As razões para um fracasso europeu segundo Paneira, Domingos e Delfim
Descalabro. Hecatombe. Vergonha. Estes e outros adjetivos pouco simpáticos têm servido para qualificar a campanha das equipas portuguesas nos 16 avos de final da Liga Europa. Outra palavra que podia ser referida seria "surpresa", porque os resultados da primeira mão deixavam em aberto a possibilidade de qualificação aos quatro representantes portugueses.
As más notícias começaram na quarta-feira, quando o Sp. Braga foi surpreendido em casa pelo Glasgow Rangers. A derrota por 1-0 da formação de Rúben Amorim, somada à derrota por 3-2 na primeira não, significou a eliminação.
Na quinta-feira, o FC Porto começou cedo a perder na receção ao Bayer Leverkusen e a derrota por 1-3 não surpreendeu quem assistiu ao jogo. O Benfica chegou a estar em vantagem na eliminatória com o Shakhtar Donetsk, mas deitou tudo a perder com erros defensivos primários e empatou 3-3. O Sporting esteve à beira de salvar a honra, mas sofreu um golo do Basaksehir aos 90"+1, que obrigou a um prolongamento. E outro aos 119' quando as grandes penalidades se aproximavam. No final, saiu vergado ao peso de uma humilhante derrota por 4-1.
O DN contactou antigos futebolistas dos três grandes para perceber se o futebol português está em crise. E a resposta unânime foi afirmativa. Saiba qual é a opinião de Vítor Paneira, antigo médio do Benfica, Domingos Paciência, ex-avançado do FC Porto (e também ex-treinador do Sporting) e Delfim, campeão nacional pelos leões em 1999/2000.
"Acho que é óbvio para todos que neste momento o futebol português está nivelado por baixo e as nossas equipas estão cada vez mais fracas no contexto europeu", começou por analisar Vítor Paneira, treinador e comentador televisivo. Na sua opinião, tudo parte "da fraca competitividade do campeonato português". O antigo jogador das águias sublinha que "Benfica e FC Porto dominam dentro de portas, mas externamente não conseguem disfarçar as limitações". Vítor Paneira entende que os resultados verificados espelham com fidelidade o que se passou dentro de campo: "Analisando friamente, as outras equipas foram superiores".
No caso específico do Benfica, clube que representou como jogador entre 1988 e 1995, o antigo médio "lamenta que a equipa tenha desperdiçado o facto de ter tido duas vezes o jogo na mão". Acrescenta que "as fragilidades defensivas que se têm verificado nas últimas semanas voltaram a ser bem notórias, afetando o equilíbrio da equipa". Por outro lado, refere que "o Benfica encontrou um Shakhtar forte, com muita posse e rápido nas transições ofensivas". E a somar a tudo isso, "os ucranianos ainda tiveram a sorte de marcar duas vezes logo a seguir a golos do Benfica".
Vítor Paneira critica a calendarização da I Liga portuguesa e defende que esse pode ser um dos factos a contribuir para o descalabro europeu. "Em outubro jogaram-se apenas dois jogos do campeonato e em dezembro outros dois. E a prova parou no Natal. Na minha opinião, não temos um calendário assim tão sobrecarregado que justificasse estas paragens", diz. E faz a comparação "com o que se passa em países como Inglaterra, França e Itália, em que os futebolistas jogam de três em três dias e continuam a apresentar uma frescura física assinalável". Questiona por isso "a razão pela qual os treinadores das equipas portuguesas já estão a fazer rotação de jogadores à quarta ou quinta jornada".
Delfim, campeão nacional no Sporting na época de 1999/2000, foi apanhado de surpresa com a hecatombe lusa na Liga Europa. "Sinceramente, não estava à espera, até pelos resultados da primeira mão. O Sporting tinha conseguido uma vantagem de dois golos, enquanto Benfica, Sp. Braga e FC Porto tinham perdido pela margem mínima e com golos marcados fora. Ou seja, estava tudo em aberto e nunca pensei que fossem as quatro equipas eliminadas", começa por referir.
Aquele que foi o homem forte do futebol do Sporting na candidatura de Pedro Madeira Rodrigues à presidência dos leões em 2018 sublinha que "estes resultados refletem de forma clara a perda de qualidade do futebol português, sendo um problema conjunto e não apenas de alguns clubes". Na sua opinião, um dos grandes problemas "é a falta de bons dirigentes, o que depois acaba por ter reflexos dentro de campo".
No caso do Sporting, defende que "o que se passou na Turquia tem a ver com o facto de tudo estar mal no clube, de cima a baixo".
Par Delfim, "falta uma linha de orientação, um fio condutor". E dá como exemplo a atitude de um jogador leonino na partida desta quinta-feira. Na sequência de um passe para um colega e na má receção deste, com a bola a perder-se, desinteressou-se do lance em plena zona defensiva, virando as costas ao jogo. "Atitudes como esta são de alguém que não sente o dever de fazer tudo por aquela camisola. Aqueles que são os princípios básicos estão ausentes", refere.
Domingos Paciência, grande figura da equipa do FC Porto na década de 90, também não estava à espera de resultados tão maus das equipas portuguesas. "Fui apanhado de surpresa, pois o Sporting tinha ganho com alguma margem e as três derrotas foram pela margem mínima, fora de casa e com golos marcados. Ou seja, a Benfica, FC Porto e Sp. Braga bastava ganhar por 1-0 em casa", recorda.
Na sua opinião, "as formações portuguesas abordaram os jogos como se estivessem na Liga portuguesa e nas competições europeias teriam de o fazer de forma diferente". Sublinhando que não pretende criticar os treinadores, "até porque é muito fácil estar a falar depois dos jogos", não deixa de questionar algumas opções técnicas. E dá como exemplo a substituição ocorrida no jogo do Sporting, "com um jogador [Eduardo] a entrar em campo nos descontos num lance de bola parada defensiva".
No caso específico do FC Porto, entende que os dragões "tentaram rapidamente fazer o 1-0 e essa pressa em chegar ao golo não foi benéfica". Até porque "encontrou um Bayer Leverkusen que é uma equipa forte, aproveitando o espaço livre para criar situações de golo".
Domingos Paciência diz que "em Portugal joga-se cada vez pior, por razões que não são totalmente entendíveis". Sublinha que "a superioridade do Benfica e do FC Porto sobre todas as outras equipas é tão grande que depois isso acaba por ser prejudicial nas competições europeias". Aponta ainda "os muitos treinadores novos que apareceram em Portugal nos últimos anos e mudanças em catadupa que não foram benéficas".