Um véu cobre de polémica o mundial feminino de xadrez

Competição arrancou com controvérsia, devido ao boicote de algumas das principais jogadores, por não recusarem obrigatoriedade de usar <em>hijab</em>
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"Preferia sacrificar a minha carreira do que ser obrigada a usar um hijab": sacrificar a carreira, neste caso, é abdicar de participar num Campeonato do Mundo de xadrez, e Nazi Paikidze não se importou mesmo de seguir à risca a ameaça. A jogadora dos EUA, de origem georgiana, é uma das protagonistas do boicote que cobre de polémica a competição, que está a decorrer na capital do Irão, Teerão.

No centro da controvérsia está o facto de todas as 64 participantes do mundial feminino de xadrez (que arrancou na sexta-feira e se realiza até 5 de março, sem a presença de portuguesas) serem obrigadas a usar o hijab, tradicional lenço ou véu islâmico, enquanto estiverem competição ou em quais locais públicos da capital iraniana. Isso levou a que algumas das principais figuras mundiais preferissem boicatar a competição.

Entre as ausentes estão cinco das dez primeiras do ranking mundial, incluindo a n.º1, a chinesa Hou Yifan - embora a falta esteja relacionada com o facto de a atleta contestar o formato do torneio (Hou prefere provas mistas). Na maioria dos casos, a imposição do uso do hijab (obrigatório por lei no Irão desde a revolução islâmica de 1979) é mesmo o argumento apresentado pelas jogadoras, que já ameaçavam o boicote desde outubro, quando o país-organizador foi anunciado pela federação internacional (FIDE).

"Usar o véu significa apoiar a opressão das mulheres e não estou disposta a fazê-lo, mesmo que isso signifique perder uma das competições mais importantes da minha carreira. Para mim, é inaceitável que se realize um Campeonato do Mundo num país onde as mulheres carecem de direitos fundamentais", alega Paikidze, norte-americana de 23 anos. Como ela, 98.ª do ranking mas atual campeã nacional dos EUA (e, por isso, apurada para o mundial), também a indiana Humpy Honeru (n.º 4 do ranking), a ucraniana Mariya Muzychuk (n.º6 e vencedora do mundial em 2015) ficaram de fora. "Nenhuma instituição, nem governo nem Campeonato do Mundo, deveria forçar uma mulher a usar ou a tirar o véu [caso pretenda usá-lo]", sustenta a equatoriana Carla Heredia, atual campeã sul-americana e outra das ausentes.

No entanto, num país onde o xadrez foi proscrito nos anos após a revolução e onde as mulheres têm a atividade desportiva condicionada, há quem conteste o boicote, por entender que a competição pode abrir horizontes para as jovens iranianas. "Entendo que jogar com hijab pode ser incómodo para quem não está acostumada e respeito a sua a sua opinião. Mas o Irão já organizou outras competições internacionais e as participantes não deram assim tanta atenção ao assunto. Este evento é de grande importância para as mulheres iranianas e uma fonte de inspiração para todas elas, não apenas as xadrezistas", disse, ao jornal espanhol El Mundo, a campeã do Irão, Sara Khadem.

Certo é que, perante a ausência de Hou Yifan e Mariya Muzychuk - que conquistaram as últimas três edições -, Teerão vai coroar uma nova rainha do xadrez feminino. A luta pelo título ficará entregue, provavelmente, às primeiras cabeças de série: a chinesa Ju Wenjun, a ucraniana Anna Muzychuk (irmã de Mariya), a russa Alexandra Kosteniuk (campeã em 2008) e a indiana Harika Dronavalli. "Claro que não é confortável jogar com um lenço mas, para mim, o mais importante é o Campeonato do Mundo, onde quer que aconteça... isso não me preocupa muito", conclui Harika, tapando - por agora - a controvérsia.

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