Benfica de Lage supera o teste do algodão e sai do Dragão na liderança
Se o clássico do Dragão era o teste do algodão ao efeito Bruno Lage que revitalizou um Benfica que começou o ano como "morto" para o título, então o que se pode dizer é que a prova foi superada. E com distinção. Os encarnados não vacilaram perante um golo inicial de Adrián López e deram a volta ao resultado com uma competência assinalável, saindo de casa do rival com a liderança que era do FC Porto e partindo com dois pontos de avanço para os dez jogos finais do campeonato.
Muito futebol há ainda para correr debaixo das pontes desta Liga, mas este fenómeno em que se tornou o Benfica de Bruno Lage desde que o jovem técnico pegou na equipa, em janeiro, já tem um destaque assegurado na história que ficar para contar desta época, independentemente do desfecho das contas do título.
No Dragão, os jovens super wings encarnados, com uma das médias de idade mais jovens de que há memória (24,64) nestes jogos, não tremeram perante o ambiente adverso de um clássico crucial em casa do rival e saíram do estádio do FC Porto com uma vitória que a equipa da Luz não celebrava desde 2014-15 e que poucas vezes celebrou nos últimos 30 anos (esta foi a quarta apenas).
Um triunfo que manteve também o incrível registo 100% vitorioso de Bruno Lage nesta Liga: nove triunfos em nove jogos desde a estreia com o Rio Ave. Isto num clássico de nível altíssimo, entre duas equipas que provaram ser de longe as melhores do campeonato e que prometem uma ponta final intensa até à decisão do título.
FC Porto e Benfica, de resto, não desperdiçaram tempo num jogo de cortar a respiração. Entrou de dentes cerrados o dragão, um animal de competição à imagem fiel do seu treinador Sérgio Conceição, com Alex Telles a obrigar Vlachodimos a uma defesa incompleta ainda o jogo não tinha 20 segundos. Respondeu o Benfica com uma rápida incursão pelo ataque em que Grimaldo apareceu solto na área a provocar susto na defesa portista.
O arranque era prometedor, com as duas equipas a afirmar desde logo as suas personalidades. A tentar ser mandão o FC Porto, sempre na procura da profundidade oferecida por Marega, que começou a testar a atenção da defesa encarnada num lançamento longo de Alex Telles aos cinco minutos e iria fazê-lo bastantes mais vezes. A responder sempre o Benfica, esticando rapidamente o jogo em transições rápidas que não precisavam de mais do que dois ou três passes para transferir o perigo para a área de Casillas.
Nem sequer os golos demoraram muito a aparecer. Primeiro para o FC Porto, aos 21 minutos, num livre que Adrián López (uma das surpresas de Sérgio Conceição no onze, tal como Manafá, com o técnico a sentar Soares e Militão no banco) marcou à segunda tentativa - lance muito protestado pelo Benfica, que reclamava uma falta anterior e um fora de jogo no remate vitorioso do espanhol.
Logo depois para o Benfica, aos 26', num lance em que a ação do brasileiro Gabriel foi fundamental, a recuperar uma bola no meio-campo portista e a ativar de imediato Seferovic, que descobriu Félix no coração da área. A nova pérola encarnada não tremeu e marcou no regresso a casa do clube onde se formou e de onde saiu por não se sentir devidamente valorizado. Pelo meio já Casillas tinha adiado o empate, ao sair-se aos pés de Pizzi logo a seguir ao golo portista, num sinal imediato de que a equipa de Bruno Lage não iria baixar os braços à contrariedade inicial.
Uff... em pouco mais de 25 minutos já havia tanto para contar num dos clássicos mais emotivos (e bem jogado) dos últimos tempos entre os dois rivais.
Aqui chegados, é uma boa altura para recuperar o contexto.
O Benfica chegou a este duelo numa dinâmica quase eufórica de vitórias que o deixava a apenas um ponto do rival, mas também com uma derrota viva e incómoda na memória, precisamente frente a este FC Porto, a única equipa que vergara o conjunto de Bruno Lage, na Taça da Liga.
O clássico do Dragão era por isso o teste do algodão para uma águia indiscutivelmente mais saudável mas que tinha ainda essa montanha para ultrapassar.
Como se disse já, este dragão é um animal supercompetitivo. Uma equipa habituada a ser dominadora a nível interno, onde na esmagadora maioria das vezes consegue asfixiar a produção ofensiva dos adversários e limitar grandemente o seu raio de ação. Uma equipa de pressão e profundidade, agressiva (no sentido competitivo do termo) nos processos e rápida na execução.
Uma equipa que tem em Marega o corpo que a personifica, um avançado que combina potência, velocidade e entrega, e daí a importância da sua recuperação atempada que tanta polémica criou nos dias que antecederam este clássico. Disponível, o maliano foi titular (a surpresa no ataque foi a ausência de Soares, preterido pelo renascido Adrián López).
O FC Porto de Sérgio Conceição anunciava-se, pois, fiel à sua identidade mais vincada. Essa é a realidade, mesmo se uma corrente de estetas preferia ver um dragão mais personalizado no requinte criativo de Óliver do que na potência do avançado africano. Com Manafá como a outra surpresa no onze - Militão ficou sentado no banco, mesmo contra o Benfica (e pode discutir-se agora se a ação disciplinadora não foi longe de mais, mas...) - e Óliver e Herrera na condução do meio-campo, o campeão nacional apresentou-se no seu 4x4x2 de processos simples e diretos.
