistados pelo clube, sendo que cada uma delas representa dez títulos.
O FC Porto esteve 15 anos, após a fundação em 1893, sem qualquer emblema. Até que em 1908 surgiu o registo de um primeiro símbolo, embora não oficial. Era uma imagem simples: as letras FCP brancas desenhadas e sobrepostas, sobre um fundo azul-escuro. Pode mesmo dizer-se que era um emblema bastante futurista para aquela época.
Foi José Monteiro da Costa, responsável pela reativação do clube em 1906 após um período de inatividade desde quase a data da fundação, a criar o primeiro emblema oficial do FC Porto, em 1910. O desenho voltou a ser simples, com uma bola azul com finas listas brancas com as iniciais FCP inscritas também a branco.
Passaram 12 anos até que numa assembleia geral, a 26 de outubro de 1922, foi aprovada a alteração para aquele que é atualmente o símbolo portista. Augusto Batista Ferreira, mais conhecido por Simplício, futebolista do clube e artista gráfico, criou um emblema com o objetivo de unir o clube à cidade.
Para isso foi utilizado o brasão da cidade criado no século XIX, com as armas que D. Maria II atribuiu ao Porto por Carta Régia, em janeiro de 1873. Em torno do escudo está representado o colar e a grã-cruz da antiga e muito nobre Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito. No topo do emblema, a coroa da monarquia e o dragão de São Jorge, símbolo da presença britânica na cidade, com uma fita portadora da palavra "Invicta".
Curioso é que, em 1940, o Estado Novo publicou uma portaria que obrigava a que fossem retirados de todos os símbolos no país as referências à monarquia, mas o FC Porto decidiu manter o brasão original da cidade, apesar da imposição do Estado português.
Ao longo dos anos foram feitos ajustes de modernização do símbolo, o mais significativo em 2001, quando foi aumentado o fogo que saía da boca do dragão.
O emblema que mais alterações sofreu ao longo da sua história foi o do Sporting. Em 1907, um ano depois da fundação do clube, foi pedida autorização a D. Fernando de Castelo Branco para que o clube pudesse utilizar o brasão da sua família: um leão rampante de ouro. A autorização foi concedida, desde que não utilizassem o fundo azul. E assim foi, o leão dourado surgiu por cima do verde e com as iniciais SCP ao fundo do emblema.
Seis anos depois surgiu a primeira mudança por influência do guarda-redes Hugo Morais Sarmento, que regressou da Alemanha para representar o Sporting e, à chegada a Lisboa, surgiu com um casaco que na lapela tinha quatro emblemas de clubes alemães. Os dirigentes leoninos ficaram impressionados com os desenhos. O próprio Sarmento encarregou-se de elaborar o novo símbolo e encomendou a confeção numa empresa alemã. O emblema manteve o leão, agora em tons de cinzento, em fundo verde, mas com um círculo em toda a volta onde estava inscrito Sporting Clube de Portugal.
Em 1930, após a assembleia geral ter recusado quatro modelos de emblemas propostos, foi adotada uma nova versão, na qual surgia apenas o leão num fundo verde e com as iniciais SCP em baixo. Quinze anos depois, uma nova alteração colocou as iniciais no topo do emblema, onde o grande destaque era o leão rampante.
Esta versão durou até 2001, altura em que foi adotada a imagem atual, onde a grande novidade foram as listas brancas a acompanhar o verde e os nomes Sporting por cima do leão amarelo e Portugal, por baixo, numa tentativa de uniformizar o nome a nível internacional.