Um sombrero e um sonho: a odisseia de um adepto nas lonas

Ao contrário de mais de 60 mil compatriotas mexicanos que garantiram bilhetes antes dos jogos, José Díaz foi à aventura para a Rússia e não se tem dado mal: virou estrela de televisão e já fazem filas para tirar fotografias junto dele
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Aqui, um sombrero tem poderes especiais. Oferece uma proteção de 360 graus do sol de verão, obviamente. Mas também pode desarmar um estranho, iniciar uma conversa entre pessoas que falam línguas diferentes, colocar o seu dono numa transmissão televisiva internacional ou até mesmo abrir uma porta para o romance.

"As senhoras adoram o sombrero", disse José Ramón Díaz, que comprou o seu há dois anos em Tehuacán, a sua cidade natal, no México, por 47 pesos, cerca de dois euros. "É uma chave que abre muitas portas."

Díaz aprendeu estas lições, e mais algumas, durante o tempo que passou sozinho na Rússia este mês, torcendo pelo México no Campeonato do Mundo. Estudante universitário, fez alguns sacrifícios para financiar a sua primeira viagem para fora da América do Norte, começando por deixar Tehuacán, onde mora com o pai, ir para Los Angeles (Díaz nasceu nos Estados Unidos) e dormir num centro para acolhimento de sem-abrigo durante um mês enquanto trabalhava em dois empregos para juntar dinheiro.

Na Rússia, tem comido o menos possível. Quando come tenta não gastar mais de 300 rublos, cerca de quatro euros, por refeição. Isso faz que vá subsistindo principalmente de sanduíches da Subway ("Dê-me o mais barato", foi a primeira frase russa que ele aprendeu) e de comida para bebé ("É barato e nutritivo", disse Díaz, um homem de 23 anos).

Por muito estranho que o seu plano para o Campeonato do Mundo possa parecer, os adeptos como Díaz invadem a competição a cada quatro anos, suportando períodos de dificuldades autoimpostas para alimentar a sua paixão e tomam decisões de vida que os não fanáticos considerariam ridículas. Conta-se que um peruano teria aumentado mais de 22 quilos de peso antes da viagem porque os únicos bilhetes que conseguiu encontrar eram para adeptos obesos. Acontece que a seleção nacional mexicana tem muitos desses fanáticos.

Oscar Martínez, de 26 anos, por exemplo, tinha um emprego num armazém de San Diego, até que pediu ao seu chefe uns dias de folga para ir à Rússia. "Eles disseram que se eu fosse deixaria de ter emprego", contou ele. "Eu fiquei tipo, OK, ciao!"

Futebol: amor e festa

Muitos outros parecem ter subscrito este mesmo tipo de lógica futebolista. O México teve o sexto maior número de compradores de bilhetes para esta competição: 60 302, e é razoável supor que uma grande parte dos 88 825 vendidos para os Estados Unidos foi também apanhada pelos adeptos do El Tri.

"Metade das pessoas amam realmente o futebol e a outra metade quer estar por dentro da festa", disse Pablo Calderon, de 31 anos, um advogado da Cidade do México que tinha bilhetes para todos os jogos do México.

Díaz, que não tinha bilhetes para nenhum dos jogos da equipa, chegou a Moscovo vários dias antes do início da competição porque a passagem aérea era mais barata nessa altura. Ele passou alguns dias num hostel de oito euros por noite antes de conhecer um russo com um sofá extra na periferia da cidade e que queria praticar o espanhol. "Tive tanta sorte", assume Díaz.

No início deste mês, antes de chegarem as hordas internacionais, Díaz causava agitação onde quer que fosse com o seu sombrero. Foi oito vezes escolhido na rua para dar entrevistas para a televisão. Os locais formavam filas para tirar fotografias com ele. Foram várias as mulheres que lhe deram os seus números de telefone. "Uma recomendação para todos os que ainda não chegaram: traga um sombrero", disse Díaz numa transmissão da televisão mexicana.

No dia do primeiro jogo do México, Moscovo estava repleta de visitantes. As pessoas paravam para fazer conversa fiada.

"Sombrero!", exclamou um homem com uma bandeira alemã sobre os ombros.

"Sombrero", respondeu Díaz.

No sábado, algumas horas antes de o México enfrentar a Coreia do Sul, Díaz andava à procura de um bilhete no exterior da Rostov Arena. A sorte não esteve com ele até que encontrou um homem mais velho com uma camisola branca vestida. Quando o homem tirou o boné e os óculos de sol, Díaz percebeu que ele era Enrique Meza, ex-técnico da seleção mexicana, conhecido como Ojitos pela sua visão arguta, e atual treinador do Puebla da liga mexicana. Meza vendeu-lhe um bilhete que tinha a mais, um lugar ao nível do campo, atrás da baliza, por 85 euros.

Lá dentro, Díaz pôs o seu sombrero e saltou juntamente com as outras 43 472 pessoas no estádio. Todas elas tinham vivido as suas pequenas odisseias para ali chegar.

"Eu não sei como, mas realizei um sonho. Como já disse, sou uma pessoa de sorte", diz o adepto.

Na segunda-feira à tarde, ele estava de volta ao banco de trás de um carro numa viagem de mais de 1600 quilómetros de Rostov para Yekaterimburgo, onde o México fará hoje o seu último jogo da fase de grupos, às 15.00, frente à Suécia. Ele não tem planos para além disso. Nem sequer tem uma passagem de volta para casa.

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