Mas também o Benfica se apresentou respeitando a sua nova identidade, transfigurada com Bruno Lage, pronto para dar resposta à dimensão competitiva que o FC Porto de Sérgio Conceição tem feito vingar na Liga.
Uma equipa com processos e dinâmicas completamente diferentes da versão mais "limitada" (mais pobre, mesmo) do Benfica de Rui Vitória, cujos processos e ideias repetitivas pareciam já esgotados até à exaustão, o Benfica é hoje uma equipa com futebol multidimensional, que ocupa de forma mais competente as diversas zonas do terreno. Uma equipa com diversidade de ideias e maior equilíbrio entre processo defensivo e ofensivo.
Um conjunto que se mostra especialmente forte nas rápidas transições para o ataque, onde a dupla João Félix e Seferovic tem revelado notável rendimento, e que redescobriu jogadores que pareciam dispensáveis, como Samaris ou Gabriel, o brasileiro que ganhou protagonismo essencial no início do processo ofensivo, a alimentar o ataque com os seus passes de precisão, seja no lançamento longo de transições seja a dinamizar o jogo entre linhas com passe curto.
E foi isso o Benfica no Dragão. Sem tirar nem pôr. E fê-lo de forma suprema, sem que ninguém acusasse o ambiente ou se escondesse perante o jogo. Nem mesmo a jovem dupla de centrais (ainda sub-21), formada por Rúben Dias e Ferro, que acabou o jogo amarelada mas com distinção na forma como soube lidar com as diferentes ameaças portista ao longo do encontro, fossem Marega, Adrián, Soares ou mesmo, na parte final, após a expulsão de Gabriel (já lá vamos), Otávio, Felipe e quem mais apareceu pela área.
Após o 1-1, o jogo acalmou um pouco o frenesim, mas não propriamente o estilo. O FC Porto sempre à procura de ativar Marega, o Benfica sempre a responder com galopantes transições que colocavam a bola na área de Casillas em dois ou três toques apenas.
Mesmo antes do intervalo, num desses contra-ataques encarnados, valeu o guarda-redes espanhol para segurar o empate aos pés de Seferovic. Mas pouco depois do reatamento, nem Casillas conseguiu evitar que o Benfica dessa a volta ao resultado e se colocasse na frente, após uma bela jogada de progressão rápida a toques curtos, que envolveu Félix, Grimaldo, Pizzi e foi finalizada em estilo por Rafa, com um remate rasteiro na área.
Obrigado a reagir, Sérgio Conceição, de contrato renovado na véspera do clássico, mexeu na equipa. Lançou Soares e Otávio para os lugares de Adrián López e Corona. A equipa ganhou largura e presença na área, Brahimi e Otávio passaram a procurar explorar espaço entre linhas junto à área do Benfica, mas foi a expulsão de Gabriel, num lance em que o puxão do benfiquista a Otávio quase virou uma batalha campal, que deu ao FC Porto a oportunidade para 15 minutos finais de assalto à área encarnada.
No entanto, mesmo com dez, as jovens águias resistiram a tudo (como um cabeceamento de Felipe à barra, um remate de longe do brasileiro que Vlachodimos defendeu em voo e um desvio de Marega quase na pequena área que o guardião benfiquista voltou a parar, por instinto) e saíram do Dragão no primeiro lugar do campeonato. Prova superada.
Podia (e devia, talvez) ser Gabriel o homem em destaque neste espaço. A influência e a qualidade que o brasileiro exerce neste futebol do Benfica de Bruno Lage é notável e só pode deixar incrédulo quem o viu menosprezado durante tanto tempo na era Rui Vitória, mas a expulsão num lance em que se deixou trair por uma cabeça quente poderia ter tido resultados nefastos para a equipa. Outro jogador renascido neste Benfica é Rafa, que oferece qualidade no controlo da bola e na tão importante saída rápida em transição que este conjunto de Bruno Lage pratica de forma sublime. Além disso, ganhou golo (que tantas vezes lhe faltou no passado), como este que valeu a vitória.
VEJA O RESUMO DA PARTIDA
FICHA DO JOGO
Estádio do Dragão, no Porto (49 220 espetadores)
Árbitro: Jorge Sousa (Porto).
FC Porto: Casillas; Wilson Manafá, Felipe, Pepe, Alex Telles; Jesús Corona (Soares, 61'), Herrera, Óliver Torres (Danilo Pereira, 81'), Brahimi; Adrián López (Otávio, 61'), Marega
Treinador: Sérgio Conceição.
Benfica: Vlachodimos, André Almeida, Rúben Dias, Ferro, Grimaldo; Pizzi (Gedson Fernandes, 71'), Samaris, Gabriel, Rafa Silva (Corchia, 88'); João Félix (Franco Cervi, 90'+2), Seferovic
Treinador: Bruno Lage.
Cartão amarelo a Rúben Dias (17'), Ferro (54'), Samaris (60'), Gabriel (78' e 78'), Otávio (78'), Felipe (81') e Vlachodimos (89'). Cartão vermelho a Gabriel (78').
Golos: 1-0, Adrián López (19'); 1-1, João Félix (26'); 1-2, Rafa Silva (52')